Friday, 15 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Um debate sobre a objetividade

O fato de a objetividade não ser entendida de maneira única torna o conceito perigoso no fluxo das novas técnicas jornalísticas. Em seu âmago, o jornalismo objetivo busca constatar fatos sobre uma situação, reportar de maneira justa a variedade de opiniões sobre ela e fazer um primeiro corte com os argumentos mais razoáveis. Jornalistas devem ter habilidades profissionais de reportagem e edição. Para manter o compromisso com o equilíbrio, repórteres devem manter sua opinião pessoal apenas para eles.

Trata-se de um conceito simples, também chamado de “jornalismo imparcial”, “reportagem de confiança” ou, na visão de alguns, simplesmente “jornalismo”. É preciso acrescentar a isso “serviço do consumidor”. O consumidor de notícias precisa acreditar que há alguém em algum lugar para ir rapidamente até os fatos básicos sobre negócios, política e segurança pessoal. Há um valor para vozes confiáveis, com experiência em diferenciar contradições, atentas a boatos e com a garantia de que não colocarão um objetivo pessoal na apuração dos fatos.

Conceito difuso

Ainda assim, o conceito de objetividade é confuso. Para alguns, objetividade evoca o legado da indústria jornalística, destinada a morrer com ela. Esses críticos veem a objetividade como algo reativo, uma forma abreviada de jornalismo, tão ligada ao equilíbrio que não distingue a opinião legítima da lunática, a verdade científica do lixo. Outros veem objetividade arraigados em uma crença de que “profissionais” podem cobrir completamente uma história complexa e que as vozes dos jornalistas é o que público precisa ouvir. Há outros ainda que acreditam que a objetividade nunca existiu, porque a objetividade perfeita é impossível. Assim como um vácuo perfeito ou um círculo perfeito podem ser imaginados, mas não realmente criados, então sua perda não tem custo.

A visão de Tom Kent [Ethical Journalism Network, 15/1/13] é que a objetividade, longe de um artifício da velha mídia ou da elite, é a chave para a mídia democrática de agora e do futuro. Ela pode servir com segurança ao jornalismo tradicional e a novos modelos, incluindo os processos mais abertos para reunir e analisar notícias.

No entanto, a objetividade perfeita é difícil de imaginar, no sentido de apresentar todos os lados de uma questão, não de determinar uma única e objetiva verdade. O próprio ato de decidir que ângulos cobrir na apuração de uma matéria é algo inerentemente subjetivo, observa Gilles Gauthier, da Universidade Laval. Onde e como apontar a câmera vem de um instinto pessoal e de sentimentos, não de fórmulas matemáticas. Ter os dois lados da história pode deixar os jornalistas satisfeitos, por terem feito um bom trabalho, mas outros lados mais válidos podem ter ficado inexplorados.

A participação do público

Ainda assim, vivemos em um mundo de números – e a porcentagem de pessoas que são a favor de um jornalismo objetivo aumentou nas últimas décadas. Para os que acreditam que a reportagem objetiva é um conceito valioso, mas um problema na prática, redes sociais e crowdsourcing, que envolvem produção coletiva, agora tornam isso mais complicado do que nunca. O jornalismo objetivo de hoje não precisa ter apenas palavras e imagens de jornalistas – é claro que os participantes devem refletir uma variedade de pontos de vista.

Não há contradição entre profissionais fazendo sua própria reportagem enquanto também fazem a curadoria das vozes de outros. Essa tem sido a história da guerra civil na Síria. Organizações de notícias internacionais enviam seus próprios correspondentes ao país, mas também têm uma quantidade de informações de pessoas locais, por meio de contato direto com eles ou das redes sociais. Isso enriquece a reportagem, sem prejudicar a objetividade do produto. As organizações envolvidas têm uma vasta experiência em identificar repórteres habilidosos e em detectar filmagem ou fotos não atuais.

Esse jornalismo-cidadão não é uma ameaça aos jornalistas profissionais, porque a objetividade não se restringe a controlar a informação disponível, mas sim a garantir que todos os lados estejam disponíveis. Se um conflito é em um lugar distante, por exemplo, não há contradições entre as vozes dos que estão no local e as dos jornalistas – longe do evento, mas perto dos consumidores de notícias – reunindo as informações em um todo que irá chamar a atenção da audiência. Claro, em alguns momentos, jornalistas podem estar no local para apresentar o cenário completo também.

Há, ainda, um mundo inteiro de reações dos leitores. Instituições de mídia profissionais e novas, como o Huffington Post, investiram muito nesse feedback. O resultado é um relato ainda mais objetivo de eventos, com as pessoas in loco, longe de observadores profissionais e de opiniões da audiência de maneira geral.

Nos acontecimentos de última hora, os jornalistas desempenham ainda um papel importante: resumir as notícias e o debate a intervalos frequentes – algumas vezes, minuto por minuto – para os que não podem acompanhar todo o desenrolar da matéria. Para os que consideram os jornalistas como uma elite de gatekeepers, é preciso ver um outro quadro sob tais circunstâncias.

É um conceito de elite pensar que uma pessoa que está, a caminho do trabalho, ouvindo no rádio que o Hamas está detonando mísseis em Israel, chegará ao trabalho e consultará suas fontes de vozes diversas no Twitter, com vídeos, imagens e uma versão equilibrada dos fatos. A maior parte das pessoas chega ao trabalho e precisa começar a trabalhar. Eles valorizam notícias rápidas, confiáveis e resumidas quanto o tempo permite. A mídia objetiva oferece uma fonte profundamente democrática de informações, oferecendo à maioria da população com tempo limitado um padrão de notícias que consumidores acham rápido e confiável. Essa é uma vantagem competitiva do legado da mídia que ajuda a explicar sua existência contínua em um tempo de tantos desafios.

Sobre os que alegam que cobrir os dois lados de uma história leva a jornalistas objetivos a uma verdade equivalente e ao nonsense, Clay Shirky, da Universidade de Nova York, afirma que o “julgamento sobre consenso legítimo está se tornando uma habilidade jornalística crítica, em que treinamento tradicional não consegue preparar a maior parte dos repórteres”. Já Craig Newmark teme que a “pretensão da objetividade” leve jornalistas a tratar crenças periféricas como fatos significativos em um esforço para mostrar que a matéria está abordando todos os pontos de vista.

Na realidade, as redações modernas lidam hoje regularmente – e com sucesso – com discussões sobre os fatos. A objetividade também não significa rejeição da emoção humana. Um jornalista pode ser transparente sobre sua biografia e suas experiências, desde que não as torne uma agenda política. Não há nada robótico sobre um jornalista objetivo: julgamentos racionais, ética humana e experiências não precisam ser suprimidos.

O valor central da objetividade é a criação de um diálogo público forte e equilibrado que não pode ser dominado por sanções governamentais, inclinações políticas, argumentos parciais e ódio. O valor da objetividade não é simplesmente um debate para ser feito em seminários e escolas de jornalismo. É um valor fundamental de discurso público e colaboração, que durará enquanto as pessoas estiverem dispostas a defendê-lo.