O primeiro-ministro britânico David Cameron e seu vice Nick Clegg parecem estar em conflito aberto sobre o futuro da regulação da imprensa. Eles examinaram exaustivamente as cerca de 2 mil páginas do relatório desde que receberam suas cópias. Ministros de ambos os lados da coalizão reuniram-se na semana passada, mas parecem ser incapazes de alcançar uma posição conjunta que possa ser resumida a uma única declaração.
Autoridades do Partido Liberal Democrata enfatizaram que os dois homens que estão à frente do governo de coalizão concordaram em muitos pontos, mas parecem existir diferenças de opinião irreconciliáveis. “Não estou convencido de que nesse momento um estatuto seja necessário”, disse Cameron.
Já Clegg há tempos demonstra ser mais favorável à regulação estatutária do que seu colega conservador e sua atitude sugere que Cameron possa estar se preparando para resistir a exigências por um controle tão rigoroso dos jornais britânicos. “Mudar a lei é o único modo para garantir que o novo regulador não seja independente apenas por meses ou anos, mas para sempre”, alegou. “Uma imprensa livre não significa uma imprensa livre para atacar inocentes ou abusar de famílias lamentando seus mortos”.
O relatório de Lorde Leveson circulou, antes ser divulgado, entre uma meia dúzia de ministros, com especulações de que proporia uma nova forma, independente, de regulação da imprensa, respaldada por lei. Clegg e Ed Miliband, o líder trabalhista, comprometeram-se a implementar as proposta de Leveson, desde que razoáveis, mas a indústria jornalística se opõe ferozmente a qualquer tipo de regulação estatutária. Uma proposta intermediária foi apoiada pela indústria: uma nova regulação da imprensa seria criada, com poderes para investigar comportamentos errados e impor multas, mas seria estabelecido com base num contrato civil, e não num estatuto.
Caso Cameron recusasse as propostas do relatório Leveson, ele seria visto como um herói pela imprensa britânica, mas enfrentaria uma violenta reação no Parlamento e por parte das vítimas das escutas telefônicas. Antes de receber o relatório Leveson, o primeiro-ministro prometeu que procuraria um consenso suprapartidário sobre a regulação, mas disse que o status quo era “inaceitável e precisava mudar”.
Voz das vítimas
Tom Mockridge, diretor-executivo da News International, o grupo de mídia de Rupert Murdoch no Reino Unido, rompeu o silêncio sobre a questão e declarou à BBC: “As pessoas que defendem uma regulação estatal estão dizendo que vão confiar que, nos próximos 300 anos, os políticos não irão explorar neste país”, disse. “É um bocado de confiança.” Mockridge preferiu apoiar uma proposta de fortalecer a autorregulação que fora apresentada por Lorde Hunt, presidente da Comissão de Reclamações sobre a Imprensa (PCC, sigla em inglês), e por Lorde Black, executivo-sênior do grupo Telegraph. Ele concordou que as vítimas de abusos por parte da imprensa têm “uma voz moral única”, mas disse que seria errado deixar que vítimas individuais de abusos pela imprensa possam determinar o futuro da regulação.
Mas o ator Hugh Grant, que vem fazendo uma campanha a favor de uma regulação da imprensa mais rigorosa, disse ao programa BBC Breakfast que uma regulação independente respaldada por um estatuto, que vem sendo defendida por muitas das vítimas de abuso da imprensa, era “um monstro muito, mas muito, diferente” da regulação estatutária. “O que as pessoas vêm defendendo é o fim dos jornais poderem regular a si próprios, pois isso é o que resultou no tipo de abusos contra pessoas como os Dowlers, os McCann”, disse Grant. Com informações de George Parker, Robert Budden e Kiran Stacey [Financial Times, 29/11/12] e da Reuters [29/11/12].