Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Os voluntários judeus na Guerra Civil espanhola

“O mais terrível dos sentimentos é o sentimento de ter a esperança perdida” (García Lorca, poeta e dramaturgo espanhol, fuzilado em 1936)

Dois dias antes das eleições americanas de 4 de novembro de 2008 – que consagraram Barack Obama como o primeiro negro a atingir à presidência dos Estados Unidos –, uma reportagem do New York Times destacava os exemplos de heróis do então candidato democrata Obama e de seu oponente, o republicano John McCain. Para ambos, o protagonista do livro Por quem os sinos dobram, o brigadista Robert Jordan, era a representação do homem honrado, generoso, determinado, altruísta, idealista e disciplinado. Ambientado na guerra civil espanhola (1936-1939), o romance de Ernest Hemingway (1899-1961) foi publicado em 1940 e é baseado em sua vivência como correspondente de guerra em Madri. O escritor trabalhava para a North American Newspaper Alliance (Nana), a mais importante agência de notícias à época.

Guerra civil espanhola

Brigadas Internacionais na Guerra Civil espanhola

Engajado contra o fascismo que avançava na Europa (e que matou García Lorca aos 38 anos, em Granada), Hemingway acompanhou a saga dos voluntários das Brigadas Internacionais (1937-1938) que combatiam pela República espanhola contra o golpe militar liderado pelo general Francisco Franco, com o apoio de Mussolini e Hitler. Estima-se que 35 a 40 mil estrangeiros de 53 países, grande parte jovens de ideais socialistas (sendo 8 mil judeus), atenderam ao apelo do presidente espanhol Francisco Largo Caballero (1869-1946), o primeiro sindicalista a chefiar um governo na Espanha. Os brigadistas chegaram ao país no que seria o derradeiro despertar da consciência coletiva antes da hecatombe nazista.

No contato diário com os combatentes vindos dos Estados Unidos, o escritor lapidou o personagem central de seu livro que, para alguns pesquisadores, tem o perfil do judeu nova-iorquino Irving Goff (1900-1989), capitão da Brigada Abraham Lincoln, com 3,2 mil voluntários, e para outros se assemelha a Milton Wolff (1915-2008), também um judeu de Nova York, o último comandante da brigada. Com 40% de seu efetivo composto por judeus americanos, a Brigada Lincoln foi desmobilizada em outubro de 1938 e perdeu 900 combatentes em solo espanhol.

Atrás das linhas inimigas

Mas, quem de fato teria inspirado o herói de Hemingway? No cinema, Jordan foi vivido pelo galã Gary Cooper num filme de 1943, tendo como parceira Ingrid Bergman. Na história, o personagem é um professor de espanhol especialista em explosivos, americano do estado de Montana que se engaja na luta contra o fascismo através das Brigadas Internacionais. Ele viaja à Espanha para se juntar aos republicanos da Frente Popular que lutam contra os franquistas nacionalistas. Sua missão é explodir uma ponte para evitar que as tropas inimigas cheguem à cidade de Segóvia.

Em artigo para o New York Times, o jornalista e escritor David Margolick, ao analisar a preferência de Obama e McCain pelo personagem de Hemingway, destaca que o escritor jamais revelou em quem se baseou para construir o seu herói. Sabe-se que ele conheceu em Madri um jovem professor da Universidade da Califórnia, Robert Merriman, que tinha estudado economia em Moscou e pertencia ao comando tático da Brigada Lincoln. Morto por tropas franquistas em 1938, Merriman, porém, não era perito em explosivos e nem se infiltrava através das linhas inimigas como Jordan fazia. Já Irving Goff atuava em operações de guerrilha no território inimigo, explodindo pontes, ferrovias e linhas de energia. Também Milton Wolff participava de situações perigosas e protagonizou ações heroicas comandando batalhas sangrentas. Ambos os brigadistas eram judeus e filiados ao Partido Comunista americano (Communist Party USA-CPUSA).

No mesmo artigo (“A Hemingway hero embraced by both sides” – “Herói de Hemingway é adotado por ambos os lados”, em tradução livre), Margolick cita Allen Josephs, professor de literatura na Universidade de West Florida, ao assinalar que o Jordan criado por Hemingway era um comunista, mas mudou sua filiação para “antifascista” depois da objeção de seu editor, Charles Scribner. Ainda de acordo com Margolick, certamente não cairia bem, até em termos comerciais, Hemingway tipificar seu herói como um judeu comunista nascido no Brooklyn, ainda que essa fosse a realidade dos muitos americanos que ele encontrou na Espanha.

