Acordava às 4 horas da madrugada, lia os jornais antes de tomar o café, ligava para dois ou três colaboradores, chegava à redação ao meio-dia e meia, voltava direto para casa depois do trabalho. Se houve uma época em que Ruy Mesquita passava pelo clube para tomar um uisquinho, era mais para conversar com o irmão, Julio de Mesquita Neto, que morreu em 1996. Conversavam sobre o Estadoe o Jornal da Tarde, que eles dirigiam desde 1969, quando morreu o pai, Julio de Mesquita Filho.
“A minha vida é isso, sou quase um workaholic”, disse Ruy Mesquita numa entrevista pela Rádio Eldorado,resumindo a rotina que vinha refazendo, de segunda a sexta-feira, por quase 60 anos. Os fins de semana eram, para ele, um plantão sem descanso. Conferia a edição do dia, anotava e cobrava eventuais falhas, telefonava para a redação nas tardes de sábados e domingos. “O que temos para amanhã?”, perguntava invariavelmente. Se discordava da manchete prevista, ditava suas instruções, mas também aceitava contra-argumentos.
Com a morte de Julio Neto, em 1996, aumentou a carga de trabalho. Assumiu a direção do Estado, com o nome no cabeçalho da primeira página, bem embaixo do nome do avô, Julio Mesquita, o patriarca, que dirigiu o jornal de 1891 a 1927. Quando era diretor do JT, costumava fazer editoriais. Deixou a tarefa para os editorialistas dos dois jornais, com os quais se reunia diariamente, porque não tinha mais tempo de escrever.
A mesa de trabalho de Ruy era coberta de pilhas de papéis, que só ele era capaz de localizar. Lia dezenas de artigos, conferia os textos em pauta, anotava com uma caneta o que tinha a recomendar ou corrigir. “Se não entender, leve para o Marco Antônio Rocha traduzir”, dizia com um risinho de brincadeira, mas falando sério, porque quase ninguém conseguia decifrar sua letra. Fazia observações precisas e, se reclamava, geralmente tinha razão.
Estado Novo
Sua sala, de janelas amplas para o Rio Tietê, tinha também computadores, a tela aberta nas informações da Agência Estado, mas Ruy não era afeito às novidades da internet. “Eu sou completamente incapaz de adquirir as tecnologias modernas, estou muito velho para isso, mas recebo diariamente prints feitos especialmente para mim sobre os assuntos que me interessam.” Queria saber o que a imprensa, especialmente a americana e a europeia, estava publicando.
“Eu sei que isso está meio fora da moda”, reconhecia com sinceridade, mas não alterava a rotina. “No fim de semana, passo o dia inteiro em casa lendo livros. Há muito tempo não leio um romance. Procuro ler os livros que discutem os problemas políticos e econômicos da atualidade. Não entendo jornalismo a não ser assim.” Gostava de discutir sobre política e sobre economia, matéria-prima preferencial do jornal de seus sonhos.
Acreditava ser essa a sua função. “O jornal é a obra mais perecível que o homem faz: começa e se completa a cada 24 horas. Então, você tem de estar todo dia orientando, discutindo o que você acha que deve ser mais realçado numa determinada edição, no dia seguinte fazendo a crítica da edição que saiu, para poder cumprir seu papel da melhor maneira possível”, disse em entrevista à revista Imprensa.
Foi uma lição que veio do berço. Ruy Mesquita acompanhou a vida atribulada do jornal desde menino. Tinha 7 anos de idade, quando o pai, Julio de Mesquita Filho, e o irmão dele, Francisco Mesquita, foram presos e enviados ao exílio em Portugal porque o jornal apoiou a Revolução Constitucionalista de 1932. A família foi junto. Aliás, as famílias. “Éramos duas famílias, pois eram dois irmãos (os Mesquitas) casados com duas irmãs Vieira de Carvalho.” Foram morar num chalé na Praia do Estoril, perto de Lisboa.
O pai aproveitou o exílio para levar Ruy à Itália, onde passou dois meses em tratamento no Instituto Rizzoli, na cidade de Bolonha. Nascido em 16 de abril de 1925, ele tinha paralisia infantil desde os 3 anos.
“Eu tinha um aparelho que pegava a perna inteira. Meu pai me levou para a Itália, porque ali havia o maior, mais moderno e mais adiantado centro de ortopedia, e o médico mais renomado do mundo, dr. Putti. Fui operado por esse médico, que me fez andar sem aparelhos o restante da vida.” Enquanto Ruy ficava dois meses internado no hospital em companhia da mãe, Marina Vieira de Carvalho Mesquita, o pai percorria a Itália fazendo reportagens sobre o regime fascista de Mussolini.
