Na crise econômica espanhola, nenhuma indústria saiu ilesa. Mas uma das maiores afetadas é inesperada: a jornalística. Milhares de empregos foram cortados e dúzias de veículos, fechados, negando às redações alguns dos mais experientes e talentosos profissionais disponíveis. A mídia espanhola não sofre apenas em termos de números; também foi ferida em seu bem mais valioso: a credibilidade.
“Essa é a pior crise que o jornalismo espanhol já sofreu”, diz Elsa González, presidente da Federação de Jornalistas Espanhóis. “Temos que reconquistar a confiança da sociedade”.
Não é só a confiança que foi perdida dentro da severa crise econômica. O aumento da fraqueza institucional e política tem feito dos jornalistas presas fáceis para a pressão governamental e empresarial, dizem especialistas, gerando ruidosos casos de manipulação política e corporativa e sérios erros editoriais nos mais respeitáveis veículos do país.
Na verdade, os espanhóis confiam somente um pouco mais em jornalistas do que em advogados, segundo uma pesquisa recente. Só 53% dos entrevistados acreditam que jornalistas são honestos, comparado a 51% para advogados, 80% para a polícia, 88% para professores e mais de 90% para profissionais de saúde. Banqueiros e membros do parlamento só recebem confiança de 12% e 11%, respectivamente, da população.
“Repórteres deveriam estar correspondendo às preocupações da sociedade, e não deveriam ser condicionados por suas fontes ou donos de companhias, mas estamos vendo o contrário”, diz Ramón Salaverría, diretor de projetos jornalísticos da Escola de Comunicação da Universidade de Navarra e especialista em tendências industriais. “Veículos estão mais interessados nos resultados corporativos do que em seu público”.
Para piorar, companhias de mídia na Espanha ou são controladas pelo governo, ou por bancos, grandes corporações e até pela Igreja Católica. “Do meu ponto de vista, a sociedade sente que a mídia não possui independência e responde ao clientelismo ideológico ou econômico”.
A crise econômica e as transformações na sociedade espanhola estão alienando ainda mais os jornalistas, segundo Elsa González. Para ela, estes profissionais estão fazendo parte da radicalização do país. “A politização é representada especialmente na ausência de transparência como resultado da fraqueza do jornalismo. Jornalistas escolhem lados diferentes porque não possuem escolhas”.
Erros e demissões
“Os erros e a credibilidade perdida não são coincidência”, diz Salaverría. “Não se faz bom jornalismo sem bons jornalistas”. Entre 2008 e 2012, quase dez mil jornalistas perderam seus empregos, quase a metade deles no último ano, e 73 veículos foram fechados. As melhores redações das maiores organizações de notícias foram decapitadas, sentencia González. “Os maiores inimigos da independência são o desemprego e a precarização”.
A idade média dos jornalistas nas redações espanholas antes da crise era de mais de 40 anos, enquanto hoje é de pouco mais de 30. Enquanto a receita e as ações corporativas caem, companhias estão deixando as redações nas mãos de profissionais com pouca experiência, sem “professores” que os guiem.
Recentemente, o jornal mais lido e respeitado da Espanha, o El País, protagonizou o caso mais embaraçoso e ruidoso dos problemas nas redações. Em janeiro, como o próprio diário admitiu, cometeu “um dos mais sérios erros” de sua história.
O jornal publicou em sua primeira página uma foto que mostrava, supostamente, o presidente venezuelano Hugo Chávez com tubos na boca. Chávez vinha recebendo tratamento para seu câncer, em Cuba, e sua condição de saúde era mantida como segredo pelo governo.
Mas a foto se provou falsa. A maioria das cópias daquela edição foi recolhida antes de chegar às bancas, o jornal se desculpou imediatamente e reimprimiu uma nova edição ao custo de 225 mil euros. O governo venezuelano ameaçou abrir uma ação legal. Mas o maior golpe para o El País foi cometer um erro tão grosseiro em um tema de tamanho destaque.
Aumento da influência estatal
A maior preocupação sobre a crise na mídia é a manipulação editorial nas emissoras de TV e rádio financiadas pelo governo, uma das fontes de informação mais populares da Espanha e legalmente obrigadas a “representar” os espanhóis.
Governos regionais e nacionais historicamente impõem suas agendas políticas às mídias que controlam. Mas, dentro da crise, esta manipulação se tornou exageradamente clara. Jornalistas têm denunciado a pressão e o número de queixas de leitores e de processos judiciais contra a imprensa aumentaram.
As companhias de mídia independentes são um pouco mais sutis, mas, como no resto da Europa, possuem fortes inclinações políticas e suas alianças com os partidos são óbvias. Chegou ao ponto em que manifestantes condenam os laços entre jornalistas e a elite em quase todos os atos contra as medidas de austeridade do país.
Outra preocupação é a habilidade corporativa de influenciar repórteres, tanto diretamente, ao ameaçar a receita publicitária, quanto indiretamente, ao forçar jornalistas à autocensura. “Os editores estão favorecendo o lucro e o aumento de audiência. Dentro da perda de credibilidade, as companhias não estão interessadas em rigor jornalístico”, diz González. “Estamos atendendo as demandas da sociedade?”, pergunta ela. A resposta é, na maioria dos casos, negativa.