Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O mar das mudanças climáticas nas Relações Públicas

(Imagem de gm_pangtondevil por Pixabay)

Estava entusiasmada com aquele trabalho. Era sobre sustentabilidade, hoje chamaríamos de ESG, um grande evento numa capital de outro estado, com cientistas do mundo inteiro. Essa troca entre culturas diferentes, de conviver com a turma de redação (que iria cobrir o congresso que abordava o aquecimento global), me encantava.

Quando soube quem era o cliente fiquei temerosa: um dos sócios pertencia a uma família de políticos que eu a-b-o-m-i-n-a-v-a dos tempos de foca, quando repórter de TV e depois jornal. Era uma oligarquia de gente muito rica – de tudo que representa a extrema direita –, cujo um dos jovens integrantes tinha como passatempo humilhar jornalistas. “Como você é pobre, hein?”, zombava da fotógrafa do jornal, que nem sempre estava bem vestida, mas era uma talentosa artista das grande angulares.

Por sorte esse sobrinho era diferente, um bom vivant, pessoa culta e agradável, que adorava almoços e jantares regados a comida e vinhos caros. Sabia conceder entrevistas com elegância, ouvia e adotava meus insights, tudo corria bem.  Seis meses depois, começou o evento. A grande imprensa paulista viajou a convite para cobrir, o hotel era à beira-mar, chique, tudo parecia caminhar para um final feliz.

Até que, no meio da correria de véspera de congresso, descobri que o outro sócio cliente “não acreditava em aquecimento global, mudanças climáticas e todo o resto. Uma tremenda enganação”. Ele deixou bem claro seu ponto de vista. Ao trabalhar em Relações Públicas, obviamente terá que defender o interesse dos clientes, mas daí a compactuar com desinformação ou ignorar a ciência, não.

É importante que os colegas de redação entendam que a grande maioria dos assessores de imprensa, jornalistas, tem sim muito cuidado com o que divulgam e não concordam com tudo que o cliente pensa ou que acontece nos bastidores. Temos contas a pagar como todo mundo. Não existe mais espaço no mercado de trabalho para essa enxurrada de jornalistas que sai das faculdades todos os anos. São milhares e milhares. Como não tem mais vaga em redação, totalmente sucateadas, é fácil adivinhar onde estão trabalhando.

Estou relatando essa experiência porque virou mania em redes sociais, como o LinkedIn, colegas de redação despejarem críticas pesadas em nós, assessores de imprensa. Diferenças existem e podem existir em qualquer empresa ou profissão, seja de qual segmento for. Da mesma forma que o editor pode discordar do ponto de vista do repórter e saem aquelas matérias equivocadas, sem pé nem cabeça, sem lead, truncadas ou com chamadas desvirtuadas do texto.

Os assessores de imprensa que entram no mercado, sejam jornalistas, publicitários ou relações públicas, chegam, em sua maioria, com total inexperiência, falta de cultura e conhecimentos gerais. Essa queda de braço entre redação e assessoria de imprensa envolve várias facetas da questão, como clientes forçando a barra (sem entender nada de comunicação), agências sendo permissivas com esses clientes, plataformas de disparo de mailings desatualizadas e incorretas e o pessoal de redação extenuado, sobrecarregado, sem conseguir dar conta de reportagem, vídeo e redes sociais – além das dezenas de mensagens de WhatsApp em seus celulares pessoais.

Somos jornalistas e estamos navegando no mesmo oceano, em embarcações diferentes. Como as redes sociais escancararam os portões do inferno, do ódio, da mentira (vamos dar o nome correto para fake news) e da ignorância, temos que seguir sem cair na armadilha de sair por aí detonando a nós mesmos, jornalistas. Já teve gente suficiente fazendo isso nos últimos anos.

Claro que existem os assessores toscos e sem noção, disparando mensagens e releases como a metralhadora no Donald Trump. Mas ninguém sabe se, amanhã, estará aqui do nosso lado, no vasto e imprevisível mar das Relações Públicas, depois de um fulminante passaralho. 

O congresso de sustentabilidade foi um retumbante sucesso de divulgação, quase todos os veículos Tier 1 publicaram reportagens especiais, cliente satisfeito. No final, o que vale é a missão cumprida.

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Chris Moraes é Jornalista graduada em Comunicação Social/Jornalismo na Faculdade da Cidade (RJ), com experiência em redações de jornais e TV, empresas, agências de comunicação e jobs para o Terceiro Setor. Pós-graduada em Economia na FESP-SP, atuou em corporações B2C e B2B dos mais diversos segmentos. Foi gerente de Comunicação da Embelleze, gerente de Conteúdo da Officenet (hoje Staples), assessora de imprensa do grupo Confidence Câmbio e da Associação Comercial de São Paulo.