Marina relatou numa carta bem-humorada ao marido, em 2 de junho de 1933, como o filho se comportava na clínica: “Vamos bem. O Ruy, firme nos seus tratamentos. Sempre com uma paciência sem limites, ajudando o quanto pode a sua cura. Será o cúmulo que Deus não recompense tanto sacrifício da parte de um coitadinho de 8 anos. Tem feito sucesso na ginástica por causa de seus já célebres olhos. Ontem havia lá três moças encantadas com ele. Disse-me na volta que isso o aborrece, porque de repente ele gosta de uma e o que será então das outras coitadas! O convencimento é um fato…”
Ruy guardou boas lembranças dessa primeira passagem forçada pela Europa.
“Foi um exílio até agradável para nós, meninos. Logo que chegamos a Portugal, fomos para o colégio. Eu estava começando o curso primário e Júlio, meu irmão, estava no terceiro ano. Fomos todos juntos – os primos Luís, Juca e Cecília, e o meu outro irmão, o Carlão (Luís Carlos Mesquita). Tinha um monte de exilados brasileiros lá. Ficamos todos amigos.”
Voltaram todos, menos de dois anos depois, quando Getúlio Vargas acenou com promessas de liberalização e nomeou Armando de Salles Oliveira, cunhado de Julio de Mesquita Filho, interventor de São Paulo. Eleito em seguida governador, Armando Salles encarregou Julio de Mesquita Filho de coordenar a criação da Universidade de São Paulo (USP), um orgulho para a família. A trégua, no entanto, durou pouco.
Com o golpe e a instituição do Estado Novo em 1937, Julio de Mesquita Filho voltou ao exílio. Depois de ser preso 17 vezes, foi embarcado para Lisboa, de onde se mudou para Buenos Aires. Ruy e seus irmãos permaneceram em São Paulo. “Papai não tinha recursos para nos levar. Minha mãe o acompanhou e nos deixou na casa do tio Francisco, que era como meu pai. Fomos tratados igualzinho a nossos primos. Estávamos estudando aqui, o Julio quase entrando na universidade.”
Divergências cordiais
Ruy, que iniciara o primeiro ano ginasial no Colégio São Luís em 1935, foi expulso e se transferiu para o Rio Branco em 1938. Motivo da expulsão: a insatisfação dos padres jesuítas do São Luís com a família Mesquita, por causa da oposição do Estadoao general Franco, quando tropas franquistas atacaram o governo republicano na Espanha.
Após o colegial, Ruy se matriculou na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco. Estudou até o terceiro ano, mas não concluiu o curso. Estudou Ciências Sociais na Faculdade de Filosofia da USP, mas sua formação foi mais a de um autodidata. “Eu fui educado primeiro na leitura de Tucídides, depois de Fustel de Coulanges e, depois, de Alexis de Tocqueville”, disse Ruy Mesquita, apontando os autores que fundamentalmente contribuíram para o ideário até hoje mantido, com as necessárias adaptações, pelo Estado.
Em 1944, participou como ator da peça Heffman, escrita e dirigida por Alfredo Mesquita e encenada no Teatro Municipal. Ao seu lado, a escritora Lygia Fagundes Telles, colega no Largo São Francisco. “Ele se revelou um ator muito esforçado e teve boa presença em cena”, relembra a autora, que fazia parte do Grupo de Teatro Experimental, dirigido por Alfredo Mesquita.
Com três atos, Heffman era uma comédia ligeira sobre um grupo de jovens que, reunidos em uma casa, recebem a visita de um refugiado da guerra, que vai modificar sua rotina. Ruy vivia Antonio Augusto, enquanto Lygia interpretava Nair. Também estudou piano por 2 anos.
Em 1948, aos 23 anos de idade, foi trabalhar no jornal. Começou pela Editoria Internacional, então chamada de Seção do Exterior, sob o comando do italiano Giannino Carta, seu mestre e amigo. Quando Giannino voltou para a Europa, em 1956, Ruy assumiu a chefia da seção. Assumiu também a coluna “De um dia para outro”, que assinou até maio de 1961. Comentava notícias internacionais.
“De Gaulle é um homem de opinião e calado”, escreveu na estreia, em 12 de julho de 1958, quando também falou da política externa da então União Soviética. “A Rússia não deseja criar dificuldades para o marechal Tito nem para seu governo.” Sobre os rumos da Revolução Cubana, escreveu já em 9 de janeiro de 1959: “Se os atuais líderes revolucionários não estiverem à altura da tarefa que se impuseram, Cuba viverá, num futuro próximo, momentos ainda mais dramáticos que o atual”.
