Wednesday, 18 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

Universindo, mi hermano

Um comando do Exército uruguaio, com a conivência do regime militar brasileiro, saiu de Montevidéu, atravessou clandestinamente a fronteira em novembro de 1978 e desembarcou em Porto Alegre, onde sequestrou um casal de militantes da oposição uruguaia – Universindo Díaz e Lilian Celiberti – e seus dois filhos menores. A operação ilegal foi descoberta por dois jornalistas brasileiros – o repórter Luiz Cláudio Cunha e o fotógrafo João Baptista Scalco, da sucursal da Veja no Rio Grande do Sul. Alertados por um telefonema anônimo, dirigiram-se ao apartamento onde o casal morava, na capital gaúcha, e foram recebidos por homens armados. A inesperada aparição dos jornalistas quebrou o sigilo da operação e evitou que os sequestrados fossem mortos. A denúncia do sequestro, que ganhou as manchetes da imprensa brasileira, se transformou num escândalo internacional, que constrangeu os regimes militares do Brasil e do Uruguai.

O trabalho de investigação da Veja e dos repórteres Cunha e Scalco foi distinguido, em 1979, com o troféu principal do Prêmio Esso, além de conquistar os prêmios Vladimir Herzog, Telesp e Abril (hors concurs). Em 2008, trinta anos após o sequestro, Cunha escreveu o livro Operação Condor. O sequestro dos uruguaios. Uma reportagem dos tempos da ditadura, publicado pela L&PM Editores e premiado com o Jabuti, o Vladimir Herzog e o Casa de Las Americas (Cuba), na categoria de Livro Reportagem (ver “Um jogo de paciência e investigação” e “As garras do Brasil na Operação Condor”).

Na segunda-feira (17/9), a Comissão Nacional da Verdade aprovou a criação de um grupo de trabalho voltado para a Operação Condor, o qual contará com a colaboração do jornalista Luiz Cláudio Cunha. (L.E.)

 

O táxi parou à beira da grande avenida, em Montevidéu, e descemos do carro. Trocamos um beijo na face, na velha tradição uruguaia, e nos despedimos com um abraço apertado, acolchoado pelos casacos pesados que nos protegiam do frio de zero grau no final da manhã azulada, sob o sol tíbio do inverno no Uruguai.

Voltei ao táxi, que me levava ao aeroporto de Carrasco e ao voo de volta ao Brasil, e dei uma última olhada pelo vidro traseiro. Vi o homem encasacado, com o seu típico boné de lã, se afastando aos poucos, no seu passo lento e manco, engolido pela multidão.

Foi a última imagem que guardei em vida de Universindo Rodríguez Díaz, naquela terça-feira, 17 de julho de 2012. Passados 47 dias, Universindo morreu aos 60 anos, num domingo ainda frio, 2 de setembro. O homem que sobreviveu às torturas e violências das ditaduras no Brasil e no Uruguai, entre 1978 e 1983, não resistiu ao passo acelerado, imparável, de um mieloma múltiplo, um câncer agressivo e letal que se desenvolve na medula, gerando um crescimento desordenado dos glóbulos brancos, derrubando o sistema imunológico, comprometendo gravemente os rins e submetendo o paciente a dores fortes nos ossos.

Três décadas antes, Universindo padeceu na carne e na alma os efeitos de um suplício igualmente traiçoeiro, oculto, que se disseminava como metástase pelas veias abertas do Cone Sul: o terror de Estado, que atravessava fronteiras legais e geográficas e ultrapassava os limites do sofrimento humano graças ao foco maligno da Operação Condor, a multinacional da repressão que contaminou as Forças Armadas da região com o germe dos bandoleiros sem uniformes convertidos ao sequestro, tortura, assassinato e desaparecimento de quem se opunha ao arbítrio.