Coragem elogiada

Em 1938, em uma reportagem sobre os brigadistas americanos, Hemingway descreve Milton Wolff como um jovem de 23 anos, “alto como Lincoln, magro como Lincoln e tão corajoso e tão bom soldado como aqueles que lutaram nos batalhões em Gettysburg” (local da batalha que marcou o fim da guerra civil americana, em 1863, dando a vitória ao governo abolicionista de Abraham Lincoln). O escritor ressalta a habilidade de Wolff, atestando que dos “nove comandantes dos batalhões Lincoln, quatro morreram, quatro foram feridos e o nono era Milton Wolff”. E reforça: “Ele está vivo e sem ferimentos pela mesma casualidade que a passagem de um furacão deixa em pé uma alta palmeira.”

Wolff conheceu Hemingway em Madri, em julho de 1937, quando esteve na cidade por um período de folga. O encontro em um bar é descrito no seu livro de memórias Another Hill (Outra Colina), de 1994. Meses depois, como comandante da Brigada Lincoln, Wolff é fotografado ao lado do escritor e a foto ilustra a primeira página do jornal americano judaico The Forward (atualmente semanário), com tiragem de 270 mil exemplares. Seu autor, o húngaro Robert Capa, frequentava o grupo de Hemingway e tornou-se um dos mais célebres fotógrafos de guerra da primeira metade do século 20.

Conta-se que até então a mãe de Wolff, em Nova York, ignorava que o filho lutava nas Brigadas Internacionais. Nas cartas, ele dizia que trabalhava em uma fábrica na Espanha para ajudar os combatentes republicanos. A foto, que correu o mundo e foi replicada por centenas de revistas e jornais, mostra um jovem magro, envergando uma farda, de semblante sério e com os cabelos escuros cobertos por uma boina. Ele olha para baixo como querendo evadir-se da lente da câmera. Ao seu lado, a imagem marcante de um Hemingway parecendo bem à vontade em sua missão de reportar a guerra.

Ativista até o fim

De volta aos Estados Unidos, Wolff se mantém fiel aos seus ideais, participando com outros veteranos de manifestações públicas contra a ditadura de Francisco Franco e de campanhas de assistência às famílias dos presos políticos, exilados e refugiados espanhóis. Por esse motivo ele chega a ser preso em 1940 e nos anos 1950 é alvo da intensa patrulha anticomunista liderada pelo senador Joseph McCarthy, em um período de delações e perseguições que atingiu militantes, intelectuais e artistas. Por ocasião de sua morte, em 2008, aos 92 anos, o jornal espanhol El Mundo lembrou que Wolff combateu durante toda a vida os movimentos fascistas. Na Segunda Grande Guerra ele colaborou com os serviços secretos britânicos e quando os Estados Unidos entraram no conflito se alistou no exército. Foi enviado para a Itália ocupada para lutar ao lado dos partisans (guerrilheiros) antifascistas.

O jornalista e escritor Jacinto Antón, em artigo no El País – o maior jornal da Espanha – é incisivo acerca do mítico comandante “El Lobo”, como Wolff era chamado por seus companheiros: “Caiu um valente”, escreve o articulista no início da matéria (“Milton Wolff, el último comandante de la Brigada Lincoln”, em 08/01/2008). Antón observa que a descrição que Hemingway fez sobre o brigadista ainda permanecia atual. Apesar da idade, Wolff viajava à Espanha todos os anos para voltar a cruzar o rio Ebro – como na guerra, perseguido pelos inimigos – e jogar flores em suas águas em memória dos companheiros mortos, saudando-os com um “Salud, camaradas!”

Em 2002, em visita a Barcelona, Wolff afirmou que sua luta na Espanha foi voluntária e pessoal. “Tenho a Espanha em meu coração. Este é o meu segundo país”, disse. Convidado a falar sobre a sua experiência como brigadista, Wolff admitiu que ao lutar pela República espanhola ele desafiou as leis dos Estados Unidos e se arriscou a perder a própria nacionalidade.