Seis meses após a vitória dos guerrilheiros de Fidel Castro, foi conferir em Havana, onde já estivera em 1956, os primeiros passos do novo governo. Subiu ao palanque das autoridades na primeira comemoração do 26 de Julho. “Eu fui apresentado à multidão na Plaza de la Revolución como o jornalista que mais tinha defendido a revolução de Sierra Maestra. A revolução de Sierra Maestra foi uma brincadeira que deu certo, porque eram 21 ou 22 malucos que desembarcaram nas costas de Cuba e ficaram lá. Não houve grandes combates, não houve tiroteio nem nada. O Batista acabou de podre…”
Quase 50 anos depois, quando Fidel renunciou à reeleição, em fevereiro de 2008, Ruy Mesquita traçou dele um perfil crítico em que deixava clara sua decepção com o que ocorreu depois. Sua avaliação, depois de confessar que havia acompanhado “a saga revolucionária de Fidel Castro” com grande entusiasmo: “O regime castrista, que já dura 49 anos, é a maior tragédia política da história moderna, como está sendo demonstrado hoje, pois, 49 anos depois, a economia cubana está pior do que no momento em que Castro assumiu o governo. É o que se pode chamar de hibernação econômica de um país que durou quase 50 anos.”
O noticiário internacional sempre mereceu especial atenção de Ruy Mesquita. Mesmo quando dirigia o Jornal da Tarde – um vespertino ágil e moderno lançado sob sua responsabilidade em janeiro de 1966 – ele monitorava a antiga Seção do Exterior do Estado, cobrando falhas e sugerindo temas.
“Quem é essa Sônia Cristina que está escrevendo no Estado?”, perguntou, ao ler um artigo sobre os 30 anos da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) que não combinava com a linha do jornal. Não gostou do artigo, mas recebeu a redatora, quando ela bateu à sua porta para defender o texto. Manteve sua opinião e respeitou a divergência. Tanto que aconselhou Sônia a continuar escrevendo.
Ruy Mesquita podia discordar, mas respeitava seus profissionais. Quando Gilles Lapouge, correspondente em Paris, avisou em 1964 que não escreveria para um jornal que havia apoiado o golpe militar, foi ele quem o fez mudar de ideia. Garantia que, se a Revolução de 31 de Março se desviasse de seus objetivos, o Estadoretiraria o apoio – o que, de fato, acabaria acontecendo.
“Meu caro Ruy, seu telegrama comoveu-me e perturbou-me ao mesmo tempo. Não me surpreendi: já sabia que suas decisões são sempre tomadas com base nos mais nobres motivos”, respondeu Lapouge numa longa carta, reproduzida na íntegra, em que revia sua posição. Continuaram amigos. Divergiam em questões importantes, mas nem por isso o jornal deixava de publicar o que Lapouge escrevia. Mesmo que tivesse de discordar dele explicitamente em editorial.
Sob sua proteção
Ruy Mesquita não gostava de Getúlio Vargas e tinha razões para isso. Depois de mandar prender e exilar os proprietários do Estado, por causa da resistência deles à ditadura, o governo interveio no jornal e ocupou suas instalações durante mais de cinco anos – de março de 1940 a dezembro de 1945.
A polícia do interventor Ademar de Barros alegou que os Mesquitas estocavam metralhadoras para derrubar o governo. Mandado para Lisboa, de onde foi para Buenos Aires, Julio de Mesquita Filho se arriscou a voltar em 1943. Não tinha como sobreviver. Foi confinado na fazenda da família em Louveira, onde ficou isolado até a queda de Getúlio.
Quando ocorreu o atentado da Rua Tonelero contra Carlos Lacerda e, em consequência dele, o suicídio de Getúlio, em 1954, Ruy Mesquita estava dirigindo temporariamente a sucursal do Estadono Rio. Fez a cobertura da crise que, como diria 50 anos depois, foi “muito facciosa”, embora “não deliberadamente facciosa”, porque a reportagem se deixou levar “pela atmosfera que reinou naquela ocasião”.
Adversário, mas não inimigo de Getúlio, “o Estadorendeu as homenagens que se rendem, de praxe, numa situação como essa, dizendo que ele teve um gesto digno”. Quando Getúlio foi eleito em 1950, lembrou Ruy Mesquita, o jornal o tratou como presidente democrático. “Com a má vontade de sempre. Mas, para o que houve de bom no governo, particularmente na área econômica, o Estadofazia editoriais, aprovando.”