O DOI-CODI uruguaio

Universindo sobreviveu ao horror, a partir de novembro de 1978, quando foi sequestrado em Porto Alegre, numa blitz da Condor uruguaia, junto com Lílian Celiberti e seus dois filhos, Camilo (8 anos) e Francesca (3). O casal desarmado, integrante do Partido por la Victoria del Pueblo (PVP), uma sigla de esquerda clandestina (como todas as outras) que se opunha à ditadura no Uruguai, operava no sul do Brasil com um objetivo que fazia tremer os generais de Montevidéu: recolher informações em primeira mão de refugiados sobre as torturas praticadas nos 28 quarteis do território uruguaio e denunciá-las no exterior, por intermédio da imprensa e de entidades de direitos humanos na Europa.

Com a prisão e a tortura no início de novembro, em Montevidéu, de onze militantes do PVP, companheiros de Lílian e Universindo, a ditadura captou a presença do casal em Porto Alegre. Entrou em ação o DOI-CODI uruguaio. O Organismo Coordinador de Operaciones Antisubversivas (OCOA), o CODI que pairava acima das quatro Divisões de Exército do país, acionou o seu braço executor, a secreta Compañia de Contrainformaciones, a versão local do DOI. A Condor uruguaia ganhou sinal verde em Brasília da Condor brasileira, representada pelo CIE, o Centro de Informações do Exército. Para a ação binacional da Condor em Porto Alegre foi mobilizado o mais afamado chefe da repressão política no sul, o delegado do DOPS Pedro Seelig, conhecido como o “Fleury dos Pampas”.

No domingo, 12 de novembro, uma semana após a prisão e a confissão sob torturas do grupo do PVP em Montevidéu, Lilian e Universindo foram detidos na capital gaúcha – ela na Rodoviária de Porto Alegre, ele duas horas depois no apartamento onde moravam, num prédio baixo da Rua Botafogo, no bairro classe média do Menino Deus. Nos dois momentos, o grupo de homens armados tinha o comando do delegado Seelig. Levados para a sede do DOPS, no prédio da Secretaria de Segurança Pública, na Avenida Ipiranga, os uruguaios foram torturados ali mesmo.

Lilian foi despida, encapuzada e encharcada com baldes de água para intensificar o choque elétrico provocado pela picana, a máquina de tortura ligada ao seu corpo por presilhas de metal fixadas nos dedos das mãos e nas orelhas. Universindo foi tratado com dureza ainda maior. Sem capuz, com as mãos algemadas nas costas, perdia algo da vestimenta a cada golpe que recebia. Primeiro a camisa, depois as calças, os sapatos, as meias. Poupam as cuecas, não poupam seu rosto, seu estômago, seu fígado.

Os brasileiros se revezavam na pancadaria com um homem baixo, entroncado, que bate ainda mais forte, um uruguaio de 32 anos, um oficial de um Exército estrangeiro atuando sem constrangimentos dentro de um prédio público brasileiro. O capitão Glauco Yannone era chefe da seção administrativa da Compañia de Contrainformaciones e invadiu o Brasil, com a conivência da ditadura brasileira e o aval da Condor, para fazer o que fazia melhor: interrogar e torturar.

Aprendizes da tortura

Aos 24 anos, ainda sargento, Yannone fez o curso de inteligência C-1 na Escola das Américas (SOA, sigla em inglês), o centro de instrução anti-insurgência que o Exército dos Estados Unidos montou em 1946 na Zona do Canal do Panamá. A SOA era a escola que transformou a democracia do continente numa zona. Por lá passou em três décadas um exército de 60 mil militares latino-americanos que dali extraíram o know-how que os levariam aos golpes de Estado e aos centros de tortura que implantaram o terror de Estado na região nos anos 1960 e 1970. Pela SOA transitaram 332 militares brasileiros – 325 alunos e sete instrutores, que brilharam nos cursos de Operações de Selva, Interrogatório de Inteligência Militar e Operações Psicológicas. Vinte e um deles acabariam despontando na galeria de torturadores da ditadura brasileira.

A influência dos Estados Unidos era forte no pensamento militar do continente – especialmente nos quatro principais regimes militares do Cone Sul. Em três décadas, no período 1950-1979, as academias militares estadunidenses foram frequentadas por 8.659 brasileiros, 6.883 chilenos, 4.017 argentinos e 2.806 uruguaios. Os militares uruguaios tinham uma preferência especial pela Escola das Américas. Nas duas décadas que antecederam o golpe de 1973, um total de 1.020 oficiais uruguaios frequentou 1.068 cursos da escola. Yannone aproveitou tão bem seus ensinamentos de 1970 que, três anos após o golpe militar em seu país, voltou à escola como primeiro-tenente, então matriculado como aluno do curso de “Inteligência Militar 0-11”, entre os dias 16 de janeiro e 28 de maio de 1976.