Visão “aventureira”

O outro possível inspirador de Hemingway, Irving Goff, nasceu em 1900 e cresceu nas ruas do Brooklyn. Ele foi acrobata profissional até ingressar no Partido Comunista. Em abril de 1937 viajou para a Espanha e meses depois já estava atuando nas guerrilhas. Treinado no uso de explosivos por instrutores soviéticos, uma de suas ações mais difíceis foi a destruição de uma ponte no povoado de Albarracín, na província de Teruel – 300 quilômetros ao noroeste de Madri – com o objetivo de cortar o abastecimento das tropas franquistas. Esse feito pode ter influenciado o enredo de Hemingway, cujo personagem também se incumbe de explodir uma ponte para deter o avanço dos inimigos. Entretanto, o próprio Goff criticou o escritor logo após o lançamento do livro pelo que julgou uma visão “romântica e aventureira” em relação ao tema.

Um dos biógrafos de Hemingway, o jornalista Milt Machlin (1924-2004), afirma que o escritor teve longas conversas com Goff que, em companhia de dois outros brigadistas, Willian Alstrom e Alex Kunslich, formavam um grupo especial de guerrilha. Kunslich havia desaparecido nas montanhas durante uma incursão por trás das linhas inimigas e essa história chegou aos ouvidos de Hemingway. Criador das expressões “Triângulo das Bermudas” e “o abominável homem das neves”, Machlin foi correspondente da agência France Presse e depois se dedicou a reportagens de aventura. Ele viajou a Cuba para conhecer pessoalmente o seu biografado. O livro The Private Hell of Hemingway (O inferno Privado de Hemingway) foi publicado em 1962.

Legião do Mérito

Com a Segunda Grande Guerra em curso, Goff foi convidado por Milton Wolff, companheiro das brigadas, para trabalhar a serviço da Inteligência Britânica, através da Agência de Serviços Estratégicos (Office of Strategic Services – OSS), precursora da CIA. Comandada pelo general William J.Danovan (o militar mais condecorado dos Estados Unidos), a agência começou a funcionar em 1941, quando os americanos ainda não estavam envolvidos oficialmente na Segunda Grande Guerra.

Goff aceitou a convocação e partiu para o norte da África onde iniciou o treinamento de recrutas espanhóis para habilitá-los nas operações atrás das linhas alemãs. Em 1943, é enviado à Itália pelo general Danovan para preparar os voluntários italianos nas operações de guerrilha contra tropas nazistas, no norte do país. Anos depois recebe a Legião do Mérito (Legion of Merit – LOM), medalha militar das Forças Armadas dos Estados Unidos, concedida àqueles que prestam serviços especialmente meritórios à nação. Ao falecer, em 1989, é sepultado no cemitério nacional de Arlington, em Washington, onde os veteranos e militares mortos nas guerras são enterrados com honras de Estado.

Causa coletiva

No estudo “Judios en La Guerra de España”, o pesquisador espanhol Alberto Fernández (1914-1993) comenta que “a maioria dos judeus que chegou à Espanha para combater as forças franquistas não veio como judeus e sim por simpatizar com a causa dos republicanos”. Oficial do exército republicano na guerra civil, Fernández teve contato com centenas de brigadistas, foi ferido e com a vitória de Franco teve de se exilar na França, onde lutou contra os nazistas. No texto em questão (arquivado na biblioteca digital da Universidade de Salamanca, a mais antiga do país), Fernández também credita ao avanço do antissemitismo na Alemanha a decisão desses voluntários de lutar contra o fascismo na Espanha, já que muitos eram socialistas, comunistas ou simpatizantes desses movimentos.

A mesma opinião tem a historiadora Raquel Ibáñez Sperber, de origem espanhola e que reside em Israel. Ela considera que o alto grau de antissemitismo presente nos governos de direita na Europa dos anos 1930 constituiu um fator importante para explicar a alta proporção de judeus (em torno de 20%) nas Brigadas Internacionais. Responsável pela exposição que reuniu fotos, documentos e objetos sobre os voluntários judeus das Brigadas Internacionais, em 2003, na Universidade Hebraica de Jerusalém, Raquel Ibáñez destaca que diante do acordo explícito do general Franco com a Alemanha hitlerista, judeus liberais da classe “burguesa”, antes indiferentes, mostraram simpatia pela causa republicana.

