Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Jornalismo como linchamento midiático

(Foto: kconcha por Pixabay)

A revista Marie Claire publicou uma matéria sobre uma denúncia de suposto assédio sexual na universidade pública, em julho de 2022. Noticiou que um grupo de alunos fez um protesto contra um certo professor a partir da montagem de um banner, afixado no campus da Unesp de Bauru, com conteúdo sexual atribuído a ele. A matéria trouxe depoimentos de ex-alunas do professor, que seriam supostas vítimas. Na ocasião, outros veículos de imprensa nacionais veicularam o ocorrido.

No entanto, tais depoimentos referem-se a uma sindicância que foi aberta pela própria Unesp em 2017 e cuja conclusão declarou que o professor era inocente; não houve assédio sexual. Este é o ponto singular na matéria da Marie Claire: o trabalho de reportagem não levou em conta – ou não quis levar – que as acusações das supostas vítimas que forneciam depoimento à revista haviam sido investigadas pela própria Unesp e resultaram improcedentes.

O processo da sindicância – como toda ação de caráter investigativo que se preze – acolheu as acusações e cotejou-as com outras versões, buscou provas materiais, ouviu outros depoimentos, a maioria dos quais contradizia as afirmações das “vítimas”. A repórter da revista Marie Claire que fazia a matéria entrou em contato com o professor para supostamente dar espaço ao “outro lado”, ali no calor da hora de julho de 2022. Mas em nenhum momento informou a ele que “do lado de lá” seriam veiculadas as mesmas acusações das quais ele havia sido investigado e inocentado em 2017. Ele não teve, então, como contestar diretamente tais acusações.

Depois de ser investigado e inocentado, o professor é, portanto, apontado como culpado pela revista. Ao fazer isso, a reportagem violentou um dos princípios jurídicos básicos, o fundamento da coisa julgada. E violou, por tabela, o princípio da inocência presumida, o de que ninguém deve ser considerado culpado sem provas.

A matéria em nenhum momento buscou averiguar a legitimidade do banner afixado por um indivíduo que se evadiu do campus universitário e que, hoje, responde criminalmente pelo feito. Não noticiou que não apareceu ninguém em momento algum que dissesse ser a pessoa com quem o professor trocava mensagens no banner. Ou seja, não existe a “vítima” do banner. Por quê? Por tratar-se de uma montagem. E a matéria não cogitou que a própria ilegitimidade do tal banner acendia o pavio da condenação midiática. Aliás, como sinal de uma orquestração evidente, minutos após o banner ser afixado na universidade, ele foi prontamente fotografado e postado na rede X, antigo Twitter.

Não interessaram os 29 anos de carreira na universidade. O linchamento midiático nessa altura já havia acontecido em torno do nome do professor. Com o desenrolar de uma nova sindicância e de um processo administrativo em 2023, nenhuma prova apareceu. Não surgiram depoimentos, gravações de áudio ou vídeo, mensagens ou qualquer outro elemento material. Mas, para o “caso Bulhões”, isso não fez a menor diferença. Depois da propagação da denúncia realizada em cima de um banner que consiste em uma montagem, as redes sociais foram ativadas pela mídia e pelas militâncias, e um abaixo-assinado com mais de sete mil assinaturas pedia a exoneração do professor. Toda essa movimentação foi realizada sem aparecer uma única vítima ou prova.

No entanto, ao final, a universidade decide pela demissão sumária do professor.

O motivo? Uma aluna, que antes nunca se manifestara, declarou que “sentiu-se constrangida” por ele ter apontado o dedo para a sua camiseta (em referência a um personagem que havia nela e que conectava-se à explicação naquele momento), episódio que ocorreu em sala de aula com mais de quarenta alunos presentes. Esse foi o “fato” que a Unesp levou em conta para demitir um professor com quase três décadas de carreira universitária.

O professor em questão é quem escreve essas linhas.

***

Marcelo Bulhões é  livre-docente em Teoria Literária pela Unesp e Doutor em Literatura Brasileira pela USP, é autor de livros sobre literatura, cinema e jornalismo.