Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Menor, jornal abre espaço para a comunidade

Entre as muitas mudanças que Christopher M. Mayer queria fazer quando se tornou publisher do jornal The Boston Globe, em 2010, uma era fazer uma transformação numa seção particularmente feia da redação. Mayer queria preencher o que chamava “o centro da rosquinha”, no segundo andar – centenas de metros de mesas de escritório abandonadas que, antigamente, haviam sido ocupadas por mais de 100 trabalhadores dos departamentos de pagamento, de classificados e de publicidade.

Nos últimos anos, esses empregos em grande parte desapareceram do Globe, que pertence ao grupo The New York Times Company, e Mayer enfrenta uma situação parecida com a que enfrentam muitos publishers pelo país afora à medida que suas equipes encolhem. Embora a maioria dos jornais não disponha de dinheiro, de empregados ou de uma estratégia clara para conseguir maiores lucros na era digital, espaço é algo que não lhes falta. Mayer decidiu procurar maneiras criativas de usar esse espaço.

O resultado foi que o Globe transformou suas salas de escritório vazias num espaço para a comunidade pública, trazendo empresas iniciantes de tecnologia, bandas de música que tocam para a estação de rádio BDC, da empresa, e eventos especiais, como a maratona pelo código de programação, para entusiastas da tecnologia. Os projetos ocupam o que parece uma sala de estar recriada, onde desfila uma mistura colorida de jovens empreendedores, jornalistas de cabelos grisalhos e bandas com nomes como “Cachorros de rua” ou “Reino animal”. A alguns passos dali, repórteres e editores do Globe debruçam-se sobre os artigos.

“Ninguém deve subutilizar um ativo”, disse Mayer numa entrevista em seu espaçoso escritório. “Disponho de um prédio que podemos utilizar para várias coisas. Trazendo bandas de música ou trazendo eventos, isso nos lembra, assim como às pessoas da comunidade, o que fazemos.” Embora não seja claro o quanto representa a receita dessas atividades, ele disse que os novos tipos de relacionamento ajudam com a energia que trazem para o local de trabalho.

“O único custo”

O Boston Globe não é o único jornal a usar os espaços vazios de maneira criativa. Há dezenas de anos que os jornais vêm convertendo suas velhas fábricas de impressão. O Daily News tinha uma dessas fábricas de impressão no Brooklyn, que foi transformada em condomínios. O Los Angeles Times assinou contratos de cessão de espaço a longo prazo com empresas como o Sistema de Aposentadoria dos Funcionários de Los Angeles e a VXI Global Solutions, uma empresa de tecnologia da informação. O Los Angeles Times também procurou opções mais atraentes. Nos últimos anos, arrendou seus escritórios para serem usados nos filmes Argo, Moneyball, Frost/Nixon, Dreamgirls e The Soloist. Hillary Manning, porta-voz do jornal, disse que foi parte de uma estratégia “para maximizar o valor de nossos ativos imobiliários e diversificar nossa receita para dar melhor apoio à missão jornalística do Times”.

No Globe, Christopher Mayer seguiu o exemplo do Los Angeles Times e arrendou espaço para a produção de um filme de televisão. Outras indústrias também procuraram meios de usar espaços vazios, principalmente desde que começou a recessão. Os aeroportos tentam transformar terminais abandonados em escritórios. O Chicago Merchandise Mart [mercado central da cidade], que já foi ocupado por indústrias de móveis e de tecidos, agora tenta atrair empresas de tecnologia. Até as igrejas anunciaram espaço sobrando, oferecendo-o como local de encontro a grupos locais.

O Boston Globe mudou sua equipe digital para o espaço não usado há cerca de um ano e meio e em seguida convidou empresas de tecnologia para ocuparem os escritórios vazios. Jeff Moriarty, vice-presidente para produtos digitais do Globe, cita nomes da dúzia de empresas iniciantes [start-ups] que por ali passaram, como a Supermechanical, que faz sensores sem fio que conectam à internet. O Globe também empresta espaço à TapWalk, que constrói aplicativos móveis para espetáculos e grandes eventos, como festivais de música. Os acordos de cessão de espaço entre estas empresas iniciantes e o Globe são flexíveis; em geral, o jornal não cobra aluguel, mas procura oportunidades de intercâmbio com algumas dessas empresas novatas. “O único custo é tentar encontrar maneiras de trabalharmos juntos”, disse Moriarty.

Novo Globe

Essas parcerias formaram-se rapidamente. Michael Morisy, cofundador da MuckRock – que vem tentando tornar mais fáceis os pedidos de arquivos da Lei de Liberdade de Informação – instalou sua start-up no espaço temporário do Globe em setembro de 2011. Morisy precisava de uma sala para receber toda a correspondência que sua empresa recebia. Um ano depois, o Globe contratou-o para ajudar a localizar alguns arquivos públicos para seus planos de reportagem.

A TapWalk está criando um aplicativo móvel para um espetáculo sobre viagens do Globe em fevereiro. Moriarty disse que a maioria dos projetos foi desenvolvida “para benefício recíproco, sem troca de dinheiro”, mas há casos em que “pagamos por projetos específicos, exclusivos para nós”.

O espaço tornou-se suficientemente convidativo para que alguns repórteres e editores se sentem nos sofás e assistam à televisão por enormes telas, a eventos como a cerimônia dos prêmios Golden Globes. “Faz-nos parecer uma empresa de tecnologia”, disse Shirley Leung, editora de negócios, que já realizou encontros ali. “Esse espaço representa o novo Globe.”

No outono do ano passado, a família ABC rodou um programa chamado Terminales sobre um jovem repórter que escreve para um jornal fictício, o Boston Post. Meredith Goldstein, repórter de variedades do Globe, cobriu as filmagens. Quando mostrava o elevador de apoio que a empresa de produção construíra na redação, ela disse que agora percebia as vantagens de ter uma equipe de televisão nos espaços vazios do Globe, criando a versão hollywoodiana de o que uma redação deveria ser. “Ficou tudo muito mais simpático”, disse.