No início do mês passado, pouco menos de 20 executivos e chefes da equipe editorial do Guardian reuniram-se, numa casa de caridade no norte de Londres, para discutir o futuro de seu jornal. Havia sete assuntos em pauta. Mas foi um deles – “passar somente ao jornal digital não é uma opção” – que conseguiu uma atenção significativa. Isso reflete, parcialmente, o desconforto que sofrem os modelos de administração de jornais devido à queda na circulação de suas edições impressas, assim como na publicidade, e à legitimidade na transição para o digital.
O Guardian, que existe há mais de 190 anos, foi particularmente afetado por essas mudanças. Apesar de ter um dos sites de notícias mais lidos do mundo, sua receita vem caindo e suas perdas vêm aumentando. Porém, com o Guardian coletando 70% de sua receita anual de £200 milhões (cerca de R$ 650 milhões) da edição impressa, fechar o jornal não é uma solução, diz Andrew Miller, principal executivo do Guardian Media Group, que controla o jornal. Em vez disso, o grupo pensa fazer cortes nos custos da impresso e investir em operações digitais. Trata-se de fazer em 18 meses um plano de cinco anos de “transição dos negócios” para um futuro digital. Esse processo – que implica mais quedas na circulação do impresso, mais cortes de custos e aumento nas receitas digitais – está “a caminho”.
Quatro, cinco anos
De acordo com algumas medidas, a estratégia vem funcionando. Através de suas plataformas, o Guardian tem 9,5 milhões de leitores no Reino Unido, “praticamente o mesmo que o Telegraph”, diz Miller. Ele acrescenta que, do ponto de vista global, excluindo os aparelhos móveis, o jornal tem 65 milhões de visitas únicas por mês em seu site, que crescem a uma média anual de 14%. O problema está em como legitimar esses leitores. Com a proliferação de conteúdo na internet e os índices da receita publicitária caindo, mesmo os jornais que têm grandes audiências online estão considerando um desafio divulgar receitas publicitárias digitais significativamente saudáveis.
Os concorrentes dizem que a solução poderia ser um paywall [conteúdo pago]. O Times, atualmente, tem mais de 130 mil assinantes que pagam o acesso à internet e o Telegraph começou, na semana passada, uma experiência de cobrar dos leitores internacionais. Mas Miller diz que a economia não se acumula, insistindo que tal opção provavelmente converteria 15% dos quase 80 mil assinantes do jornal impresso. Isso não significa que o Guardian tenha vergonha de cobrar pelo conteúdo. Seus aplicativos Kindle e iPad geram vários milhões de libras por ano em receita, diz Miller.
Andrew Miller, que trabalhou em grandes empresas de consumo como a divisão Frito-Lay, da PepsiCo, a Bass e a Procter&Gamble antes de entrar para uma organização de mídia, pretende duplicar a receita digital nos próximos quatro para cinco anos, através de várias iniciativas, desde a exposição de publicidade ao patrocínio e contratação online. O fundamental nisso tudo é “incentivar os usuários a aprofundarem sua relação conosco”. Segundo Miller, o Guardian planeja dar aos usuários uma página adaptada aos seus interesses.
Vendas do impresso
Mas falta muito o que fazer. Nos primeiros três meses deste ano, a receita digital do grupo passou de 16,3%, chegando a £45,7 milhões (cerca de R$ 146 milhões), o que não é suficiente para compensar as perdas com a receita do jornal impresso. No ano que terminou em março, as perdas operacionais aprofundaram-se, chegando a £44,2 milhões (cerca de R$ 140 milhões) – um número “insustentável” para Miller. Por esse motivo, o Guardian tenta atualmente cortar £7 milhões (cerca de R$ 22,4 milhões) de seu orçamento editorial. Tendo conseguido apenas 34 demissões voluntárias, de um objetivo que passava de 100, vem agora sendo feita uma consulta formal à equipe. Pela primeira vez na história de um jornal de esquerda e altamente sindicalizado, isto poderia levar a demissões compulsórias.
O grupo a que pertence o jornal goza de alguma segurança por meio do Scott Trust, uma entidade sem fins lucrativos que existe para garantir o futuro financeiro e editorial do Guardian. Mas, no ano passado, Andrew Miller advertiu a equipe que a empresa “poderia ficar sem dinheiro dentro de três a cinco anos”. A aposta do grupo na Auto Trader, principal site automobilístico do Reino Unido, é avaliada em £1 bilhão (cerca de R$ 3,2 bilhões), dando ao Guardian uma proteção para a transição digital. No final de seu plano de cinco anos, Miller diz que o Guardian chegará “perto do lucro”. Se o conseguir, o futuro do jornal parece relativamente seguro. Miller diz que sua maior preocupação é se as vendas do jornal impresso caírem mais rapidamente do que ele previu. Nesse caso, os cortes de custos terão que ser aprofundados. Informações de Robert Budden [Financial Times, 5/11/12].