Voluntários de Israel

Além dos judeus da Europa, das Américas e parte da África, as Brigadas também contaram com voluntários judeus originários de Israel. Uma mostra instalada no Museu de Eretz Israel (Terra de Israel) de Tel Aviv, em 2013, resgata a memória desses combatentes esquecidos pelas páginas da história. A exposição intitulada “From here to Madri” (De aqui para Madri) homenageia os 267 voluntários judeus nascidos na antiga Israel sob o mandato britânico que combateram na guerra civil junto aos republicanos espanhóis.

A história desses brigadistas também é contada no documentário produzido em 2007 pelo israelense Eran Torbiner, intitulado Madrid before Hanita, em alusão ao kibutz Hanita, na Galileia. O filme expõe as críticas que esses jovens receberam por colocarem a luta contra o fascismo na Espanha acima do projeto de edificação de uma pátria na Terra Santa, ou seja, “Madri antes de Hanita”. Tendo que combater, por um lado os ingleses colonialistas e por outro os árabes, que queriam destruí-los, foi grande o desagrado das lideranças judaicas com a partida desses combatentes.

Esse enfoque, porém, mudou a partir de 1986, quando da celebração, em Israel, dos 50 anos do início da guerra civil espanhola. O então presidente Chaim Herzog, quebrando um silêncio de décadas, elogiou o heroísmo dos voluntários, chamando-os de “guardiões do espírito e da imagem da humanidade e defensores da cultura humana”. Na solenidade promovida pela Histadrut – a Federação de Trabalhadores de Israel – Herzog agradeceu aos brigadistas: “Em nome do povo de Israel, a principal vítima dos nazistas e fascistas, eu presto minha homenagem à honra e glória dos combatentes voluntários que deram a vida por essa causa e dos sobreviventes que aqui estão. Que eles possam desfrutar de uma vida longa e feliz.”

Homenagens na Espanha

Dois anos depois (1988), em Madri, os brigadistas judeus mortos em combate na Espanha ganharam uma lápide no cemitério de Fuencarral. Além dos nomes dos 15 combatentes (aos quais posteriormente se acrescentaram mais quatro), um texto in memoriam testemunhava: “Aqui jazem os voluntários judeus heroicamente caídos em Madri, no transcurso da guerra civil espanhola em defesa da liberdade. A vossa e a nossa.” Também em Barcelona a passagem dos brigadistas judeus pela Espanha foi lembrada. Desde 1990, uma escultura em forma da estrela de David está instalada no cemitério de Montjuic, junto às lápides de outros brigadistas e das vítimas da repressão franquista.

Em 1996, por ocasião dos 60 anos do início da guerra civil, 350 veteranos remanescentes das Brigadas, a maioria com mais de 80 anos, voltaram a Madri, convidados pelo governo espanhol. Na saudação, é citada a frase do escritor Antonio Muñoz Molina, autor da obra A Noite dos Tempos (2009), centrada na guerra civil espanhola: “Viajaram para um país que não conheciam dispostos a perder, não somente a juventude, mas também, se fosse preciso, a sua vida em defesa da liberdade.”

Esse reconhecimento fica patente com o decreto real emitido naquele ano pelo qual os brigadistas poderiam optar pela nacionalidade espanhola, ainda que tivessem de renunciar à sua cidadania anterior. Restrição anulada em 2007 com a instituição da “Lei de Memória Histórica” que concedeu a cidadania sem imposições. A Lei da Memória também abriu os documentos sigilosos da guerra civil e criou mecanismos para a reparação moral e jurídica dos combatentes e dos perseguidos da ditadura de Franco (regime que durou até a sua morte, em 1975).

Aviões de Hitler

De acordo com o historiador alemão Carlos Collado-Seidel, especializado em história espanhola, o golpe militar de 18 de julho de 1936 contra o governo republicano não iria adiante sem os aviões de Hitler e Mussolini. As aeronaves transportaram os milhares de soldados das tropas africanas do protetorado espanhol de Marrocos para lutarem ao lado dos franquistas. No livro España, regufio nazi (2004), o historiador revela a afinidade ideológica e a comunhão de interesses que uniram Franco a Hitler.

