Quem acompanha o mercado de revistas já deve ter observado que muitas das publicações mensais tiveram sua circulação alterada em meio à pandemia do novo coronavírus. Modificação esta que tem sido bem difícil precisar se representa um reflexo dos impactos provocados pela crise de Covid-19 ou consequência de um processo de mudanças já em curso há algum tempo no mercado editorial.
Dos grandes grupos midiáticos até editoras independentes, de revistas consagradas a outras que vêm tateando às cegas ou lutando bravamente por seu espaço, o momento é de transformação. E nesse cenário de passar em revista as nossas publicações, há de tudo: descontinuidades, reposicionamentos, expansões e sumiços eventuais.
A Editora Globo, por exemplo, foi a primeira a suspender as versões impressas durante o período da pandemia. Em comunicado oficial, justificou a medida como uma forma de se adaptar à nova realidade e adequar temporariamente a linha de produção e entrega das suas publicações. Assim, pelo menos até julho, não circulam por aí as revistas Crescer, Autoesporte, Pequenas Empresas Grandes Negócios, Casa Jardim e Globo Rural.
Do portfólio da editora, segue sendo impressa a feminina Marie Claire. No entanto, com periodicidade alterada para bimestral. A propósito, investir na circulação de edições a cada dois meses foi também a estratégia adotada por outras revistas para fazer frente a este período, como a Glamour e a GQ Brasil, ambas fruto da parceria editorial firmada entre a Globo e a Condé Nast.
Se algumas se tornaram bimestrais ou suspenderam sua circulação temporariamente, outras no entanto sumiram de vez. Alegando dificuldades econômicas do próprio mercado de mídia nos últimos tempos e o impacto da crise do novo coronavírus, a Editora Rocky Mountain comunicou o encerramento dos títulos Women’s Health e Runner’s World no país.
A descontinuidade dos títulos empobrece ainda mais o segmento de publicações voltadas para o público fitness addict, que já vinha enfraquecido desde o fim decretado de Men’s Health e Boa Forma pela Editora Abril, respectivamente em 2015 e 2018. Mas se o fim das revistas fitness de Rocky Mountain diminui a musculatura do segmento, pelo menos sua descontinuidade foi comunicada pelo grupo editorial responsável. O que dizer de publicações que simplesmente sumiram?
Oi, sumida! — Sem uma edição nova desde março deste ano, a revista Trip, por exemplo, segue uma incógnita no mercado editorial. Sem edição impressa circulando por aí, sem anúncio nas redes sociais, sem comunicado oficial emitido ao público, ninguém sabe, ninguém viu. Estará a revista repetindo o caminho de sua filha-irmã TPM, que em 2017 deixou de ser mensal, passando a contar com edições especiais impressas a cada quatro meses e foco na internet?
Bem, pelo menos no caso da TPM, isso foi anunciado previamente. Em relação à Trip, o silêncio preocupa. Revistas são por essência conexão com o leitor. Precisam ser transparentes, se comunicar sem rodeios, criar laços, vínculos, partilha que faça sentido a realização da assinatura, a espera do exemplar em casa ou sua busca nas bancas de rua, livrarias e gôndolas de supermercados. É relação pura, onde não cabem silenciamentos. Do contrário, corre o risco de os leitores irem buscar em outra publicação respostas para as suas perguntas, anseios e dilemas, como numa reação ao vácuo deixado depois do “oi sumida!’.
Além do impresso — Paralelamente aos encerramentos, sumiços ou mudanças de periodicidade, o momento causado pela pandemia testemunha ainda uma aceleração de algo que as revistas mais espertas e antenadas já planejavam faz tempo: o investimento no digital.
Com a consolidação dos smartphones como extensão da vida e a dissipação cada vez maior das fronteiras que antes definiam o mundo online e offline, aumentou-se a presença das revistas nas redes sociais, seus sites deixaram de ser apenas repositórios para as matérias publicadas impressas, se intensificou a produção e veiculação de conteúdos exclusivos para seus canais digitais como vídeos, infografias, lives, podcasts, entre outros.
As revistas deixam cada vez mais de serem títulos para se posicionarem como marcas multiplataformas. Reinventando a forma de entregar conteúdos e mostrar relevância aos seus públicos. E aquelas que fizerem bem essa tarefa, muito provavelmente (pelo menos, torcemos para isso) estarão pavimentando um caminho menos cruel em meio às agruras do meio editorial. Terão, assim, mais condições de barganhar a sua sustentabilidade no mercado.
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Fernando Barros é jornalista, relações-públicas e estuda o mercado de revistas.