Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A imprensa estudantil e a formação de jornalistas em Sergipe

Os jornais denominados, fonte primária de pesquisa, pelo seu conteúdo e período estudado trazem várias possibilidades de abordagens. A proposta do estudo sobre o jornalismo estudantil em Sergipe é ir além do aspecto descritivo de cada uma dessas publicações, buscando na interpretação de seus conteúdos, relações mais amplas.

As matérias desenvolvidas nos espaços desses jornais elaborados por alunos dos cursos: ginásio, secundário e superior, como as datas comemorativas, a prática da leitura, concurso e premiação, depoimentos, entrevistas, matérias sobre fatos e personagens da história contemporânea, política estudantil, denúncia, reivindicações, homenagens, crítica literária (brasileira e estrangeira), criação literária (contos, poemas, crônicas), filosofia, Deip, censura, Era Vargas, Educação, política do Estado Novo, II Guerra Mundial e outras.

Dentre os reais benefícios trazidos pela fundação, em Sergipe, de um órgão de propaganda nos moldes de DPDE, acha-se a, assistência à imprensa dos estudantes e jovens intelectuais, que espalham as tendências culturais da juventude das escolas. Esta acolhida amistosa que encontraram por parte do Departamento Estadual de Imprensa e Propaganda — Deip — possibilitou que diretores e redatores de periódicos estudantis e literários, estabelecessem permanentes contatos, não semente de apoio moral, mas, sobretudo de apoio material tão indispensável nos destinos da imprensa estudantil em Sergipe.

Segundo o aluno Márcio Rollemberg Leite (1910-1980), a subvenção dada pelo governo para impressão do jornal A Voz do Estudante, era uma cumplicidade entre a direção e as autoridades: “Compreendem-se mesmo que os moços idealistas querem somente construir e que os moços destemidos em todo o mundo se molham de amor e de sangue para a redenção da liberdade e da cultura”.

Os artigos falam da memória cultural do Estado, de parte significativa desse período que por várias décadas fizeram do tema estudantil a tônica jornalística de suas matérias, defendendo os interesses da classe, servindo também como veículo de revelação da produção literária de jovens emergentes, bem como a divulgação de intelectuais e escritores já consagrados das nossas letras, como Santo Souza, José Maria Fontes, Abelardo Romero, José Sampaio, Arthur Fortes, Garcia Rosa, Jackson de Figueiredo, Hermes Fontes, Florentino Menezes, Felte Bezerra e outros.

Muitas dessas publicações em sua maioria foram de vida efêmera, com muitas interrupções. No caso do jornal A Voz do Estudante, órgão do Grêmio Cultural Clodomir Silva, o que teve a maior duração, o maior número de edições, é possível que cada número impresso fosse baseado na quantidade de sócios gremistas, que tinham direito a um exemplar gratuitamente. É comum aparecer nas edições, notas convocando os sócios a pagarem suas mensalidades pontualmente, antes de ser enviada a edição mensal para a tipografia.

No relançamento d’A Voz do Estudante, Ano I, nº1, 7 de julho de 1944, foram impressos, segundo a direção do jornal, uma pequena tiragem de trezentos exemplares, que se esgotou rapidamente.

Tratando especificamente das duas maiores instituições de ensino no Estado, Colégio Tobias Barreto e Atheneu Pedro II (Colégio Estadual de Sergipe) que teve várias publicações jornalísticas estudantis, interrompidas por longos períodos, que ressurgiam com outros nomes. Apesar de alguns desses jornais manterem publicidades em suas páginas, de uma forma ou de outras dependiam do apoio do Estado. Mesmo defendendo os interesses da classe estudantil na luta por um ensino de qualidade, investimento nos laboratórios, na quadra esportiva, compra e livros para a biblioteca, construção de um auditório, concomitantemente eram reprodutores do discurso ufanista do Estado Novo, de fortalecimento da Pátria.

