Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Liberdade de expressão e difusão de informação

Há duas semanas, um juiz deteve o diretor-geral do Google no Brasil, Fabio Jose Silva Coelho, por não retirar do YouTube um vídeo considerado ofensivo por Alcides Bernal, candidato a prefeito de Campo Grande, no Mato Grosso do Sul. O fato teve repercussão internacional, mas não chega a ser surpreendente, quando avaliados alguns números. O Google recebeu mais de 1.900 pedidos de governos em todo o mundo para retirar conteúdo de seus vários serviços no ano passado. O país com o maior número de pedidos não foi, como poderia facilmente se supor, China, Irã ou Síria, mas sim Brasil, revelam Craig Timberg e Paula Moura [The Washington Post, 4/10/12]. Com 418 demandas, o país democrático, plural e economicamente vibrante foi o campeão de pedidos.

A guerra pela liberdade de expressão está atualmente cada vez mais vívida em países amigos dos EUA – como Índia, Tailândia e Turquia – do que em seus inimigos, onde o direito de expressão é existente no conceito, mas não na prática, avaliam especialistas. “Entre nossos amigos na esfera internacional, há uma grande diversidade de opiniões sobre liberdade de expressão”, disse Andrew McLaughl, ex-executivo de políticas do Google e conselheiro de tecnologia da Casa Branca.

Regimes autoritários têm maneiras mais diretas de bloquear conteúdo de que não gostam. A China tem sua “grande muralha”, administrada por censores. Já o Irã construiu sua própria internet. Na Coreia do Norte, por sua vez, cidadãos têm pouco acesso online. Países democráticos lutam continuamente para estabelecer limites quando enfrentam situações consideradas inaceitáveis. Quando o filme Inocência dos Muçulmanos gerou protestos violentos no mundo islâmico, a Índia e a Indonésia pediram ao YouTube para bloqueá-lo – o que foi feito. O Afeganistão impediu o acesso ao YouTube por completo. Uma corte russa ordenou que o filme fosse bloqueado. Temporariamente, o YouTube bloqueou o acesso ao vídeo no Egito e na Líbia. Até nos EUA, a Casa Branca pediu ao YouTube para analisar o vídeo e verificar se ele teria de ser removido.

Imagem arranhada

Está cada vez mais fácil espalhar ideias e imagens; mas também pode ser mais fácil para governos bloqueá-las, especialmente quando elas estão centralizadas em servidores de algumas empresas privadas. “Na medida em que o conteúdo está indo em plataformas privadas, é mais fácil que autoridades deem telefonemas”, avalia Jonathan Zittrain, professor de direito em Harvard.

O número de pedidos para retirada de conteúdo ao Google é atualizado regularmente em seu site Transparency Report e é apenas um indicador de como governos podem ser agressivos ao buscar bloquear expressão. O segundo país com maior número de pedidos no ano passado foram os EUA, com 279, que tem muitos usuários dos serviços do Google. A Tailândia, por sua vez, tem um pequeno número de pedidos (seis), mas são relativos a 374 vídeos do YouTube, que foram retirados pelo Google.

Ao analisar a natureza das reclamações, é possível ter um panorama das preocupações do país. A Tailândia, por exemplo, considera ilegal insultos à sua monarquia e monitora agressivamente violações. A Turquia preocupa-se com a reputação de seu fundador, Mustafa Kemal Ataturk. Cortes bloquearam o YouTube entre 2007 e 2010 devido a vídeos insultando Ataturk. A Índia teme palavras ou imagens que podem gerar violência religiosa. No mês passado, foram bloqueados 250 sites para impedir que se espalhassem vídeos mostrando ataques violentos contra muçulmanos.

O Brasil monitora cuidadosamente questões raciais e tem rígidas leis eleitorais que limitam crítica a candidatos. Há ações em pelo menos 20 estados procurando apagar conteúdo do Google. “Nosso objetivo com o YouTube é oferecer uma comunidade na qual todos podem aproveitar e, ao mesmo tempo, ser uma plataforma para liberdade de expressão em todo o mundo”, contou Coelho, após sua detenção. “Este é um grande desafio, porque o que pode ser aceitável em um país pode ser ofensivo – ou até ilegal – em outros”.

Muitos brasileiros criticaram o modo como o governo lidou com o caso e com o conflito entre os direitos dos candidatos e os dos constituintes. “É um passo atrás em termos de liberdade de expressão, algo que vemos em países como China. É ruim para a imagem do Brasil no exterior”, opinou Monica Rosina, professora de Direito na FGV. O debate em si reforça a defesa de outro ideal democrático – a separação dos poderes. Quase 2/3 dos pedidos do Brasil ao Google para retirada de conteúdo vêm de cortes e não da polícia ou poder executivo.

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