O nome de Abraham Zapruder pouco apareceu no farto material lembrando os 50 anos do assassinato do presidente John Fitzgerald Kennedy. A mídia lembrou suas próprias façanhas, sendo que a mais emblemática – verdadeiro marco – foi a cobertura ao vivo pela TV iniciando a era do tempo real (ver “O assassinato que mudou o telejornalismo nos EUA” e “Crime propiciou nascimento do jornalismo em tempo real”)
O “jornalismo cidadão”, hoje apontado como a maior contribuição das tecnologias digitais ao processo de transmitir notícias, não teve a quem homenagear. Os celulares de última geração capazes de registrar, editar e distribuir instantaneamente qualquer imagem ou som estavam apontados para outras direções. O mesmo aconteceu com a Mídia Ninja – nossos alternativos – que se empenham para oferecer a notícia em estado natural, sem cosmética. Compreende-se: Dallas, Texas, é longe; 1963, distante demais.
No entanto, este Abraham Zapruder (1905-1970) merecia ser lembrado pelos apologistas dos dois movimentos. Equipado com a pequena filmadora de última geração (comprada um ano antes), Bell & Howell Zoomatic (modelo 414 PD), de 8 mm, pouco maior do que a palma da mão, e um rolo de película Kodakchrome II de 100 pés, este imigrante ucraniano dono de uma confecção de roupas femininas produziu o mais importante filme amador da história americana.
Reverso do rancor
Com apenas 26 segundos de duração e 486 fotogramas da terrível sequência registrou os dois tiros que atingiram o presidente Kennedy (o primeiro no pescoço, o segundo esfacelou o crânio) e ainda a desesperada tentativa de Jackie Kennedy de escapar do carro pela traseira. Só parou quando o carro presidencial acelerou e saiu do seu campo visual.
Só filmava comemorações familiares, era o seu álbum de família, jamais pensou em cobrir um evento. Admirador incondicional do Partido Democrata, e especialmente do carismático Kennedy, resolveu assistir à carreata que conduzia o casal presidencial pelas ruas da cidade. A secretária sugeriu que ele levasse a câmera e o acompanhou. Enquanto Zapruder equilibrava-se no parapeito diante da praça para garantir um ângulo melhor, ela o segurava.
Magistralmente registrada, quase sem tremer apesar do que acontecia à sua frente, um profissional treinado talvez não captasse a cena com mais esmero. Duas horas depois, o filme ainda não revelado estava nas mãos do FBI graças à intermediação de um repórter do Dallas Morning News, a quem Zapruder contara o seu feito.
Outros filmes amadores foram produzidos na mesma ocasião. Nenhum com a qualidade, o ângulo e a duração da peça fílmica de Zapruder. Foi incluída nos autos do processo e serviu como evidência no famoso Relatório Warren, o documento de 889 páginas produzido pela comissão presidida pelo presidente da Suprema Corte, Earl Warren, que investigou o assassinato de Kennedy e o assassinato do seu assassino, Lee Oswald.
Em entrevista televisionada em 1966, Zapruder revelou que depois de 22 de novembro de 1963 nunca mais pegou numa câmera. Temia outra tragédia. Sua devoção ao presidente e a maquineta que empunhou para registrar esta devoção representam o reverso do rancor que até hoje emana de Dallas, Texas.
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Abraham Zapruder, entrevista 1963
Abraham Zapruder, entrevista 1966