Através dos jornais estudantis, muitos desses jovens intelectuais sergipanos iniciantes, deram seus primeiros passos na vida profissional. Muitos dos alunos já demonstravam desempenho para atuar futuramente no campo jornalístico, que anos depois conseguiram redigir e dirigir vários jornais, alguns de circulação nacional:

Synval Palmeira (1913-1993) iniciou a carreira jornalística nos anos 30, escrevendo para A República, Correio de Aracaju, O Estado de Sergipe, Almanack de Sergipe, Folha Popular e outros. Bacharel em Direito em 1935, um ano depois transfere residência para o Rio de Janeiro, após aprovação em concurso, e passa a advogar para o Partido Comunista. Em 1986 elegeu-se Deputado Estadual pelo (PSB) Rio de Janeiro;

Paulo Costa (1912-1961), como os demais se iniciou em jornais estudantis. Bacharel pela Faculdade de Direito da Bahia em 1935, tornou-se Promotor Público combativo defensor das causas populares, em 1944 comprou o Sergipe-Jornal, o qual dirigiu o jornal até falecer. Polêmico, presença das mais importantes do jornalismo sergipano contemporâneo;

Joel Silveira começa sua carreira aos 18 anos escrevendo crônicas na imprensa sergipana. (Foto: O Inverno da Guerra/Divulgação)

Joel Silveira (1918-2007) escrevia suas crônicas n’O Estado de Sergipe, aos dezoito anos vai para o Rio de Janeiro e torna-se o maior repórter brasileiro, além de escritor renomado;

Aluysio Mendonça Sampaio (1926-2008) migra para a Imprensa Popular (A Verdade, dirigido por José Waldson Campos e Jornal do Povo), passando em seguida ao Correio de Aracaju e finalmente a convite de Paulo Costa vai trabalhar no Sergipe-Jornal até 1950 quando se transfere para São Paulo, onde colabora em vários periódicos ligados ao Partido Comunista do Brasil. Aluysio publicou mais de uma dezena de livros na área do direito e literária;

Walter Mendonça Sampaio (1923-2008) seu irmão mais velho, dirige o Jornal do Povo e A Verdade, ambos ligados ao PCB e funda a revista Época (mensário a serviço da cultura e da democracia);

Armindo Pereira (1922-2001) dirige os jornais Mensagem e Símbolo, em 1942 fixa residência no Rio de Janeiro, trabalhou e colaborou em jornais e revistas das quais publicou grande parte de sua obra crítica e de ficção, depois reunida em livros;

Alfredo Gomes de Oliveira, jovem inteligente militante em vários jornais estudantis, tornou-se radialista e compositor. Trabalhou na Rádio Aperipê de Sergipe, PRJ – 6 e na Rádio Excelsior da Bahia como diretor artístico;

Lyses Campos (1918-1935), esperança da intelectualidade sergipana, colaborador em vários periódicos estudantis, levado por Joel Silveira para O Estado de Sergipe, Lyses faleceu prematuramente em 10 de outubro de 1935;

Omer Mont’Alegre (1913-1989) muito cedo enveredou no jornalismo, primeiro em Estância berço da imprensa, redigindo os semanários A Razão e A Estância. Depois em Aracaju dirigiu o jornal integralista A Ofensiva e n’ O Estado de Sergipe mantinha a coluna Farpas até 1937, quando se transfere para o Rio de Janeiro, atuando como redator do semanário Don Casmurro. Em 1939 estreia como romancista;

Jorge de Oliveira Netto (1914-1980) formado em engenharia civil, desde cedo, se sentiu inclinado para as letras. Militou como jornalista na Gazeta Socialista e n’O Nordeste, ingressando no magistério superior, publicou alguns livros, como “Sergipe e o Problema das Secas”, “Deus é Verde” (1967) e “O Colar e as Camisas de Mercedes” (1968);

