Monday, 23 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

O caudilho precisava do confronto: nossa mídia o atendeu

A Folha de S. Paulo o classificava como ditador, mas no dia seguinte ao anúncio da sua derrota pelo câncer designou-o na manchete como “líder populista” e, no subtítulo, completou o perfil: “O presidente reduziu a pobreza e foi acusado de autoritarismo”.

Uma das mais hábeis manchetes do jornalão nos últimos anos: não pretendia aumentar sua circulação em Caracas nem reconquistar o seu antigo leitorado petista ou trotskista. Tentava ser equilibrado – faz parte do protocolo quando a morte anda por perto. Quando o jornalismo deixa de lado a inteligência, perde sua capacidade de surpreender.

O resto da mídia foi majoritariamente na direção contrária, repetiu o seu erro ao oferecer ao ex-tenente-coronel agora promovido a comandante o elemento que mais necessitou para ascender em apenas 14 anos ao pódio mundial: a confrontação. O presidente Barack Obama foi dos primeiros a manifestar-se oferecendo solidariedade ao povo venezuelano. Quando ofereceu o seu pesar, a presidente Dilma resistiu à tentação de aderir à idolatria exibida pela colega argentina, Cristina Kirchner, e admitiu que havia divergências entre os dois governos, desanuviando a revolta das vanguardas chavistas ante o implacável golpe do destino.

Doença contagiosa

Em 2002, o então presidente FHC prontamente reconheceu Chávez como legítimo presidente depois de desmascarada a farsa da sua renúncia. O venezuelano percebeu que também poderia contar com as forças democráticas, mas acabou esquecendo a lição na ânsia de vingar-se dos golpistas e dos seus parceiros no continente.

Em 2005, quando ainda ocupava a chefia da Casa Civil, José Dirceu armou uma viagem-relâmpago a Caracas-Havana-Washington para encontrar-se com Chávez, Fidel Castro e Condoleezza Rice. A ideia era desarmar o gatilho das crises caribenhas. Segundo consta, foi desautorizado aqui mesmo. Estrategistas patrícios preferiam Chávez, como radical, para que o Brasil continuasse no confortável papel de conciliador.

Nicolás Maduro não terá outro caminho senão o da crispação: com ela alavancará sua superioridade eleitoral sobre Henrique Capriles e com ela adotará as imperiosas medidas de austeridade para contornar as dificuldades econômicas. A delirante hipótese de que a CIA inventou um tipo de câncer inoculável proclamada em seguida à descoberta de que Simon Bolívar não morreu tuberculoso, mas envenenado, encaixa-se perfeitamente na estratégia do ressentimento.

Chávez não se preocupava com a perigosa fragmentação da sociedade venezuelana. Um autêntico patriota tentaria em algum momento transformar a ruptura atual em algum tipo de convivência ou coabitação. A mídia brasileira embarcou no caminho chavista da polarização. Esta, sim, doença altamente contagiosa.