Estima-se que Hitler enviou às forças franquistas 14 mil soldados alemães, centenas de tanques, armamentos e mais de 700 aviões que formaram a Legião Condor. O bombardeio da cidade basca de Guernica, imortalizado na pintura de Pablo Picasso, foi executado pela força aérea alemã. A Itália de Mussolini também colaborou com mais de 30 mil homens, tanques, armas e 660 aviões Do lado dos republicanos, o apoio veio basicamente da União Soviética, que enviou mil aviões, 900 tanques, armamentos e instrutores. A Inglaterra, França e Estados Unidos, alegando que o conflito se limitava ao território espanhol, se desobrigaram de qualquer tipo de ajuda ou intervenção. Calcula-se que 400 mil espanhóis morreram no conflito e mais 180 mil durante os anos de chumbo da ditadura.

A historiadora austríaca Renée Lugschitz estudou por quinze anos a guerra civil espanhola e publicou a obra Luchadoras em España: Mujeres extrajeras em La Guerra Civil Española, em 2012. Ela explica que um terço dos brigadistas morreu nas frentes de batalha e aqueles que sobreviveram sofreram perseguição política ao voltarem para seus países. “Um grande número acabou em campos de concentração na França, mas outros terminaram em prisões comunistas após a Segunda Guerra Mundial.” No Brasil, dos 20 voluntários que decidiram lutar na Espanha, dois eram judeus. Ernest Yosk e Wolf Reutberg, comunistas perseguidos pela ditadura de Vargas, combateram na Espanha e morreram na Europa durante a Segunda Grande Guerra. O primeiro em um campo de concentração na Alemanha e o outro fuzilado pelos nazistas na França ocupada.

Deu sentido à vida”

Correspondente do New York Times na guerra civil espanhola, o jornalista americano Herbert L. Mattews (1900-1977) tornou-se amigo de Hemingway em Madri. Ele ganhou notoriedade internacional anos depois, em 1957, ao entrevistar com exclusividade, na Sierra Maestra, o então guerrilheiro Fidel Castro, que comandava nas montanhas os grupos rebeldes na luta armada contra a ditadura de Fulgencio Batista.

No livro que publicou em 1973 sobre a sua vivência na guerra espanhola (Half of Spain Died: a reappraisal of the Spanish Civil WarMetade da Espanha morreu: uma reavaliação da Guerra Civil Espanhola, em tradução livre), Mattews escreve sobre os sentimentos que o animavam naqueles tempos: “Nada tão maravilhoso vai me acontecer novamente como esses dois anos e meio que eu passei na Espanha. Deu sentido à vida; incutiu coragem e fé na humanidade. Aqui eu aprendi que homens podem ser irmãos e que nações, fronteiras e raças são apenas aparatos externos.”

Saudando os brigadistas que conheceu nesse período, o jornalista americano exaltou a sua ligação emocional com essas pessoas. “Hoje, neste mundo, onde quer que eu encontre um homem ou uma mulher que lutou pela liberdade na Espanha, eu encontro uma alma gêmea. Nada vai quebrar esse vínculo, jamais. Lá, nós deixamos nossos corações.”

Igualmente para Hemingway a guerra civil espanhola teve um impacto que perdurou por toda a vida. A presença de figuras como George Orwell, autor de 1984, e André Malraux (A Condição Humana), entre outros intelectuais e artistas que pegaram em armas para lutar pela liberdade na Espanha entusiasmava o escritor: “A guerra civil espanhola foi o momento mais feliz de nossas vidas”, sintetizou. “Nós éramos felizes. Apesar das pessoas morrerem, pensávamos que suas mortes eram justificadas porque elas morriam por uma causa que acreditavam” (A Death in San PietroUma Morte em San Pietro, de Tim Brady/2013).

Ao retornar da Espanha, Hemingway decide residir em Cuba. Em 1939, no quarto do hotel Ambos Mundos, no centro de Havana, escreve Por Quem os Sinos Dobram (For Whom the Bell Tolls). Com o sucesso editorial do livro – um dos 100 livros mais importantes do século 20 segundo pesquisa do jornal francês Le Monde – o criador de Robert Jordan, herói de Obama e também do cubano Fidel, finalmente conseguiu adquirir a casa de seus sonhos, de arquitetura espanhola e debruçada sobre o mar caribenho, onde viveu por duas décadas.

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Sheila Sacks é jornalista