O embaixador brasileiro morto em 19 de agosto do ano passado, em Bagdá, foi homenageado por sua última companheira, com quem viveu os últimos anos de vida, Carolina Larriera. Funcionária da ONU como ele, em 20 de agosto ela assinou belo texto no jornal Le Monde contando que a missão no Iraque foi oferecida a Sérgio Vieira de Mello quando ele planejava voltar ao Brasil.
Carolina Larriera conta o quanto o Brasil estava presente na vida de Sérgio:
‘Ele havia passado a maior parte de sua vida fora do Brasil e, no entanto, Sérgio era profundamente brasileiro: era essa sua dimensão mais forte. O Brasil foi sempre sua verdadeira casa, era onde vivia a mãe que ele amava. Seu senso de humor, mesmo nos piores momentos, era proverbial e ele costumava ilustrar os sentimentos dos iraquianos diante da ocupação comparando com o que sentiriam os brasileiros com tanques desfilando por Copacabana.
Nós conversamos muito antes de decidir se iríamos para o Iraque. Sérgio sabia que era uma missão de alto risco, que não correspondia a sua idéia de justiça. O Iraque veio quando tínhamos outros projetos. Ele queria se aposentar, escrever, nós pensávamos em ter filhos, sonhávamos com nossa futura vida no Brasil.
Um detalhe o define muito bem: nós dois conversávamos em espanhol. Sou argentina, ele tinha vivido em meu país, seu espanhol era perfeito. Mas quando ele falava de si mesmo, de seus afetos, ou quando me falava de amor, era sempre em português’.
No mesmo número do jornal Le Monde, uma reportagem de Genebra contava que as famílias dos sobreviventes do atentado à sede da ONU, em Bagdá, se sentem abandonadas pelas Nações Unidas, que organizou uma cerimônia para homenagear os mortos na explosão. A própria mãe de Sérgio Vieira de Mello reclama que Kofi Annan nunca respondeu às suas cartas, tendo se limitado a enviar-lhe uma carta de pêsames. Segundo o jornal, Gilda Vieira de Mello, de 85 anos, está em situação financeira difícil depois da morte do filho.
Vários sobreviventes contam os pesadelos que têm toda noite. Os médicos chamam de ‘síndrome dos sobreviventes’ o trauma que permanece entre os que escapam a esse tipo de atentado.
Segundo Le Monde, Carolina Larriera e Sérgio Vieira de Mello só estavam esperando a homologação do divórcio dele, prevista para outubro de 2003, para se casarem. Naquele 19 de agosto, ela tinha acabado de sair do escritório dele, e por isso escapou ao atentado. Alguns minutos depois da explosão da bomba, enquanto todo mundo corria para se afastar do prédio, ela foi vista nas imagens de TV tentando cavar com as mãos o local para salvar Sérgio que, antes de morrer, preso nos escombros, ainda pôde responder aos que o chamavam.