Embora fosse uma referência, já nos anos 1980, para todos os cursos de jornalismo do Brasil, a partir de seus livros, Nilson Lage não teve uma vida fácil na academia. Nilson havia se tornado professor em 1970, na Universidade Federal Fluminense, e a partir de 1977 também na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Embora não possuísse ainda um diploma de graduação, pois havia abandonado o Curso de Medicina e só se graduou em Letras (Português-Russo) ao final daquela década (ao mesmo tempo em que fazia o Mestrado em Linguística), foi admitido nas duas universidades públicas como auxiliar de ensino porque, segundo ele, faltava no corpo docente de então quem soubesse escrever notícias para jornais. Já naquela altura, os cursos haviam se tornado de “Comunicação Social”, e estavam ocupados por acadêmicos de outras áreas que em sua maioria desprezavam o jornalismo, seu exercício e sua função social.
Com sua experiência de redação (nas reformas do Diário Carioca e do Jornal do Brasil, e como editor-chefe da Última Hora), com sua paixão pela profissão que era a vocação dos alunos e com seu aguçado senso crítico quando a regra era baixar a cabeça para a ditadura, Nilson Lage encantava os estudantes, ao mesmo tempo em que despertava ciúmes doentios entre colegas de departamento. Daí que tenha passado a enfrentar toda sorte de boicote a seu trabalho e, como não era do seu gênio contemporizar com quem lhe atacava, colecionou tanto admiradores — às centenas, entre alunos, jornalistas e leitores de seus livros — quanto um bom punhado de inimigos. Sua resiliência e teimosia na defesa do jornalismo no ambiente pouco simpático à profissão que vigorava então na universidade o tornaram um símbolo para todo o país.
Nilson comprou a briga por recuperar a qualidade do ensino de jornalismo. Esteve presente em todos os fóruns, quedas-de-braço e oportunidades abertas pelo Ministério da Educação para avançar nessa direção. Indicado pela Federação Nacional dos Jornalistas, integrou (com Salomão Amorim, da UnB) a comissão que redigiu o último Currículo Mínimo dos Cursos de Comunicação e suas Habilitações, definido pelo Conselho Federal da Educação em 1984. O relatório estabeleceu que metade da carga horária dos cursos fosse voltada à especificidade da profissão, e que houvesse laboratórios com os equipamentos necessários para o ensino das técnicas e as aulas práticas. Num texto escrito décadas depois, Nilson avaliou que esta garantia da presença da prática profissional no currículo semeava o terreno para o desenvolvimento de uma teoria do jornalismo no país: “Tínhamos a esperança (…) de que a atividade laboratorial, com seus instrutores pensando e argumentando com os teóricos (estudando, enfim) gerasse um pensamento renovador, e, daí, tivéssemos teoria consistente”.
Em 1991, Nilson Lage se aposentou na UFRJ e ingressou, como professor titular concursado, na Universidade Federal de Santa Catarina, instituição onde o Departamento havia se rebelado contra a orientação dominante para o ensino da Comunicação e redefinido o foco do seu curso para ser só de Jornalismo. Na UFSC, Nilson Lage pôde ter, pela primeira vez, uma maioria departamental que concordava com suas ideias, e ajudou o curso a se consolidar e se expandir, mais tarde, para uma pós-graduação também específica em Jornalismo.
Nilson marcou presença nos debates da Fenaj que levaram à aprovação do Programa Nacional de Estímulo à Qualidade da Formação Profissional dos Jornalistas num Congresso Nacional da categoria, em 1997, que embora tenha sido referendado por diversas entidades da área, não foi levado em consideração pela primeira proposta de Diretrizes Curriculares para os Cursos de Comunicação. E esteve novamente presente no histórico Seminário de Campinas, em 1999, que reafirmou o mesmo norte para a formação profissional universitária.
Nessa altura, Nilson Lage já participava da comissão, nomeada pelo Inep, para definir as diretrizes do Exame Nacional de Cursos (Provão) de Jornalismo dentro do Sinaes do MEC, mais uma vez com Salomão Amorim, e agora com Alberto Dines e outros notáveis acadêmicos e jornalistas, e deixou sua marca também lá. Embora os cursos seguissem sendo de Comunicação, o Provão de Jornalismo reforçou mais uma vez a orientação profissional e acadêmica específica nas suas orientações aos cursos. Nilson participaria em seguida da Comissão de Especialistas da Secretaria de Ensino Superior do MEC que definiu exigentes e detalhados padrões de qualidade para o reconhecimento dos cursos novos da área, no contexto de uma expansão desenfreada do ensino privado, incentivada pelo governo, tentando frear a picaretagem de mantenedoras privadas sem escrúpulos que se aproveitavam da onda. Respeitado pelos técnicos da Sesu por sua competência e integridade, Nilson foi convidado a coordenar a Comissão de Comunicação e a criar uma Comissão de Jornalismo.
Embora Nilson Lage não tenha participado da Comissão de Especialistas que elaboraria as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino de Jornalismo, já então específicas, em 2009, todos os documentos que produziu neste percurso estiveram na mesa da Comissão, e influíram no resultado final do trabalho. Dificilmente o ensino universitário e a área acadêmica de jornalismo no Brasil teria amadurecido na forma como se deu sem a clareza de propósitos, a persistência e a inspiração de sua luta pessoal pelo reconhecimento da grandeza do ofício pela academia. Uma luta conduzida às vezes com muita briga, mas sem que ele perdesse jamais a ternura pelos alunos, pela profissão de que se orgulhava de pertencer e pelo país que sonhava melhorar qualificando seus jornalistas.
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Eduardo Meditsch é pesquisador da Universidade Federal de Santa Catarina e doutor em Ciências da Comunicação pela Universidade Nova de Lisboa.