Bem-vindos ao Observatório da Imprensa.
O ritmo eleitoral impôs-se ao luto. A tragédia ainda não assimilada ficou para ser sofrida mais tarde.
Quando?
Talvez nunca. O povo brasileiro é um povo triste que abomina a tristeza. Porque transbordava de vitalidade, Eduardo Campos parece não ter morrido.
Bola pra frente é o moto nacional, bandeira, veneração, regra básica do nosso manual de sobrevivência. Então vamos em frente porque a velocidade que impusemos às nossas vidas não nos oferece outra alternativa. Reclamamos da internet, mas foi o ser humano quem a inventou e a desenvolve. Denunciamos a superficialidade da mídia digital, porém nós a montamos exatamente assim. Reclamamos de uma imprensa leviana, apressada, mas pouco ou nada fazemos para torná-la mais densa, menos fugaz e fragmentária.
Dos ancestrais portugueses herdamos o culto pelos sumidos e encobertos. O sebastianismo começou com a morte do jovem rei desaparecido aos 24 anos. Ignez tornou-se rainha depois de morta, Tiradentes virou pai da nossa Independência 30 anos depois de enforcado.
O luto foi brevíssimo, a luta será demorada.
A mídia na semana
>> Suicídios são geralmente retirados do noticiário, salvo nos tabloides e outros veículos sensacionalistas. A regra é antiga, anterior aos códigos de ética hoje vigentes. No velho Jornal do Brasil, o embargo referia-se apenas às notícias sobre tentativas de suicídios, de modo a permitir a reintegração social da quase-vítima. A morte do celebrado ator Robin Williams, aos 63 anos, trouxe de volta o debate sobre a morte voluntária ao confirmar-se que não fora acidente nem doença. Na Inglaterra e Estados Unidos, parte da mídia tratou o assunto de forma responsável, tentando estimular os deprimidos e desesperados a recorrer a psiquiatras ou psicanalistas. A própria viúva do ator fez um apelo para evitar que o exemplo do marido contagie aqueles em condições de vulnerabilidade. Quando Marilyn Monroe suicidou-se, em agosto 1962, houve um aumento de 12% no número de suicídios nos Estados Unidos. O compromisso elementar da imprensa é com a preservação da vida.
>> Manchetes sobre jogadores e jogos de futebol não são incomuns, mesmo na imprensa não-especializada. Basta lembrar os títulos garrafais quando Neymar contundiu-se na última Copa do Mundo, ou pior, quando o Brasil foi esmagado pela Alemanha. Na terça-feira [12/8] à noite, na reunião em que os editores decidem os destaques da edição do dia seguinte, houve vacilações e discussões sobre o prêmio máximo, equivalente ao Nobel, concedido ao matemático brasileiro, Artur Ávila, de 35 anos. Valia destaque ou não valia? Felizmente tanto a Folha como o Globo perceberam a dimensão e o efeito edificante da notícia, sendo que o Globo converteu o assunto no mais importante do dia, mais do que a “guerra da água” entre Rio e São Paulo. Já o Estadão e Valor merecem nota zero, não em tabuada, mas ao menosprezar este tipo de façanha. Logo os jornalões mais procurados pela elite econômica.
>> Miriam Leitão não sossega, sempre em movimento, surpreendente, como se espera de um jornalista independente. Na edição que entrou na rede hoje [18/8], o site Observatório da Imprensa apresenta um aterrador conjunto de documentos organizado e escrito pelo jornalista Luiz Cláudio Cunha e protagonizado por Miriam Leitão. Lá está grande parte da entrevista que Miriam fez com o atual ministro da Defesa, Celso Amorim, em junho passado, em seguida à divulgação do relatório de 400 páginas preparado pelos comandantes das três forças negando que instalações militares tenham sido usadas para torturar e assassinar presos políticos durante a ditadura. Para contestar o documento, Miriam conta pela primeira vez, com todos os detalhes, como, aos 19 anos, grávida, foi presa e torturada no quartel do 38º Batalhão de Infantaria do Exército em Vila Velha, ao lado de Vitória (ES). As tragédias se sucedem, nenhuma delas deve ser esquecida, sobretudo quando resultam da vontade humana.