Como especialista e conterrâneo, Yannone é o que mais bateu em Universindo no DOPS de Porto Alegre. Bateu tanto que cansou. Então, sentou-se no chão, ao lado do preso algemado, e passou a socá-lo com força, com fúria. Tantos socos deixaram o punho do capitão uruguaio doído. Ele então tirou o mocassim que calçava e continuou a golpear Universindo, desta vez com o salto do sapato.

O capitão já não sentia dor, o preso agora sentia muito mais. Então o salto do sapato do capitão doía cada vez mais no corpo machucado de Universindo, mas as respostas continuaram insatisfatórias. Suas algemas foram retiradas e as mãos atadas ao tornozelo. Passaram uma barra de ferro entre os seus punhos amarrados e a dobra dos joelhos, e o penduraram a uns 50 centímetros do chão. De cabeça para baixo, Universindo parecia um frango assado. Ele estava provando o gosto amargo, dolorido, de uma genuína invenção brasileira: o pau de arara, um dos mais temidos instrumentos de tortura dos cárceres do Cone Sul, um legado verde-amarelo à barbárie. As perguntas continuaram, os golpes também. A dormência se infiltrou pelas artérias e veias dos pés e mãos, sem o sangue que se acumulava na cabeça rente ao chão. A dormência cedeu lugar à dor, uma dor cada vez mais insuportável, indecifrável, intangível.

A dor no sangue

Para aumentar o sofrimento de Universindo acoplaram eletrodos no braço, no pulso, na perna, na orelha, nos dedos. Uma dezena de conexões diretas com a dor. Alguém pegou um balde com água que foi jogada sobre o seu corpo seminu. O medo congelou, a água fria enregelou. A manivela girou mais rápida, os choques elétricos da picana provocaram estertores, estremeceram o corpo, mas Universindo continuou lutando e resistindo. O tempo, que não passava, parecia uma eternidade. Universindo foi pendurado pelo meio da tarde. Ficou lá até quase meia-noite de domingo. Horas com o corpo suspenso, como a vida. De repente, o choque e as perguntas cessaram. Ele já não sentia o corpo, só a dor. Tiraram seu corpo inerte do pau de arara e o deixaram no chão ensanguentado.

Universindo parecia morto por dentro, por fora. Ficou ali, moribundo, até que pediu para ir ao banheiro. Tiraram suas algemas e ele cambaleou rumo ao sanitário. Arrastou-se, lento, manco de dor. Abriu a tampa do vaso, imundo como aquele lugar, e sentiu um misto de dor e alívio acompanhar a contração da bexiga. Sentiu medo quando viu a cor escura da urina. Era vermelha, cor de sangue.

Seu organismo resistiu à descarga elétrica, mas o pau de arara descarregou no sangue a mioglobina, uma proteína responsável pela reserva de oxigênio nos músculos. A mioglobina foi liberada na circulação sanguínea junto com outras enzimas, iniciando o processo de insuficiência renal aguda. A mioglobina era um sinal de alerta, um sinal vermelho. Um sinal de sangue, sangue na urina. Passados trinta minutos, o alerta se converteu em ameaça letal: Universindo já estava ali há mais de quatro, cinco horas, pendurado como um naco de carne em um gancho de açougue.

A mioglobina, quando liberada na corrente sanguínea, passa a ser filtrada pelos rins, que não suportam a sobrecarga e começam a falhar. A proteína se decompõe no sangue, como uma toxina maligna que leva ao colapso os rins. Universindo não sabia, mas tornava-se uma vítima de rabdomiólise, que os médicos traduzem como uma síndrome causada por danos na musculatura do esqueleto, provocados por vazamento de mioglobina para o sangue. A urina cor castanha avermelhada que Universindo viu jorrar no vaso era a prova disso. A rabdomiólise vem acompanhada de convulsões, edemas, espasmos, calafrios, cãibras, febre, insuficiência renal e respiratória.

