O que diferencia o homem dos demais animais é na prática a sua capacidade de controlar o risco. Todos os grande feitos estão relacionados à decisão de se lançar a uma aventura, sempre com grandes riscos. A morte prematura de Bussunda (humorista Cláudio Besserman Viana) traz à tona novamente esta questão do talento e da disposição para o empreendorismo. A turma do Planeta Popular e do Planeta Diário que surgiu nas praias de Ipanema, no Rio, naqueles primeiros dias da década de 1980 era mais do que um grupo de gozadores, mas talentos no humor com esta capacidade de assumir o risco da aventura.
Bussunda, Helio de la Peña, Marcelo Madureira, como outros nomes, que ganhariam a cena nacional e o respeito profissional, não passavam de jovens de bem com a vida, mas críticos com usos, costumes, autoridade e poder. Provavelmente, sozinhos não iriam além de poucas linhas no jornal da faculdade e um futuro emprego. Como grupo, tiveram a força suficiente para decidir colocar nas bancas de jornais uma nova publicação, o Planeta Popular, início dessa jornada que culminou com o Casseta & Planeta na Rede Globo.
A morte não interrompe a vida pois, como disse o presidente americano Abraham Lincoln, fica o compromisso dos que estão vivos em comprovar que o exemplo deixado não foi em vão. A lição deixada por Bussunda (juntamente com seus companheiros do Planeta) é a de que não há limites para nossos sonhos quando fazemos deles um catalisador dos ideais dos demais, ganhando força para a realização.
Risco e progresso
Hoje, temos a internet como caminho fácil, de risco infinitamente menor do que à época do lançamento do Planeta Popular. A publicação só tinha um caminho: ir para a banca de jornais. E o custo de um lançamento em banca é sem dúvida desanimador, pois fica a dúvida do retorno financeiro, que determinará a continuidade ou o fim, com prejuízos. O grupo de Bussunda enfrentou isso e deu sustentação ao negócio até que este se tornasse sucesso e abrisse o caminho para a revista e, depois, para a televisão.
Dizer que o surgimento da turma do Planeta é fruto de uma época é verdade, mas não anula as iniciativas de agora. O último governo da ditadura, o do general João Figueiredo (1979-1985), foi de transição para anistia e início da abertura política. O Pasquim, Chico Buarque, MDB e outras vozes da resistência ao regime estavam dando lugar a novos valores, como o programa da extinta TV Tupi chamado Abertura – cuja atração principal era o cineasta Glauber Rocha –, o reposicionamento político da Folha de S. Paulo, que tornou o jornal vanguardista naquele momento, e a própria eleição de Tancredo Neves, ainda que por eleição indireta, fruto de inusitada aliança entre o partido de oposição, MDB, e o líder demissionário José Sarney, do partido do governo, a Arena. É neste cenário que a turma de Bussunda surge e encontra terreno fértil para se desenvolver.
E agora? Agora, como já disse, temos a internet, que é um espaço disponível para qualquer pretensão, além de um movimento ascendente da participação dos leitores nas publicações e um novo estilo de circular a informação, cuja pedra de toque é a rapidez. Não há cenário melhor para qualquer iniciativa, seja no humor ou outra forma de comunicação, pelo mundo novo que daí está surgindo e pelo desafio que isso representa. Como Bussunda, de la Peña e os demais, todos universitários na época, a nossa juventude das escolas de Jornalismo tem a chance de formar grupos e levar adiante uma bandeira. Lembrando sempre que não há progresso sem responsabilidades e enfrentamento de riscos.
Faltava o golzinho
Além do mais, a internet é um caminho, mas não necessariamente o veiculo definitivo: há muitas publicações que começaram na internet e tiveram versão impressa depois, assim como há outras que deixaram o eletrônico para se tornar apenas impresso. O importante neste caso é que a internet é veiculo relativamente barato, pois o custo maior será mesmo o de produção, e com isto viabiliza o principal: montar e consolidar uma estrutura redacional, administrativa e comercial e iniciar a construção de um quadro de leitores. É deste inicio que vem o caminho para um lance mais ousado e com promessa de frutos melhores, também.