Junot José da Silveira (1918-2003) trabalhou em vários jornais em Aracaju antes de fixar residência em Salvador, aonde chegou a editor geral do jornal A Tarde Dominical. Professor, cronista e biógrafo, deixando vários livros publicados alguns como “A Bahia na voz dos Trovadores” (1955), “O Romance de Tobias Barreto” (1959), “Cosme – 90 anos” (1964), “Beatas e Cangaceiros nas Artes Plásticas”, “São Cristovão” (1969);

José Antônio Nunes Mendonça (1923-1983) abandonou os estudos secundários, consagrando-se no jornalismo, como crítico literário, polemista, articulista. Publicou “A Educação em Sergipe” (1958), “Desenvolvimento em Sergipe” (1961) e “Velhos Companheiros” (1963). Alberto Barreto de Melo, apesar de bacharel em ciências jurídicas e sociais pela Faculdade de Direito da Bahia, inicia no Boletim, órgão do Colégio Tobias Barreto e Voz do Estudante, órgão do Grêmio Clodomir Silva, colaborador em Símbolo e militando como jornalista na imprensa sergipana através do Correio de Aracaju e do Sergipe-Jornal.

Mário Araujo Cabral (1914-2009), advogado, diretor do Sergipe-Jornal e em Salvador do Diário da Bahia e do Jornal de Vanguarda. Publicou vários livros de poesia, crítica literária e um romance;

José Batista de Lima Silva sociólogo e jornalista, morto em 13 de dezembro de 1979, ainda estudante foi eleito presidente em 1943 do Centro de Estudos da Faculdade de Filosofia da Bahia e responsável pela apresentação do nº1 da revista Cultura, organizada pelos acadêmicos da Faculdade contendo textos sobre filosofia, antropologia, sociologia, literatura, história e poesia. Lima Silva trabalhou em Símbolo e na Folha Popular, foi diretor do Jornal do Povo ligado ao Partido Comunista, redator-chefe do Jornal da Bahia e professor da Faculdade de Filosofia da UFBA.

José Calasans Brandão da Silva (1915-2001), historiador, lecionou no Colégio Tobias Barreto e Atheneu Pedro II, antes de fixar residência em Salvador. Publicou mais de duas dezenas de livros no campo da historiografia, além de colaborar no Correio de Aracaju e no jornal A Tarde;

Carlos Garcia (1915-1971) desde os bancos ginasiais vinha revelando uma fibra de lutador das causas populares. Jornalista, escritor e advogado sindicalista elegeu-se vereador em Aracaju, pela legenda do PCB, dirigiu o Jornal do Povo, Correio de Aracaju e articulista da Mocidade. Mudou-se para o Rio de Janeiro. Outro que se dedicou ao jornalismo foi João Nou exercendo a profissão no periódico O Nordeste. Foi eleito deputado estadual pela UDN.

Márcio Rollemberg Leite (1910-1980) um dos diretores do Boletim, militante comunista foi Redator-chefe do Jornal do Povo e diretor do Diário de Sergipe, publicou o livro “Flagelo” e “Esperanças”, 1978. Outro que se dedicou ao jornalismo foi Florival Ramos;

O estanciano Raimundo Souza Dantas (1923-2002), a convite de Joel Silveira chega ao Rio de Janeiro em 1941, aos dezoito anos, logo passou a colaborar na imprensa carioca, em veículos como o Vamos Ler, Carioca, Leitura e outras revistas;

José Bonifácio Fortes Neto (1926-2004), bacharel em Direito pela Universidade Federal da Bahia em 1950, jurista e professor universitário foi redator, colunista, repórter e colaborador de vários jornais, como Correio de Aracaju, Sergipe-Jornal, Diário de Sergipe, A Cruzada, Gazeta de Sergipe, O Nordeste, Folha da Manhã e também correspondente em Aracaju do Diário da Bahia. Bonifácio publicou: “Poemas do Meu Caminho” (1944), “Evolução da Paisagem Humana da Cidade do Aracaju” (1955) e “Zeppelin” (1998). Foram muitos os que se profissionalizaram no jornalismo: Hermengardo Nascimento trabalhou no Diário de Sergipe ao tempo em que militava no movimento estudantil;

