Meio de comunicação que mais cresce no Brasil, a internet é também responsável pela mesmice na condução de reportagens.
Ao surgir a ameaça digital, a maioria dos editores analógicos fez a lição de casa: em pouco tempo, as versões digitais de suas revistas estavam disponíveis, de graça, enquanto buscavam replicar as receitas de publicidade do modelo analógico.
Época em que o pop-up e o banner eram o máximo de criatividade no gênero.
Não deu certo, e muita gente começou a dizer que desse mato digital não sairiam coelhos pagos.
Mal sabiam que as maiores receitas de publicidade ainda estavam por vir, mudando a escala de milhão para bilhão, a partir de alguns sites muito especiais nascidos no Vale do Silício, nos Estados Unidos, com sua forma pulverizada de arrecadar anúncios em nicho bem definido e a preços acessíveis.
Foi fácil perceber que a instantaneidade da notícia era um respeitável diferencial em relação ao imutável texto que se recebia impresso junto com o café da manhã e que só seria substituído no dia seguinte.
A internet disparou, sendo hoje o meio de comunicação que mais cresce no Brasil, onde um quarto da população tem acesso à rede, navegando 3h41min/dia, mais do que assiste a TV, que atinge 76,4% da amostra pesquisada pelo Ibope para a Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República (Secom). E os produtos analógicos baixaram para um dígito em percentagem.
Quanto ao jornalismo na rede, Michael Massing, pesquisador americano da área de mídia e política internacional, assina um artigo na New York Review of Books sobre a qualidade dessa produção e seu impacto sobre a sociedade. A conclusão é que ali reina o lugar-comum e a falta de imaginação, pois “não há furos de reportagem, nem pautas que propiciem debates”.
Mas foi ao interligar redes e congregar pessoas que a internet superou a expectativa do mais otimista dos futurólogos, com destaque para o Google, o buscador que todos usam e que tem as informações que a humanidade conseguiu reunir desde sempre.
Feito similar tentaram a Biblioteca de Alexandria, do século 3 a.C., que almejava reunir 500 mil rolos para ter “todos os livros de todos os povos do mundo”, e a Biblioteca de Babel, na ficção de Jorge Luis Borges de 1944. É a metáfora da sociedade de informação, mais atual do que nunca, a partir dos 25 símbolos ortográficos, 22 letras do alfabeto, o espaço, o ponto, e a vírgula, para formar todas as combinações possíveis em todos os idiomas. Ali não há dois livros idênticos, embora todos tenham 410 páginas, e para uma linha razoável de informações corretas haja “léguas de insensatas cacofonias, confusões verbais e incoerências”, tal qual o Google.
Como referência de busca diária para todo gênero de informação, o Google talvez possa ser responsabilizado também por uma pasteurização das matérias jornalísticas, já que todos bebem na mesma fonte.
Na revista mensal Ícaro, que editei por 11 anos, uma pauta que exigia meses de reportagem de campo era a edição anual O Bom do Brasil, que destacava o que o país tinha de bom, podendo ir de Ariano Suassuna a uma professora primária de Alagoas que conseguia bons resultados ao dar aulas na praia, até a jabuticaba e a goiabada.
O leitor percebe o esforço exigido na elaboração de uma matéria original com a qual se identifique, e reage bem.
O segredo está nas pautas além-Google, com informações de fontes variadas que cada jornalista pode conseguir, como faz a revista inglesa Monocle, com 77 mil exemplares de circulação mensal.
Seu editor, Tyler Brûlé, famoso por seus hábitos luxuosos, não tem preguiça: busca pautas variadas e atrativas mundo afora, tendo o bom gosto como denominador comum.
Numa entrevista anticlímax explicou que o seu jeito de trabalhar é retrô: mandar, a cada mês, diversas equipes aos locais escolhidos, para fazer reportagens frente a frente com os entrevistados e tirar fotografias caprichadas.
Esse método tradicional, que muitos consideram superado, parece dar certo: Monocle vendeu agora uma participação minoritária para a Nikkei Inc. do Japão, estabelecendo como referência seu valor em 115 milhões de euros, a partir de um investimento de 10 milhões, em 2007. Revista impressa pode ser bom negócio.
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Roberto Muylaert é jornalista e faz parte do Conselho Superior da Associação Nacional de Editores de Revistas (Aner). Foi presidente da Fundação Padre Anchieta e da Fundação Bienal de São Paulo, e diretor de revistas como Veja, Exame e Visão.