Wednesday, 18 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

Peneirando as riquezas da internet

Por grande parte de minha vida de adulto, fui um produtor diligente de jornalismo diário e semanal. Nos últimos anos, tornei-me um consumidor voraz. É um privilégio ganhar a vida escrevendo; porém, como descobri, também é um privilégio – e menos estressante – ganhar a vida lendo. Leio o dia todo. Se não fosse pelas exigências do sono e da família, leria a noite toda. Meu objetivo é encontrar escrito tudo o que valha a pena ler na internet e recomendar diariamente os cinco ou seis melhores textos no meu site, The Browser. Dispensarei comentários sobre as virtudes do Browser. Meu objetivo aqui é compartilhar com o leitor quatro lições que aprendi em cinco anos de “beber na fonte”.

Minha primeira afirmação: esta é uma época excelente para ser um leitor. A quantidade de boa leitura disponível gratuitamente online supera, e muito, mesmo o que o mais dedicado consumidor poderia esperar encontrar há uma geração nos limites do jornalismo impresso. Não estou dizendo que tudo na internet seja muito bem escrito. Indo um pouco mais longe: apenas 1% tem algum valor para o leitor inteligente mediano – refiro-me à parcela demográfica que, no mundo da grande mídia, procuraria informar-se no semanário The Economist, no Financial Times, na Foreign Affairs ou na The Atlantic. Outros 4% da internet contam como besteiras de entretenimento. Os restantes 95% não têm características redentoras. Mas o mero 1% de textos escritos pela e para a elite é um prato cheio de riquezas, uma festa de abundância, um jardim de delícias.

Professores são excelentes blogueiros

Procuro diariamente meus seis textos com os seguintes critérios na cabeça: teria o trabalho de sair de uma rotina para recomendar esse texto para um de meus amigos? O texto informará e deliciará o leitor inteligente mediano? Valerá a pena ler esse texto daqui a um mês ou um ano? Uso essas regras e quase fico surpreendido e encantado com o que pego de volta, tudo grátis. Hoje, por exemplo – estou escrevendo no dia 7 de fevereiro – meus últimos recortes incluem:

>> Um ensaio do músico David Byrne, em seu próprio blog, sobre desobediência civil e o caso de Aaron Swartz, o prodígio da internet que cometeu suicídio sob ameaça judicial.

>> Uma resenha literária acadêmica na edição online da revista Dissent, por Steven Randy Waldman, sobre a história do risco financeiro e a tensão entre risco e liberdade pessoal.

>> Um comentário para a revista New Republic por Jeffrey Rosen, professor de Direito na Universidade George Washington, sobre por que as orientações do governo Obama para assassinar cidadãos americanos no exterior são inconstitucionais.

Esses são os melhores, os da gaveta de cima. Sei quando encontro um texto desse tipo porque não consigo parar de ler até o fim. Esse tipo de texto é relativamente raro. Onde a internet se supera é em servir uma grande quantidade de textos que, digamos assim, ficariam na segunda gaveta: no nível do jornalismo diário de muito boa qualidade, tanto no que se refere a assuntos de interesse imediato para uma audiência generalizada quanto a assuntos mais esotéricos, para uma audiência especializada. Vejo diariamente pilhas de textos que são escritos com clareza, com bons argumentos e altamente informativos.

De onde vêm? Alguns vêm de jornalistas profissionais escrevendo para websites ou para seus próprios blogs. Mas boa parte deles vem de profissionais de outras áreas que encontram tempo, motivação e oportunidade para escrever para alguém que os queira ler. Numa generalização ampla, professores são excelentes blogueiros – dentro e fora de seus campos de especialidade. Também o são assistentes sociais, advogados, músicos, médicos, economistas, poetas, financistas, engenheiros, publishers e cientistas da computação. Escrevem no blog por prazer; escrevem por visibilidade em suas áreas; escrevem para aumentar seu valor e construir seus mercados como escritores e oradores.

Blogs que são pontos de partida

Empresários e políticos são os piores blogueiros porque não gostam de dizer o que sabem e dizer o que se sabe é a essência de escrever bem num blog. Também têm medo de estar errados; como insiste, e às vezes demonstra, Felix Salmon, blogueiro de finanças da agência Reuters, “se você nunca erra, você nunca é interessante”.

Ler o blog de um cientista político, ou de um antropólogo, ou de um advogado ou de um técnico de informação é quase como ler suas mentes; até melhor, de alguma forma, pois o que eles têm a dizer emerge de uma forma pensada. Esses são os especialistas que, duas décadas atrás, teriam funcionado como fontes para repórteres. Suas opiniões apareciam, muitas vezes estropiadas e simplificadas, sempre truncadas, em artigos sobre os quais não tinham controle final. Agora podemos ler diretamente e descobrir o que, na realidade, eles pensam e dizem. Podemos saber, por exemplo, o que dizem os advogados sobre a nomeação de um juiz para a Suprema Corte; o que os cientistas políticos esperam de uma eleição; como os cientistas de computação avaliam o sistema operacional de atualização da Apple; o que os economistas esperam de uma nova política do governo. O leitor, de uma maneira geral, tem acesso a um conhecimento especializado que já estava disponível dez anos atrás, só que agora, através de quem está dentro, ou do especialista.

