Segunda-feira, 12 de maio de 2025 ISSN 1519-7670 - Ano 2025 - nº 1337

Jornalista, influenciadores e suas relações com vídeos de internet

(Foto: George Milton/Pexels)

Nós, jornalistas, devemos gravar vídeos para redes sociais em nome próprio ou só devemos fazer isso quando o vídeo é vinculado ao processo editorial de algum veículo para o qual estejamos trabalhando? Ou seja, se eu cubro economia, por exemplo, devo gravar pequenos vídeos nos quais falo sobre os temas de meu interesse como jornalista, conversando diretamente com meu ouvinte, leitor, seguidor, ou só devo fazer isso quando a empresa para a qual eu esteja trabalhando me proponha ou demande, dentro de um fluxo editorial maior, mais institucionalizado e, sobretudo, remunerado?

O verbo usado aqui, “dever” – devemos, devo? –, não diz respeito a “poder fazer”, mas à conveniência de fazê-lo. É claro que todo mundo pode gravar e postar qualquer coisa. A questão é se fazer isso em nome próprio é algo conveniente, oportuno, vantajoso em termos financeiros, em termos de imagem e de reputação. De maneira mais ampla, é tentar entender se isso – a prática de postar vídeos pessoais, feitos em nome próprio – é algo positivo para o jornalismo também, enquanto atividade profissional que se diferencia, ou pelo menos costumava se diferenciar de maneira muito clara, da ação dos chamados influenciadores.

Talvez não haja uma única resposta para essa questão. O tema é relativamente novo para nós. Então, o que há é só uma porção de experiências pessoais, de práticas, de tentativas, de opiniões, pitacos e palpites que vêm sendo dados por muitos colegas, em pé de igualdade. Ninguém espera exatamente uma cartilha sobre o tema, mas uma possibilidade de caminho que pareça mais afinado com a personalidade de cada um de nós, e com a forma com que nos movemos na carreira – o que é sempre muito pessoal, embora pressuponha enquadramento dentro de padrões éticos e técnicos da profissão, expressos em qualquer bom manual de redação.

Quando levantei a questão dias atrás num post de Linkedin recebi uma porção de comentários que apontavam em duas direções: uma parte das pessoas acha que é bom que nós, jornalistas, façamos vídeos de internet em nome próprio, em nossas contas pessoais, porque isso nos aproxima dos, digamos, leitores. Os que pensam assim exaltam o caráter de pessoalidade e intimidade dessa experiência, o que, segundo eles, colabora para aumentar a credibilidade do que está sendo informado. Parece que a experiência olho no olho é avaliada como muito positiva pelos consumidores dessas informações – não tanto assim pelos produtores, que fazem parte de um segundo grupo.

Esse segundo grupo – formado majoritariamente por jornalistas, não por leitores – destacou aspectos reversos da experiência, sendo o principal deles o fato de ter de investir tempo, esforço, material, recursos técnicos, conhecimento etc, numa atividade não remunerada. A ideia de trabalhar de graça para os donos das redes sociais não é boa para esse grupo, que se sente eternamente sacaneado pela promessa de fazer de graça até que se crie um público cativo que te torne atraente o bastante para ser contratado por uma empresa de comunicação ou até que você mesmo possa lançar uma newsletter, um podcast ou coisa que o valha, em nome próprio, obtendo renda diretamente de seus supostos leitores fiéis.

Tudo se parece muito a uma pescaria. O dono da rede social parece apontar o dedo para um regato, dizendo: “compre uma vara e os equipamentos adequados, invista seu tempo, assuma o risco, e garanto que você pegará uns bons peixes”. Ele está administrando o pesque-pague, pelo qual cobra entrada. Só que talvez haja apenas pequenos bagres na água – umas poucas possibilidades mirradas de obter um contrato ou, o que me parece mais forçado ainda, emplacar um projeto de ouro, pelo qual os consumidores vão te remunerar diretamente, a ponto de você poder pagar seu aluguel e seu supermercado com assinaturas da sua newsletter; não a ponto de você ganhar um chocolate numa permuta miserável de merchandising.  

Essas todas são questões mais importantes para os jornalistas do que para a audiência. Do ponto de vista de quem consome essas coisas, as fronteiras parecem já completamente diluídas. Eles sequer entendem a razão de tanta angústia com essa pergunta inicial: “afinal, todo mundo põe a cara na internet para dizer suas verdades. Por que não os jornalistas?”

Eis aí a suprema angústia, que é a de nos debatermos por questões técnicas e éticas vinculadas à preservação de um certo padrão de qualidade jornalística que talvez já nem seja exigido de nós por quem consome informações na internet e talvez nem nos seja mais cobrado das empresas de comunicação, que tentam justamente mimetizar sua linguagem e seu conteúdo com o que mais faz sucesso nas redes, matando um legado de certo recato e maturidade pelo qual poucos, como eu, se sentem de luto.

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João Paulo Charleaux é jornalista. Em mais de 25 anos de carreira, foi repórter, editor, repórter especial, enviado especial, correspondente internacional, analista e colunista em algumas das principais publicações do país.