Não dá para entender, embora seja a única verdade daquilo que chamamos “vida”. Nem adianta, como no caso do acadêmico Luiz Paulo Horta, falecido subitamente no último sábado, argumentar com a sua discutível condição de “imortal”, uma piada macabra que acompanha acadêmicos de várias latitudes.
O fato é que um dos trancos mais difíceis de suportar é quando um dos imortais que penetrou em nossa intimidade, sem aviso prévio nem tardio, paga seu tributo à fada que nos espera em algum lugar, em algum tempo e modo, fada que para muitos é considerada uma bruxa mesmo sem vassoura e nariz adunco, uma fada verde como o absinto que matou tantos poetas e artis- tas que tentaram esquecer a condição mortal de todos nós, poetas ou não, no ajuste final e, aqui entre nós, inevitável.
Sentido pleno
Horta começou a vida tentando aprender a tocar acordeão. Não era uma boa promessa, mas ele sabia, ou melhor, intuía, que o destino dele estava na música, que o levaria à religião. Bach, Beethoven e Mozart de um lado, os intelectuais que no fim do século 19 e início do século 20 se voltaram para a religião, fizeram de Horta o homem que conhecemos e admiramos.
Nunca resvalou para um proselitismo que não o agradava, como jornalista, e principalmente como escritor. Neste ponto, não imitava Jackson de Figueiredo nem mesmo o mestre Alceu Amoroso Lima, que tinham alguma coisa de polemistas no panorama de nossa realidade intelectual.
Antes de ser um servidor de sua religião, e amante compulsório da música, Horta foi, sobretudo, um humanista em seu sentido pleno e nunca saciado. Chego ao atrevimento de considerá-lo uma espécie de santo que não cheirava a incenso, mas quando sorria (e sorria sempre), mostrava um pouco que não era deste mundo.
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Carlos Heitor Cony é colunista da Folha de S.Paulo