Ao lado do pai, Ruy Mesquita foi um dos articuladores do movimento de 1964. Mais do que o medo do comunismo – “um risco real e iminente” –, o que, em sua opinião, levou à derrubada do presidente João Goulart foi a quebra da hierarquia militar. O jornal apoiou o golpe – ou melhor, contragolpe ou contrarrevolução, como preferia dizer –, mas rompeu com o regime após a promulgação do Ato Institucional n.º 2 (AI-2). Pagou caro por sua resistência à arbitrariedade.
“O preço que pagamos foi, em primeiro lugar, a vida de meu pai”, disse o jornalista em março de 2004, referindo-se à morte de Julio de Mesquita Filho, que morreu sete meses após a edição do AI-5. “Meu pai caiu doente, quando parou de escrever o primeiro editorial, que escrevia diariamente. Era um homem de saúde muito boa, mas era um psicossomático. Todas as suas contrariedades tinham reflexos fisiológicos imediatos.”
O Estadopassou seis anos sob censura. Foi apreendido em 13 de dezembro de 1968, por causa do editorial “Instituições em Frangalhos”, no qual Julio de Mesquita Filho denunciava a falência do regime. Durante a vigência do AI-5, o jornal não se submeteu à censura prévia que os militares impuseram à imprensa. O governo escalou censores para as oficinas, onde as matérias proibidas eram cortadas, porque também a autocensura seria inadmissível.
Como não se permitia que ficasse espaço em branco, decidiu-se publicar poemas (Estado) e receitas de bolos e doces (Jornal da Tarde). Em 1972, Ruy Mesquita protestou, em telegrama ao então ministro da Justiça, Alfredo Buzaid, contra a proibição de que fossem publicadas notícias, comentários e editoriais sobre uma série de assuntos. Era proibido falar, entre outros itens, de abertura política e democratização.
“Senhor Ministro, ao tomar conhecimento dessas ordens emanadas de V. Sa., o meu sentimento foi de profunda humilhação e vergonha”, dizia o telegrama.
Em junho de 1978, portanto ainda na época do AI-5, Ruy Mesquita recebeu em sua casa o então sindicalista Luiz Inácio Lula da Silva, a pedido de Luís Carta. “Ruy Mesquita, repórter de Senhor Vogue entrevista Lula, o metalúrgico”, dizia a chamada de abertura do texto da revista. Resultado de quase quatro horas de conversa, a entrevista – que foi mais um bate-papo descontraído, com a participação da família – teve grande repercussão, pelo inusitado e pelo conteúdo do encontro.
Mais de uma vez, Ruy Mesquita foi processado e intimado a depor na Polícia Federal, por causa de matérias proibidas. Assim como Julio Neto, no Estado, ele não se curvou às imposições da ditadura. E, quando repórteres e redatores do jornal foram presos, saiu em defesa deles. Em abril de 2004, o jornalista Paulo Markun agradeceu ao vivo, na abertura do programa Roda Viva, da TV Cultura, a solidariedade que recebeu em maio de 1976. Desempregado havia oito meses, depois de ter sido preso e acusado de ser comunista, Markun procurou Ruy Mesquita e foi contratado.
Preso pelos órgãos de segurança, o repórter de polícia Antônio Carlos Fon recebeu apoio dos Mesquitas, nos dois meses que passou atrás das grades. Seus colegas e amigos Percival de Souza e Inajar de Souza foram procurá-lo em nome do Jornal da Tarde, enquanto ele era interrogado e torturado. Fon sempre foi grato por essa solidariedade.
“Quando fui solto, procurei Ruy Mesquita para agradecer e me explicar. Ele disse que eu não tinha que explicar nada, porque, se a polícia não tinha apurado nada contra mim, não era ele quem ia me punir. Meu salário estava depositado na conta.”
Outros dois jornalistas do Grupo Estado foram amparados por Ruy Mesquita, em outubro de 1975. Não havia mais censura, mas a prisão de Vladimir Herzog, torturado e morto num quartel da Rua Tutoia, no Ibirapuera, acirrou a repressão contra a imprensa.
“Luiz Paulo Costa, que era correspondente em São José dos Campos, deve a vida a Ruy Mesquita”, afirmou o então coordenador das sucursais, Raul Bastos, em depoimento para o livro Mordaça no Estadão (edição O Estado de S. Paulo, reportagem de José Maria Mayrink), lançado em dezembro de 2008. Torturado nas mesmas dependências do Exército onde Herzog morreu, Luiz Paulo foi libertado depois de um telefonema de Ruy Mesquita ao ministro Armando Falcão, da Justiça.
