Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O fenômeno do riso na telinha

Figura irreverente, inteligente, intrépida, imprevisível, ilógica, instigante. Um artista do humor crítico. No jeito carioca de ser brincalhão, com sua turma do Casseta, o humorista Bussunda, gorducho, desajeitado, brasileirão, que nos acostumou a alegrar o sentido de ser um povo capaz de rir de si mesmo, com sacanas performances, foi dizer adeus pra gente bem no meio da expectativa da Copa do Mundo. Ninguém melhor do que ele imitava Ronaldo Fenômeno, imprimindo na caricatura o calor humano de um povo feliz por ser brasileiro, estar no Terceiro Mundo, descobrir-se vencedor em idéias e jogadas de bola.

Ter que dizer adeus ao Bussunda… que coisa difícil, ter que chorar por quem só nos fez rir, sempre, em tom de zombaria permitida, com a fina inteligência de textos concebidos para nos elevar à categoria de pessoas gargalhantes, nas noites perdidas entre problemas que se amainaram, a cada piada que ele nos trouxe, acompanhado da sua fidelíssima troupe.

Um espécime largadão, talvez por isso mesmo, identificado com a maioria dos homens comuns, que tomam as suas cervejinhas espremendo barrigas entre a cadeira e o copo, metendo o ‘pau’ no governo, no time de futebol, nos políticos, sem perder a chance de apreciar as mulheres passantes, oferecendo gracejos de baixo calão ou brindando à vitória do Brasil. Assim era o personagem Bussunda, o que se mostrou ao público em imagens e textos cuidadosamente criados para nos tornar felizes.

Atenuando as dores

Só de ver sua figura, ainda sem palavra nenhuma, já era possível começar a soltar o riso, a esperar o que viria. Que palavrório esperto nos traria aquela sensação de sermos compreendidos, na instância do deboche da vida, no limiar do ‘tudo acaba em pizza’ ou da turma do ‘deixa disso’. Alma nacional, alma de brasileiro sabichão, que dribla os dramas, as faltas de tudo, desde a educação e a saúde, até a falta de respeito por parte dos que nos cuidam, em tese, ou deveriam nos cuidar. Pois ele, o Bussunda, nos cuidava do humor.

Ele, o garotão dentuço, o palhação da sala de aula, o amigo das peladas, o colega do bar da esquina, o companheiro de infortúnio pra lamentar a morte de um amor, ele era tudo isso misturado. Fica, em nós, um vazio de sua presença na telinha, Bussunda, porque gente com seu talento não se substitui. É certo que seus companheiros de turma seguirão na programação a tentar nos devolver o riso, justamente, em sua homenagem. Mas como podemos rir na hora do adeus a um camarada como ele, cheio de gás, de ironia, daquele comprometimento com a nossa necessidade de tornar cada gargalhada um fenômeno que nos liberte da angústia e nos devolva o espírito da criança que trazemos lá dentro?

Num esforço de reportagem, precisamos rir ao lembrar dos seus momentos gloriosos, além dos textos dos seus livros, para que fique em cada brasileiro a quem ele ofereceu momentos de descontração o gosto das apresentações memoráveis do seu inventivo labor de nos atenuar as dores.

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Jornalista, Rio de Janeiro