É tradição nos noticiários internacionais da grande imprensa brasileira. Cada nova ação bélica de Israel é acompanhada de determinadas manipulações midiáticas, visando “justificar o injustificável” e esconder a realidade, ou seja, o fato de o Estado sionista ser o principal fator de instabilidade geopolítica no Oriente Médio.
Como se sabe, desde que foi arbitrariamente criado, em 1948, Israel está em constante estado de guerra contra os palestinos (em particular) e seus vizinhos árabes (de maneira geral). Tal situação não seria possível, ao menos no campo discursivo, se não fosse o incondicional apoio dos veículos de comunicação do Ocidente (incluindo, naturalmente, a grande imprensa brasileira).
Assim, o caráter colonial/expansionista do projeto sionista e as décadas de genocídio do povo palestino são estrategicamente ocultados nos noticiários, fator que permitiu a construção da narrativa de Israel como “vítima” dos “raivosos, fanáticos e selvagens” vizinhos árabes. Também há a clássica cartada de rotular qualquer crítico a Israel como “antissemita”, como se o sionismo representasse todos os judeus.
Nas últimas semanas, em mais um capítulo de seu vasto histórico beligerante, Israel tem promovido uma série de ataques na região sul do Líbano, o que já gerou como saldo um milhão de pessoas deslocadas internamente e, pelo menos, mil e quinhentos mortos.
O argumento da vez, logo comprado pela mídia hegemônica, é combater o Hezbollah, grupo político e militar com forte influência na política de Beirute. Nesse sentido, surgiu a manchete, repetida ad nauseam nos maiores jornais, emissoras e portais de internet do país: “Conflito entre Israel e grupo extremista Hezbollah”. Não por acaso, um editorial do jornal O Globo alegou que o ataque israelense ao Líbano era “necessário para conter a ameaça do Hezbollah, [representante da] vertente mais extremista do fundamentalismo xiita”.
Este tipo de linha discursiva, ao recorrer à prática conhecida como “jornalismo de adjetivação”, busca induzir o público a acreditar que, de um lado, há um Estado soberano, em seu legítimo direito de defesa; e, de outro lado, há uma “organização extremista”, cujas ações não têm nenhum tipo de legalidade.
No entanto, o Hezbollah está presente na coalização que governa o Líbano e, desde 2008, o grupo teve oficialmente reconhecido seu direito a ter uma força armada própria (com a ressalva de que combatesse apenas inimigos externos). Portanto, o Hezbollah não é uma organização “extremista”, que age à revelia do poder estabelecido; é um ator político/militar respaldado por Beirute.
Além disso, a narrativa “Israel versus Hezbollah” também é utilizada para criar a falsa impressão de que o Estado sionista está em guerra contra uma “organização extremista”; e não contra o Líbano e seu povo. Outro engodo!
Antes da criação do Hezbollah, em meados da década de 1980, Israel já havia invadido o Líbano três vezes. Na primeira vez, em 1967, durante a “Guerra dos Seis Dias”, Israel, sob o argumento de “defesa nacional”, ocupou ilegalmente (e ocupa até hoje) a região libanesa conhecida como “Fazendas de Shebaa” (localizada próxima a tríplice fronteira entre Síria, Líbano e Israel).
Posteriormente, em 1978 e 1982, entre os argumentos israelenses para invadir o país vizinho, estava o combate a potenciais “células terroristas palestinas” (disfemismo para “resistência”). Na época, os campos de refugiados palestinos e libaneses de Sabra e Chatila, situados em Beirute Oeste, foram palcos de um massacre promovido pela milícia maronita liderada pelo político de extrema direita Elie Hobeika, com amplo apoio do exército sionista.
Diante desse histórico, diferentemente do que os discursos geopolíticos da mídia insinuam, é fácil constatar que não é de hoje que Tel Aviv é hostil com o Líbano.
Conforme dito, Israel tem um caráter inerentemente expansionista. Seu objetivo não é ficar restrito ao território sugerido pela partilha da ONU; tampouco à Palestina histórica. Em última instância, o sionismo visa reconstituir a antiga Terra de Israel (Eretz Yisrael), que se estende do Rio Eufrates ao Nilo, o que engloba o atual território libanês.
No entanto, Israel sempre será representado como “vítima”, e não como “agressor”, em relação a seus vizinhos. Nesse sentido, na segunda-feira (30/9), uma matéria da Record News, ao noticiar a morte do Sayyed Hassan Nasrallah apontou que ele “foi um dos fundadores do Hezbollah, grupo terrorista financiado pelo Irã, e durante mais de três décadas liderou ataques contra Israel”. O histórico de intervenções sionistas no Líbano, evidentemente, foi apagado, como se o “grupo terrorista” atacasse Israel “do nada”.
Por falar no país persa, na terça-feira (1º/10), a Rede Globo interrompeu sua programação normal para informar sobre “ataques com mísseis do Irã contra Israel”. “Sirenes de alerta foram acionadas em todo o país assim que foram identificados os ataques. Os mísseis teriam sido interceptados, em sua maioria, pelo sistema de defesa antiaéreo de Israel. […] Você vê nas imagens”, disse a apresentadora Renata Vasconcellos, em tom de voz propositalmente utilizado para tentar envolver emocionalmente o público.
Ironicamente, não vemos a emissora da família Marinho parar sua programação quando Israel ataca (de forma muito mais violenta) o Líbano, o Irã, ou a Faixa de Gaza.
Em suma, independentemente do supracitado Hezbollah, do Hamas, da Guarda Revolucionária do Irã, ou qualquer outro grupo “espantalho” para justificar suas ações genocidas, o sionismo tem como condição sine qua non a agressividade contra todo povo que ocupe terras da Eretz Yisrael. Via de regra, contará com apoio das potências ocidentais e dos poderosos conglomerados de comunicação (e, como dito no início deste texto, da subserviente grande mídia brasileira).
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Francisco Fernandes Ladeira é Doutor em Geografia pela Unicamp. Especialista em Jornalismo pela Faculdade Iguaçu.