Fernando Correia Dias, mineiro, sociólogo, ex-professor da UFMG e da UnB, estudioso e pesquisador pioneiro da sociologia da cultura, faleceu aos 86 anos, em Minas Gerais, no último dia 8 de setembro.
Tive o privilégio de ter sido seu aluno quando, em substituição ao professor Júlio Barbosa, assumiu a disciplina de Sociologia Geral no primeiro ano do curso de Sociologia e Política da Faculdade de Ciências Econômicas da UFMG, nos idos de 1965. Mais tarde, ao lado do professor Marco Antonio Rodrigues Dias, ele foi responsável direto pela minha opção de deixar Belo Horizonte e tentar o mestrado em Sociologia e a carreira acadêmica na UnB.
Preservo, até hoje, anotações de aula e alguns livros de referência das disciplinas cursadas na graduação. Foi Fernando Correia Dias que me introduziu na discussão sobre o papel que os meios de comunicação desempenhavam na sociedade de massas. Por indicação sua, comprei em espanhol o clássico funcionalista de Charles Wright, Comunicacion de Masas – Una Perspectiva Sociológica, publicado pela Paidos de Buenos Aires em 1963 (o original em inglês é de 1959). O livro viria a ter sua primeira edição brasileira pela Bloch, em 1968, com um apêndice sobre “Cultura de Massas no Brasil”, escrito pelo professor José Salomão David Amorim.
Também por indicação dele comprei a excelente coletânea Poder e Política de Wright Mills (original de 1963), organizada por Irving Horowitz logo depois de sua morte prematura, em 1962, e publicada pela Zahar em 1965. Está nessa coletânea o profético texto “Os meios de comunicação de massa e a opinião pública”, escrito em 1950, ainda sob o impacto da inesperada vitória do democrata Harry Truman sobre o republicano Thomas E. Dewey, em 1948, contrariando todas as previsões e o apoio unânime da grande mídia nos Estados Unidos.
Importância da mídia
Embora tenha dedicado boa parte de sua pesquisa à sociologia da literatura, estudando sobretudo o movimento modernista em Minas e a mineiridade, creio que, ao lado de Gabriel Cohn, da USP, Fernando Correia Dias foi um dos pioneiros no reconhecimento da importância dos grupos de comunicação [a indústria cultural] para a legitimação do poder autoritário no início do período ditatorial (1964-1985) e no momento mesmo em que a televisão se afirmava como principal veículo de massa.
Foram muitas as dissertações e teses que ele orientou diretamente – ou de cujas bancas fez parte – que tratavam desse tema tanto na pós-graduação da Sociologia como da Comunicação, na UnB.
Fernando Correia Dias foi o primeiro sociólogo brasileiro a receber o prêmio Florestan Fernandes, criado em 2003 pela Sociedade Brasileira de Sociologia, além de ser Professor Emérito da UnB.
Jeremias, o bom
Acima de tudo, Fernando era um ser humano ímpar, uma pessoa querida e alguém cuja amizade nos dava, a todos os seus amigos, um enorme prazer de desfrutar.
No final dos anos 1960, início da década de 70, ele foi o primeiro decano de extensão da UnB. Já naquela época era conhecido no campus como “Jeremias, o bom”, o famoso personagem de Ziraldo, puro e incapaz de praticar o mal, a quem quer que fosse (ver aqui).
Na última vez que estive pessoalmente com Fernando, na casa de sua filha, Ângela Correia Dias, professora da Faculdade de Educação da UnB, entre o Natal e o Ano Novo de 2010, ele já convivia com uma saúde precária, mas permanecia perfeitamente lúcido e ativo. Conversamos sobre a vida de cada um e o que continuávamos fazendo. Como sempre, recebi dele palavras de amizade e encorajamento.
O legado humano e intelectual de Fernando Correia Dias permanecerá indelével para todos aqueles que tivemos o privilégio e a imensa alegria de com ele conviver por tantos anos.
Obrigado Fernando.
***
[Venício A. de Lima é jornalista, professor aposentado da UnB e autor de, entre outros livros, de Política de Comunicações: um balanço dos Governos Lula (2003-2010), Editora Publisher Brasil, 2012]