Também ameaçado de prisão no episódio Herzog, o jornalista Marco Antônio Rocha pediu socorro ao diretor do Jornal da Tarde. “Ruy Mesquita me acolheu em sua casa e de lá ligou ao ministro Armando Falcão para avisar que eu estava sob sua proteção”, relatou Marco Antônio. Se os agentes da repressão quisessem pegar o jornalista, advertiu Ruy Mesquita, teriam de invadir sua casa ou a redação do jornal, onde ele continuaria trabalhando.
Reação incomum
Liberal e democrata, como sempre se definiu, Ruy Mesquita atribuía o sucesso do jornal à coerência e fidelidade que vem mantendo ao longo de sua história, “à custa de sacrifícios materiais sofridos pela empresa e de sacrifícios pessoais sofridos pelos seus diretores”. Conforme lembrou na comemoração dos 130 anos de fundação, em janeiro de 2005, “O Estado de S. Paulonunca pôs os interesses empresariais antes dos interesses políticos – da defesa dos interesses nacionais.” Era uma trajetória, acrescentou, marcada por Julio Mesquita e “seguida fielmente pelos seus filhos, netos e bisnetos”.
Se não fosse a manutenção dessa separação rigorosa entre o interesse comercial e os ideais políticos e culturais, o Estadonão teria chegado até onde chegou, afirmou Ruy Mesquita, ao receber o Prêmio Personalidade da Comunicação 2004.
“Infelizmente, é esse tipo de jornalismo que sofre hoje uma terrível ameaça e pode ter sua vida interrompida, daqui para a frente, pelo que chamo de ‘murdochização’ da imprensa, ou seja, a subordinação dos interesses da política editorial aos interesses de marketing dos jornais”, disse, numa alusão ao empresário Rupert Murdoch, que “escolheu o setor da mídia porque achou que daria mais dinheiro do que fabricar salsichas”.
Estava atento à ameaça da internet. “Ninguém lê jornal para se distrair ou se entreter”, advertiu o jornalista, prevendo que “só sobreviverão, no futuro, os jornais que se tornarem leitura indispensável de certos setores da sociedade, as classes dirigentes – os empresários, os intelectuais, os políticos – sem a pretensão de concorrer em termos de números de circulação com as audiências da internet ou mesmo da televisão”.
Havia mais de 30 anos que Ruy Mesquita falava em se aposentar, mas não era para levar a sério. A realidade do dia a dia confirmava que, ao contrário, ele pretendia continuar trabalhando enquanto Deus lhe desse força. Dirigiu seu carro automático até alguns meses atrás e, se não dava para viajar à fazenda que comprou no Triângulo Mineiro, administrava a propriedade a distância.
Plantou seringueiras, gostava de cultivar a terra, mas sua paixão mesmo era pescar. “Tudo o que se refere a mar e peixe me fascina”, dizia. Para ele, todas as pescarias são emocionantes, “até mesmo as que não produzem resultados, porque um dos prazeres da pesca é a eterna expectativa do peixe maior de todos”. No seu caso, foi um marlim azul de 177 quilos, capturado em dezembro de 1975, a 40 milhas da Ilha Rasa, no litoral fluminense.
Ruy Mesquita estava internado no Hospital Sírio-Libanês, onde se submeteu a cirurgia cardíaca para a implantação de um marca-passo, quando comemorou os 83 anos, em 16 de abril de 2008. Impaciente e só falando em voltar logo para casa, estava feliz e bem-humorado, quando recebeu a família para festejar o aniversário.
“Agora vou funcionar melhor com esse relógio no coração”, brincou. Quando recebeu alta, fez questão de subir sozinho as escadas de sua casa, dispensando a ajuda de uma enfermeira. Duas semanas depois, já dava expediente no jornal. Passava o dia sentado ou de pé, diante da mesa sempre entupida de papéis, lendo artigos e editoriais. Queixava-se da saúde, porque estava difícil manter o ritmo, mas parecia estar sempre de bom humor.
Continuou trabalhando, sempre a mesma rotina, na medida de suas forças. No dia de seu aniversário de 85 anos, em 2010, emocionou-se com a festa de aniversário que uma centena de amigos, funcionários e ex-funcionários lhe prepararam, com participação da família, no Salão Nobre do 6º andar do prédio do Estado. Ao lado do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, um dos convidados, confessou a emoção, uma reação incomum, ele explicou, para seu temperamento arredio a esse tipo de comemoração.
Casado com Laura Maria Sampaio Lara Mesquita, tinha quatro filhos – Ruy, Fernão, Rodrigo e João –, 12 netos e um bisneto. (Colaborou Ubiratan Brasil)
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Ruy Mesquita — Linha do Tempo