Descida ao inferno

Nos textos de medicina, a rabdomiólise é um distúrbio que afeta uma em cada dez mil pessoas de qualquer idade. Na crônica da tortura, é uma fatalidade que atinge dez em cada dez presos que passam pelo pau de arara. Universindo e sua urina cor de sangue eram a prova científica disso tudo. O efeito colateral de Yannone, de Seelig, da Compañía, do DOPS. Universindo era a sequela viva da Condor, o câncer do Cone Sul. Como o câncer que apressaria o fim de sua vida.

Universindo sobreviveu à sala de torturas do DOPS brasileiro para cair no inferno das prisões militares no Uruguai. Foi torturado por oficiais do Exército no forte de Santa Teresa, o quartel uruguaio em Chuy, no outro lado do extremo sul do Brasil. Voltou a apanhar na sede da Compañia de Contrainformaciones, na calle Colorado, em Montevidéu. O som do rádio aumentado era o prenúncio de novos sofrimentos na oficina mecânica do lugar, improvisada como área de torturas.

Em 6 de dezembro, 24 dias após o sequestro de Porto Alegre, Universindo – assim como acontecia com Lílian – desceu literalmente ao El Infierno, descrição exata para o mais temido centro de suplícios do país, a sede do 13º Batalhão de Infantaria, na esquina da Avenida de Las Instrucciones com a bulevar Battle y Ordóñez, em Montevidéu.

Universindo submeteu-se, ali, a uma férrea disciplina militar desenhada para quebrar o moral dos presos. Tinha apenas três minutos ao longo do dia para ir ao banheiro, em três horários absurdamente inegociáveis: seis da manhã, uma da tarde e nove horas da noite. Entre uma sessão e outra de pancadas, Universindo foi mantido sempre acorrentado, em posição fetal, até junho de 1979. Um tormento que lhe provocaria danos permanentes no joelho, deixando o seu andar mais lento, trôpego, sempre dolorido. Apesar dos castigos, a disciplina de Universindo crescia.

Ele se orgulhava de nunca ter revelado nada aos sequestradores, resistindo às torturas atrozes, aguçadas pela prisão dias antes de uma dezena de companheiros do PVP em Montevidéu. “Não falei porque estava convencido de que, naquele momento, a melhor forma de ajudar a luta revolucionária era o silêncio. Era preciso estar com o ânimo sereno, confiante, para poder suportar as torturas com dignidade e silêncio. As gerações de hoje não podem sequer imaginar o que seja um dia de tortura”, contou Universindo ao repórter Virgílio de Mattos, em uma entrevista publicada na revista Forum, em fevereiro de 2012.

Nada, na biografia de Universindo, apontava para a notoriedade. Filho de um modesto casal de trabalhadores rurais, com quatro irmãos e duas irmãs, ele nasceu em Artigas, departamento na fronteira com o Brasil, dominado pela criação de gado e fazendeiros conservadores que apoiavam os partidos tradicionais. O pai trabalhava em Bella Unión, base do sindicato dos canavieiros onde começou a despontar a liderança de um combativo advogado, Raúl Sendic. No melado da agitação sindical no campo começou a escorrer a radicalização política que acabou cristalizada, na década de 1960, no grupo de guerrilha urbana dos Tupamaros, sob o comando de Sendic. Universindo trocou o interior pela capital, com o sonho de curar os males do mundo. Queria ser médico e ingressou na Faculdade de Medicina.

A militância política na universidade cresceu junto com a crise da democracia. Universindo estava no quarto ano de medicina quando entrou na clandestinidade, para escapar à prisão de um regime cada vez mais arbitrário. Caçado em Montevidéu, cruzou o rio da Prata para sobreviver em Buenos Aires. Ali participou, em 1975, da fundação do PVP no exílio. A repressão coordenada pela Condor forçou sua saída para a Suécia, onde ganhou uma bolsa para concluir sua formação de médico. Nove meses depois, porém, de volta à militância com refugiados uruguaios na França e na Espanha, decidiu lutar mais de perto pelos patrícios que sofriam com a ditadura no Uruguai. Escolheu o Rio Grande do Sul, o estado vizinho a Artigas, sua terra natal. Optou pela segurança de Porto Alegre, onde fixou residência no apartamento da Rua Botafogo junto com Lilian e seus dois filhos.

