Assim como outras indústrias que foram interrompidas por novas formas de concorrência, o guru da inovação Clay Christensen diz que os jornais foram quase incapazes de adotar as medidas que precisavam tomar – mesmo muito tempo depois de que o perigo por não adotar essas medidas tivesse ficado mais do que óbvio.
Quando se trata de problemas de quebra de indústrias tradicionais, Christensen é um pouco como o oráculo de Delfos, no sentido de que o escritor e professor de administração na Universidade de Harvard antecipou muito do que vemos hoje nos negócios de mídia e, na verdade, em toda a indústria tecnológica. Mas o próprio Christensen reconheceu, em recente entrevista ao Nieman Journalim Lab, que se surpreendia com a velocidade com que as situações ruíam na indústria de mídia. E, infelizmente para os jornais e revistas, não há alternativas para sair do poço em que caíram – existem apenas caminhos alternativos ali em baixo, alguns dos quais podem levar ao sucesso e outros, a um provável beco sem saída.
Uma das clássicas lições do importante livro The Innovator’s Dilemma (O Dilema da Inovação), de Christensen, é a de que as empresas com liderança em suas áreas, sejam elas produtoras de discos rígidos ou de fornos de aço, são quase incapazes de adotar as medidas necessárias para sobreviver a uma quebra tecnológica ou de comportamento – mesmo quando o perigo de não o fazer é por demais óbvio. Em outras palavras, mesmo quando uma empresa vê claramente que um trem se aproxima ou que há uma precipício pela frente, é quase impossível sair dos trilhos ou fazer algo que não seja uma fuga precipitada rumo ao despenhadeiro.
O modelo do Post
Isso tem muito a ver com a natureza humana e com a cultura empresarial, mas Christensen também destaca que indústrias como jornais muitas vezes são levadas a pensar que o cenário não é tão ruim como parece porque seus negócios tradicionais continuam indo bem – até que, subitamente, não vão mais. “Embora os problemas se acumulem nos mercados, o essencial dos negócios persiste – e chega a ser lucrativo por um bom tempo. Aí, quando esses problemas atingem as necessidades de seus clientes, de repente, e muito rapidamente, você cai do precipício. Embora os administradores tenham consciência de que esses problemas de quebra estão ocorrendo – e embora saibam que isso está ocorrendo – nada fazem e as informações ficam claras quando o jogo acaba. Eles teriam que agir com base na teoria, o que me parece que muita gente acha difícil”, avalia.
Portanto, os jornais viram a advertência há uma década, ou mais, mas tomar as decisões necessárias para se antecipar a essa onda de quebras ainda era muito difícil, pois fazê-lo significaria um risco potencial de sair dos trilhos de seus negócios bem-sucedidos. Embora Christensen não mencione, esse é provavelmente um dos motivos pelos quais os únicos jornais que fizeram progressos significativos tendem a ser aqueles que foram à falência, ou estão próximos a ela, como os do grupo Journal Register Co. – que, no sentido mais óbvio, nada têm a perder.
É interessante, como destaca Josh Benton, fundador do Nieman Lab, que os jornais com relações religiosas fortes adotaram medidas importantes, inclusive o Christian Science Monitor – um dos primeiro a adotar a versão digital, há vários anos – e o Desert News, que Christensen menciona como pioneiro (talvez, em parte, por ter sido dirigido por um de seus alunos).
O outro jornal que se destaca por se ter adaptado rapidamente – ou, pelo menos, tentado – é o Washington Post. Para Christensen, o modelo que o Post procurou desde os primeiros dias das notícias online – com o setor digital organizado como uma entidade separada, inclusive em outro prédio – é o que tem melhores possibilidades de sucesso porque fica mais fácil manter a operação digital diante das medidas necessárias à sobrevivência. É por isso que muitos dos funcionários doPost ficaram decepcionados quando parecia que os “impressos” tivessem levado a melhor.
Cortes e investimento no digital
O Post tem sido um dos poucos dos principais jornais diários que assume riscos interessantes na área digital, como o motor de notícias recomendadas Trove e o lançamento do aplicativo para o “leitor social” para o Facebook, que tem trazido muito tráfego para o site do jornal, mas também fica sujeito aos caprichos da plataforma que o hospeda. E Christensen também elogia a empresa por diversificar o noticiário de negócios, passando a abordar educação online como uma maneira de subsidiar o seu jornalismo (embora alguns críticos achem que esse modelo vai cada vez pior para o Post).
Embora Christensen não mencione, o declínio e desaparecimento da versão impressa do Newsweek é outro grande exemplo do processo que tenta descrever. Houve um tempo em que a agregação semanal de notícias consideradas importantes era um grande serviço para os leitores – algo que não conseguiam senão ali. Atualmente, esse tipo de coisa é acessível em milhares de sites diferentes e o objetivo da Newsweek foi, fundamentalmente, superado. Existiria um objetivo para The Daily Beast, a entidade que se fundiu com (e possivelmente ajudou a matar) a Newsweek? É esperar para ver. No meio tempo, a Forbes é outra entidade elogiada por Christensen por tentar interromper seu formato tradicional.
Embora a introdução da alternativa de cobrar pelo conteúdo possa ajudar a adiar uma quebra e subsidiar o que sobrou da tradicional receita publicitária dos jornais, ela não parece ser uma solução de longo prazo ao desafio de que fala Christensen, que é o de desenvolver um negócio online sustentável que solucione o problema dos leitores. Estariam os leitores sofrendo da falta de conteúdo pago para o qual podem empregar seus cartões de crédito? Talvez não. Também é interessante que o jornal mais elogiado por Christensen seja o Post, que continua se opondo veementemente ao conteúdo pago.
No final, o único conselho que Christensen dá aos jornais – assim como às revistas – é o de cortes profundos no lado tradicional dos negócios (o Desert News cortou mais de 50% de sua equipe) ao mesmo tempo em que sejam feitos investimentos nos negócios digitais. Até o momento, os jornais têm cpnseguido cumprir a primeira parte dessa equação, mas não tanto a segunda. Informações de Mathew Ingram [GigaOM, 22/10/12].