O inicio da carreira magistral do jogador Pelé está sempre relacionado à partida final da Copa de 1958, entre Brasil e Suécia. Notadamente aquele gol em que o nosso craque dá um chapéu dentro da área adversária, antes de chutar e marcar. Entretanto, o próprio Pelé reconhece que aquele não foi o gol principal de sua carreira, mas o acontecido dias antes, em outra partida da mesma Copa de 58, um jogo difícil, em que o Brasil precisava de um golzinho para avançar rumo ao título [Brasil 1 x 0 País de Gales, gol de Pelé aos 21 do segundo tempo]. Este gol, nada genial, saiu dos pés de Pelé, que foi o salvador da pátria, e lhe trouxe a autoconfiança que o impulsionaria por toda a vida.
Assim foi com Pelé e também com a turma do Planeta. Nas praias de Ipanema, onde a turma se encontrava, a piada se destinava apenas a uma roda de amigos. Havia talento, mas estava limitado, na mesma proporção do público-ouvinte. Era preciso fazer aquele golzinho da Copa de 58. Este veio, sem duvida, com o lançamento do Planeta Popular.
A mesma iniciativa
Conta a história que Napoleão Bonaparte também passou por este momento do gol de Pelé. Quando o general se casou com Josephine ganhou de presente de Barras, membro do Diretório da França, o comando do chamado Exército da Itália, uma tropa de cerca de 30 mil homens. O jovem general conseguiu suprir a tropa, que estava até sem calçados, e disciplinar homens acostumados à pilhagem no curto período de 15 dias, mas sabia que somente a vitória no campo de batalha poderia recuperar o moral daquele exército. Foi assim que se iniciou a campanha da Itália, que culminou com a rendição da Áustria, muito tempo depois. O importante neste episódio não foi a batalha final, mas a primeira vitória, que cumpriu o mesmo papel do golzinho de Pelé na Copa de 58 e do lançamento do Planeta Popular por Bussunda e sua turma, abrindo o caminho para a verdadeira jornada a seguir.
Aos universitários de hoje e aos já profissionais que estão começando, é bom lembrar que empreender não tem tempo. Como foi nos anos 1980, pode ser agora. Neste momento, é importante se lançar no mercado, por razões significativas, como aproveitar a oportunidade e a motivação, criar um mercado de trabalho para o grupo empreendedor e abrir o mercado para os colegas que depois virão, cumprindo a sina humana que é realizar.
Que motivos levaram Aparício Torelly, o barão de Itararé, a lançar ainda adolescente no Rio Grande do Sul o jornal manuscrito Capim Seco, tornar-se conhecido como humorista no começo do século passado e fazer sua história chegar até nós? E outros nomes do humor, como J. Carlos, Péricles e Millôr, já que cada um tem uma história? Todas começam da mesma forma, com a iniciativa de se lançar.
Assunto sério
Em 1985, em parceria com o cartunista Jal, lançamos um programa na Rádio Tupi paulista, Artigo Primeiro, alusão ao primeiro artigo da Constituição: ‘Todo poder emana do povo e em seu nome será exercido’. Grande parte do programa foi inspirado no trabalho da turma do Planeta, ou seja, política e humor. Não precisa dizer que foi um momento mágico. Nos primeiros dias, antes de ganhar o público ouvinte da rádio, experimentamos o prazer de ver o programa fazer sucesso na própria emissora.
O humor traz à tona certas verdades de forma sutil, mas objetiva, e por isso é contagiante. O fato de ter caído a calça do deputado líder do governo quando fazia um discurso numa cerimônia, no interior do Nordeste, torna-se muito mais significativo que o acontecimento em si quando há humor. Um assunto sério morre no primeiro ouvinte, mas o humor é passado adiante e vira muitas vezes novos fatos, exatamente por esta repercussão.
A turma do Planeta tinha esta vantagem, de gerar novos fatos em cima de um fato original. É claro que conta acima de tudo a criatividade e a veia de humor que todos do grupo têm. Principalmente o Bussunda, que chegou ao ponto máximo de colocar a piada dentro da piada, naquele seu bordão ‘Fala sério!’ No fundo, o que dá para rir dá também para chorar. A piada é mesmo assunto sério.
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Jornalista