Eric Hobsbawm conquistou justo prestígio entre o grande público apreciador da história e também entre seus colegas de ofício, o que já é em si algo digno de nota.
Claro e elegante, abordou temas aparentemente tão distintos como o mundo do trabalho e o jazz, sempre preocupando-se em relacionar as várias esferas da vida social e fugir de explicações unilaterais, pintando quadros históricos largos, mas precisos.
Incluindo-se na geração de historiadores do pós-Guerra que chamava de “modernizadores”, dedicou-se inicialmente à história do século 19, e o sucesso alcançado por seu “A Era das Revoluções” levou-o a escrever “A Era do Capital” e “A Era dos Impérios”.
Não os escreveu para os colegas, mas tornou-se referência também para eles, carentes de obras que rompessem limites entre temas particulares e situações nacionais.
Teve nesse ponto importância decisiva, ao criticar a historiografia acadêmica tanto por sua especialização excessiva quanto pelos preconceitos que a impedem de se dirigir a um público leigo.
Hobsbawm chegava a se apresentar como “vulgarizador”. Mas não nos enganemos: atingir um público amplo significava não satisfazer a curiosidade acrítica do mercado editorial, e sim participar de um esforço formador.
Em grau e forma própria, compartilhava com colegas como Christopher Hill e E. P. Thompson de uma atitude crítica em relação ao que se consideraria próprio a um historiador marxista e, por isso, inovou nos temas e métodos, como ao escrever sobre uma de suas paixões, o jazz.
Aqui, como na obra sobre “A Invenção das Tradições”, o interesse é iconoclasta. Trata-se de solapar entidades caras ao neoconservadorismo militante a partir dos anos 1970, descobrindo o lado mistificador de certos apelos ao passado legitimador.
Mais do que expressão do inconformismo racial nos EUA, o jazz é entendido no contexto da história da indústria, em especial a cultural. E tradições importantes da monarquia inglesa são examinadas e diferenciadas dos “costumes” em que se baseia o direito consuetudinário típico da ilha, para evidenciar que nelas o passado aparece como algo justificador da resistência a mudanças perigosas para os poderes constituídos.
Mostra assim aos críticos que o marxismo não precisa ser economicista. Mas o mostra também aos marxistas. Esses são seus grandes legados.
Como seria inevitável, há quem discorde de teses expostas na sua vasta obra. Mas não quem negue que ele foi um dos maiores historiadores marxistas de nossa era, cujos “extremos” parece que só começaram depois de 1991.
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[Jorge Grespan é professor do Departamento de História da USP e autor de O Negativo do Capital (Expressão Popular)]