‘Já começamos a ter a noção da saudade que ele deixou, mas quero ter dele a lembrança do companheiro alegre, brincalhão, jovial, bem-humorado.’ Assim o escritor Marcos Vilaça, presidente da Academia Brasileira de Letras (ABL), referiu-se ao colega Moacyr Scliar, morto na madrugada de domingo (27/2) em decorrência de um AVC sofrido em janeiro.
De família judaica, nascido em Porto Alegre em 1937, Scliar ocupava a cadeira 31 da ABL. Tive o prazer de conhecê-lo durante a 1ª Bienal Nestlé de Literatura. Foi em 1991, quando ficamos hospedados por uma semana num luxuoso hotel de São Paulo, em companhia de alguns dos maiores autores do país – entre eles Antonio Calado, Arthur da Távola, João Antônio, José J. Veiga, Lygia Fagundes Telles, Millôr Fernandes e Raquel de Queiroz. Além da entrega do Prêmio Nestlé a novos talentos nacionais, o evento constava de um seminário com vários debates.
Desde o primeiro contato, o autor gaúcho arrebatava a todos com muita simpatia e humildade. Não a pseudo-humildade característica de autores que desenvolvem um personagem para lidar com o público, mas algo realmente profundo e sincero, que o fazia bem próximo das pessoas. Ele era o mesmo com todo mundo à sua volta, sempre espirituoso, solícito e sorridente. Um ano depois, enviou-me um exemplar de Sonhos Tropicais, publicado pela Companhia das Letras, com uma simpática dedicatória. Também me enviaria mais tarde a coletânea Contos Reunidos, da mesma editora, acompanhada de um cartão que guardo dentro do livro.
‘Três boas razões para não faltar’
Numa passagem por Belo Horizonte, Scliar esteve na redação do Estado de Minas para ser entrevistado por Carlos Herculano Lopes – vencedor da Bienal Nestlé com o romance Sombras de Julho. Mais uma vez, tratou a todos com deferência. Na condição de editor de um caderno de saúde e comportamento, cogitei o seu nome para assinar uma coluna semanal, mas por razões que a própria razão desconhece, não me permitiram contratá-lo.
Em 2010, fui convidado para ser curador da 1ª Literata – Festa Literária de Sete Lagoas, promovida pela Iveco entre 17 e 20 de novembro. O primeiro nome que me veio à cabeça foi o de Moacyr Scliar. Afinal, o evento havia sido planejado em homenagem a Guimarães Rosa e eu sabia da admiração do autor gaúcho pelo colega mineiro – ambos escritores e médicos. No primeiro telefonema, Scliar foi novamente polido. ‘Sendo um evento em Minas Gerais, em homenagem a Guimarães Rosa e vindo de você o convite, tenho três boas razões para não faltar’, disse-me assim que o convidei. E foi realmente um sucesso a sua participação na mesa sobre regionalismo e universalidade, mediada por Guga Barros tendo como segundo debatedor o carioca João Paulo Cuenca.
Ego de escritor é problemático
Moacyr Scliar foi, sem dúvida, o principal autor presente na Literata e, curiosamente, um dos mais simpáticos. Sanitarista, conhecedor das mazelas humanas, comentou que o ego é um problema e que ego de escritor é ainda mais problemático. No entanto, disse ter superado isso depois de alguns anos de análise. Discorreu sobre o panorama da literatura nacional, lembrou o sucesso mundial de amigos, como Jorge Amado e Paulo Coelho, e comentou a própria obra, também traduzida para diversos idiomas.
Curiosamente, assim que nos encontramos no hotel pouco antes do debate, o autor gaúcho havia me dado um exemplar da coletânea de crônicas Histórias que os Jornais não Contam, publicado pela Agir. Há pouco, enquanto consultava seus livros na estante para escrever o presente artigo, descobri que a dedicatória lembra a de Sonhos Tropicais: Para fulano de tal, ‘expressão da nova literatura brasileira, com cumprimento pelo seu admirável trabalho, dedica o `quase mineiro´ Moacyr Scliar’.
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Escritor e jornalista, Belo Horizonte, MG