Aqui estão alguns blogs de elite para sua dieta de leitura, caso você já não os tenha selecionado em Favoritos. Para comentários legais sobre os EUA, recomendo The Volokh Conspiracy. Para ciência política, The Monkey Cage. Para economia, Marginal Revolution. Para computação, Asymco. Para literatura, The Millions. Trate-os como pontos de partida: a maioria dos blogs oferece uma pequena lista de outros blogs recomendados na mesma área, fornecendo “degraus” para explorar em maior profundidade.

O artigo é o que importa para o leitor

Minha segunda afirmação enquanto leitor profissional pode parecer evidente por si mesma no mundo dos blogs, mas também é aplicável a todo o universo de escrever e publicar online: o autor é tudo. O corolário disso também é aplicável: quem publica (com algumas exceções) não é coisa alguma. Após milhares de diligentes apreciações, posso endossar com segurança esta excessivamente simples verdade: quem escreve bem, escreve bons textos, seja qual for o assunto ou a publicação. Os medíocres escrevem textos medíocres. E não há como salvar quem escreve mal.

Uma simples afirmação, mas ponha-a no contexto e ela se torna mais complexa e interessante. Pense na época em que os jornais impressos reinavam. Sua unidade básica de consumo não era o artigo, nem o autor, e sim, a publicação. Você comprava a publicação na esperança e expectativa de que contivesse coisas bem escritas. O publisher era a garantia de qualidade. Autores profissionais ainda veem valor em ter um publisher online, não tanto como garantia de qualidade, mas porque os publishers pagam pelas matérias escritas – ou, o que ocorre cada vez mais, se não pagam, pelo menos publicam o texto num lugar em que vai ser lido.

Os leitores, por seu lado, têm cada vez menos necessidade de publishers. Uma tendência surpreendente que notei nos últimos cinco anos é a maneira pela qual artigos individuais se desconectam dos lugares onde foram inicialmente publicados para ter vida própria na internet, passando de mão em mão entre os leitores. Isso se deve, em grande parte, à ascensão das mídias sociais – essencialmente, o Facebook e o Twitter. Há cinco anos, você tinha que visitar o website de um publisher para saber o que havia ali de novo. Agora você ouve falar num determinado artigo através do Twitter ou do Facebook; um amigo irá compartilhar o link; você pode visitar a página diretamente, mas mais provavelmente você irá salvar o link, ou anotá-lo para ler depois, ou em seu aparelho Kindle, e você irá apreciar o texto mais tarde, provavelmente off-line. O artigo é o que importa para o leitor; o lugar onde foi originalmente publicado talvez nem tenha sido percebido.

Lealdade e afeto para com o autor

Na realidade, do ponto de vista do leitor, muitos publishers online subtraem valor. Digamos que você tem um autor que quer um leitor; e um leitor que quer um autor. Perfeito. Mas se um publisher estiver envolvido, seus instintos provavelmente o levarão a preencher o espaço entre o leitor e o autor com banners publicitários, cujo objetivo é distrair o leitor de sua leitura. Há exceções. Enquanto leitor, só tenho elogios – não necessariamente nessa ordem – para The New Yorker, The New York Review of Books, o Financial Times, The London Review of Books e McSweeney’s. Esses, e outros veículos como eles, levam a sério o trabalho de publicar online. Preocupam-se em construir sites e aplicativos que façam os leitores quererem ler e os autores, escrever. Mostram inteligência, bom gosto e moderação. Prosperidade para eles.

Dito isto, parece-me quase inevitável que um novo modelo de negócio para ler e escrever online irá triunfar no futuro: ele consiste em encaminhar diretamente aos leitores os autores que eles admiram. Digo quase inevitável porque este é, sem dúvida, o mais eficiente e econômico arranjo para ambas as partes e deixam de existir obstáculos tecnológicos significativos para sua adoção.

Essa também parece ser a opinião de Andrew Sullivan, um jornalista que se tornou famoso na década de 90 como editor da New Republic antes de fundar o Dish, um blog político – que atrai atualmente 1,8 milhão de visitas únicas por mês –, em 2000. Após anos de parcerias bem-sucedidas com as revistas Times e The Atlantic e o site The Daily Beast, Sullivan decidiu este ano tornar o Dish independente, dizendo que queria “criar um lugar onde os leitores – e somente os leitores – mantenham o site”. O preço das assinaturas é de $19,99 por ano (cerca de R$ 40,00): apenas no mês de janeiro, Sullivan levantou 511 mil dólares (cerca de um milhão de reais) para o novo empreendimento. Blogs menos conhecidos podem não conseguir levantar dinheiro no nível de Sullivan, mas nem precisam fazê-lo. Até agora, a lição importante da experiência com o Dish é de que os usuários de internet estão dispostos a pagar por conteúdo, mas a lealdade e o afeto para com um autor específico ou uma marca provavelmente desempenha um papel importante na transação.