Tertuliano Azevedo (1930-2015) participou da fundação da Gazeta Socialista, fazia parte da redação, chegando a dirigir o jornal e manteve na Gazeta de Sergipe colaborações na coluna Buraco da Fechadura. Foi Diretor Regional do Partido Socialista Brasileiro-PSB. Fora expulso do Ateneu em 1946 pela Congregação, por atacar em artigo publicado na Voz do Estudante os professores Franco Freire e Hernani Prata. Publicou os livros “A Luta pela Democracia” (2010) e “Tertuliano – vida, sonhos e lutas” (2014);

Fragmon Carlos Borges (1927) redator da revista Época (1948/1949), dirigida pelo jovem Walter Sampaio, escrevia também para A Verdade, folha do PCB, dirigida por José Waldson Campos. No final dos anos 50 dirigiu no Rio de Janeiro o jornal Novos Rumos. Morreu em São Paulo nos anos 70 durante a clandestinidade;

Célio Nunes (1937-2010), filho de José Nunes da Silva líder sindicalista do Centro Operário Sergipano, muito jovem ainda foi editor da Folha Popular, passando depois pela Gazeta Socialista, publicou vários livros de contos; José Menezes Campos, colaborou no Sergipe-Jornal; J. Pinheiro Lobão n’A Estância; Sindulfo Barreto Filho colaborou nos periódicos Vida Laranjeirense, Folha da Manhã e Nordeste, além de publicar alguns livros de poesia e crônicas, como “Lagoa do Abaeté”, “Itinerário Sentimental da Bahia” e “Nos Roteiros de Olinda”.

Raros são os estudos historiográficos que retratam a participação dos moços de Sergipe na Imprensa Estudantil, dos anos 30/40 e 50. Um silêncio maior ainda paira sobre a História da Imprensa Estudantil em Sergipe que, antes de qualquer coisa, faz parte da história dos excluídos. Neste quadro, acreditamos que seja preciso dar um lugar na História de Sergipe Contemporâneo a esse período marcante da nossa juventude na cultura sergipana. Esperamos que o assunto em pauta, interesse aos pesquisadores da área e estes possam contribuir para preenchimento da lacuna existente sobre este período importante da nossa vida política e cultural.

Portanto, a produção de jornais estudantis em Sergipe emergiu como veículo ideal daquele processo dos anos verdes de jovens ginasianos socializantes, do ritmo de seu tempo cultural, de seus projetos e de suas utopias. Essa pequena peça artesanal que é o jornal Estudantil, feita com a sensibilidade e o esforço pessoal de cada aluno, cujas palavras impressas são como coisa ligada ao homem, é um jornal lido, discutido, um jornal de leitores, com o seu público. Negar a importância dos “jornalzinhos” estudantis, pobres e humanos é querer fugir da nossa realidade.

Esses jovens intelectuais fizeram verdadeiras campanhas pelos jornais estudantis, aprendendo desde cedo a divulgar e a defender ideias através da palavra escrita. Desta forma a politização começava cedo nos bancos escolares, na prática, cuidando dos seus interesses, desenvolvendo ideias, defendendo posições.

Em sua maioria o teor era o mesmo do antigo jornal mural: polêmico, provocativo e de oposição à direção da escola, à congregação de professores, às assembleias e a quaisquer outros órgãos dirigentes que houvesse. É um período em que os “jornalzinhos” impressos se multiplicam, já bem mais cuidados e com mais recursos visuais e de comunicação.

Portanto, a escrita e a imprensa são armas na defesa de nossas ideias além de nos exercitar na arte de organizar essas ideias.

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Gilfrancisco Santos é jornalista, professor universitário, membro do IHGSE, IGHBA e da Comissão Estadual da Verdade (SE).