Não esperava que a Condor fizesse na capital gaúcha o que costumava fazer na capital argentina. Até que aconteceu o sequestro de novembro de 1978.

Universindo, ao contrário da maioria de sua geração desgarrada pela violência, sobreviveu e emergiu da luta política como um cidadão engajado, íntegro, firme, sereno, de fala mansa, desprovido de rancor e consciente de sua história. O mundo perdeu um médico promissor e ganhou um historiador dedicado. Converteu-se ao resgate da memória do forte movimento sindical uruguaio, coordenando a produção de livros e documentários, na condição de chefe do Departamento de Investigação Histórica da Biblioteca Nacional.

A vida na bolha

Ele vivia assim, cheio de planos e projetos, quando foi surpreendido no início de janeiro passado com fortes dores nas costas. Internado às pressas numa terça-feira no hospital, soube que sofria de câncer na medula já num estágio avançado. No sábado, com o coração enfraquecido, foi transferido para a UTI, com complicações respiratórias e neurológicas. Um mês depois, contudo, o bravo Universindo estava de pé outra vez, numa surpreendente recuperação. Voltou a fazer planos, a discutir livros, a pesquisar imagens para novos documentários.

Em 19 de abril passado, a exemplo de Lilian e seus filhos, prestou depoimento em Montevidéu à juíza Mariana Mota sobre o sequestro de Porto Alegre, um dos 81 casos de crimes de lesa-humanidade reabertos por decisão do presidente José Mujica, o ex-líder Tupamaro que engrossou o movimento nascido na terra natal de Universindo. Ele estava retemperado pela certeza de que, enfim, acabaria a impunidade que protege há três décadas os camaradas sequestradores do capitão Yannone.

Existiam bons motivos para o otimismo contagiante de Universindo: Mariana Mota foi a dura magistrada que, em fevereiro de 2011, condenou o ex-presidente Juan María Bordaberry a 30 anos de prisão por liderar o golpe de Estado de 1973 que dissolveu o Parlamento e a centenária democracia do país, também responsabilizado diretamente por 14 assassinatos e desaparecimentos forçados durante a ditadura. Bordaberry cumpriu três meses na prisão e, por razões de saúde, foi transferido para sua casa, onde morreu dois meses depois, aos 83 anos.

Universindo ficou ainda mais animado, no final de julho, quando o Fundo Nacional de Recursos aprovou o financiamento para o seu autotransplante de medula óssea, programado para acontecer em duas semanas. Iria viver um mês no interior de uma “bolha” de isolamento para controlar sua baixa imunidade. Em meados de agosto, a cirurgia foi realizada com sucesso. Dez dias depois, apesar dos três potentes antibióticos que reforçavam suas defesas, Universindo começou a piorar. Foi surpreendido por uma traiçoeira infecção hospitalar, que irrompeu quanto estava fragilizado pela imunidade zero. A saúde piorou no sábado e ele morreu no domingo, 2 de setembro, em Montevidéu, ao lado da ex-mulher, Ivonne Trías, uma jornalista que passou 12 anos presa pela ditadura, e do filho, Carlos Iván, de 26 anos.

Nos versos da milonga Los Hermanos, o poeta argentino Atahualpa Yupanqui cantou:

Yo tengo tantos hermanos/ que no los puedo contar/ en el valle, la montaña/ en la pampa y en el mar.

A tragédia da Condor em 1978 em Porto Alegre me regalou quatro inesperados hermanos no pampa uruguaio.

Um deles, mi hermano Universindo, de maneira ainda mais imprevista, acaba de assumir para sempre a dignidade do silêncio. E a eternidade da memória.

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[Luiz Cláudio Cunha,jornalista, é autor de Operação Condor: o Sequestro dos Uruguaios (L&PM, 2008)]