Contratação mais inteligente

E agora minha terceira afirmação: nós superestimamos os textos novos, de uma maneira quase absurda, e subestimamos textos mais velhos. Sinto essa falha do mercado diariamente quando recomendo um belo texto que merece ser lido pelos próximos anos e, no entanto, irá durar, no máximo, dois dias. Você nunca escuta alguém dizer “Não vou escutar esse disco porque foi lançado no ano passado”, ou “Não vou assistir a esse filme porque foi lançado no mês passado”. Por que temos tão pouco interesse num texto jornalístico que foi escrito há um mês, ou um ano? A resposta é que, durante décadas, recebemos o que nos repassava a arte de vender da indústria jornalística, dizendo-nos que o jornal de hoje é fundamental, mas o de ontem não vale nada.

Essa distinção é cada vez mais desonesta, uma vez que os jornais perderam para mídias mais rápidas o papel de divulgar notícias de última hora há 50 anos e começaram a encher suas páginas com cada vez mais matérias “frias”. Uma vez que os consumidores tinham que confiar na mídia impressa, a distinção entre velho e novo podia apoiar-se na disponibilidade: o jornal de hoje estava em toda parte e o jornal de ontem não estava em lugar algum – exceto, talvez, no lixo. Na internet, essa distinção desaparece – ou deveria desaparecer. Você pode acessar um texto de um ano atrás, como pode acessar um texto de ontem. E, no entanto, raramente o fazemos porque dificilmente somos estimulados a fazê-lo. E isso condena dezenas – senão centenas – de milhares de artigos perfeitamente utilizáveis a mofarem nos arquivos de jornalistas e editores para nunca mais serem vistos. Por que os grandes grupos jornalísticos, com recursos para fazê-lo (a New Yorker é uma honrosa exceção), fazem tão poucas tentativas de organizar, priorizar e vender o material de seus arquivos?

A melhor explicação que posso sugerir vem de uma analogia que me foi passada por George Brock, ex-editor administrativo do jornal The Times e que agora é professor de Jornalismo na Universidade de Londres. Pense num jornal ou numa revista como uma montanha de informações, diz ele, à qual é acrescentada diariamente, ou semanalmente, uma nova camada de terra. Todo mundo vê a nova camada de terra. Mas o que está por baixo é coberto e esquecido. Mesmo o pessoal que é dono da montanha não sabe o que há nas camadas de baixo. Podem até tentar descobrir, mas isso exige um conjunto de novas ferramentas. E, além disso, eles estão muito ocupados acrescentando a nova camada de terra a cada dia.

Suspeito que a contratação mais inteligente que um jornal ou revista de longa existência poderia fazer seria a de um editor de arquivo. Por que ficar sentado em cima de uma montanha de conteúdo clássico quando você a poderia estar escavando e encontrar um tesouro enterrado?

Por falar em brevidade…

Minha quarta afirmação é que a internet é uma força para a brevidade. Sei que é difícil de acreditar. Você pensa nela como um lugar em que as pessoas ficam a falar sem parar. Mas quando você está escrevendo online, não precisa preencher um determinado espaço ou comprimento, como você precisa quando escreve para uma publicação impressa. Quando você tem um espaço fixo a preencher, a tentação é de proporcionar uma quantidade mínima e decente do necessário trabalho original embrulhada num máximo tolerável de palavras. Quando você não tem um espaço específico a preencher, não há utilidade alguma em você se estender além do estritamente necessário. O que também ajuda, quando você está escrevendo online, é que não é necessário apresentar e identificar todas as pessoas, lugares e fatos que você menciona, assim como não é necessário revelar o histórico daqueles novos ao assunto. Você pode criar um link para o documento ou a matéria relacionados – ou simplesmente assumir que seu leitor saiba usar o Google e a Wikipedia.

Esta tendência à brevidade é ainda mais perceptível quando se trata de livros. A publicação online gerou uma nova categoria de livros pequenos, de 10 mil a 30 mil palavras – Kindle Singles, Penguin Shorts, Atavist Originals e outros –, que dão aos autores espaço para desenvolver uma grande ideia, ou uma grande matéria, com rapidez e agilidade. Muitas vezes, 10 mil para 30 mil palavras é tudo o que uma boa ideia precisa – não é necessário inchá-lo com histórias que justifiquem o preço de um livro de capa dura nem garantir que ainda tenha algum valor quando finalmente for impresso, daqui a um ano. Você pode manter sua tese facilmente. Um dos livros mais discutidos sobre economia popular dos últimos dois anos foi The Great Stagnation, de Tyler Cowen – um e-book de 15 mil palavras.

Eu poderia continuar. Mas, por falar em brevidade, aqui vocês terão que me desculpar. Tenho 775 itens de hoje no meu RSS e cerca de seis horas de Twitter para desgravar. Alguém tem que fazê-lo e fico feliz por ser eu.

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[Robert Cottrell é editor do site The Browser]