Nós não precisamos de uma nova plataforma. Precisamos de uma nova marca.
Essa foi a mensagem de um relatório, algumas semanas atrás, do Partido Republicano, sobre como ganhar eleições presidenciais no futuro. Também é a estratégia que Peter Fleisher, conselheiro do Google para assuntos de privacidade, propôs para que os Estados Unidos ganhassem no exterior apoio para seu modelo legal de proteção de dados privados. Num post em seu blog pessoal, intitulado “Precisamos de leis de privacidade melhores, mais simples e narrativas”, ele descreve as divergências legais nos Estados Unidos e na Europa.
O sistema americano envolve uma colcha de retalhos de leis sobre privacidade federais e estaduais que, separadamente, governam o uso de detalhes da vida pessoal em esferas como contas de consultas médicas, registro de veículos motores, educação e registros de aluguel de vídeos. A União Europeia, por seu lado, tem uma orientação geral de proteção de dados que expõe os princípios para como coletar e usar informação sobre os cidadãos – seja qual for a indústria.
Fleisher – cujo blog destaca que reflete opiniões pessoais, e não as de seu empregador – apoia o sistema da colcha de retalhos porque, diz ele, oferece uma proteção de múltiplas camadas aos americanos. O problema, argumenta, é que não é útil para narrar algo objetivamente. “A narrativa europeia sobre privacidade é simples e convidativa”, escreveu Fleisher em meados de março. Se os Estados Unidos quiserem promover empresas americanas estabelecidas no exterior, acrescentou, terão que “descobrir como explicar suas leis sobre privacidade num cenário global”.
Velocidades diferentes
Outros especialistas em tecnologia, no entanto, veem a colcha de retalhos das leis sobre privacidade americanas como uma adaptação macramé – com sérias falhas na proteção ao consumidor, em especial quando se trata de coleta de dados online. O Congresso deveria promulgar uma lei que servisse de referência para a privacidade do consumidor, diz Leslie Harris, presidente do Centro para a Democracia e a Tecnologia, um grupo de políticas públicas que promove a liberdade na internet. “Não acho que esta seja uma briga sobre marcas”, diz. “Tentamos conseguir uma lei sobre privacidade há mais de 10 anos, uma lei que funcionaria hoje e também para tecnologias que nem imaginamos.”
Muitos americanos têm consciência de que lojas, websites, aplicativos, redes de publicidade, programas de fidelidade de um cartão etc coletam detalhes sobre suas compras, atividades e interesses – online e offline. No ano passado, os Estados Unidos e a União Europeia propuseram dar a seus cidadãos um controle mais amplo sobre a extração de dados.
Se o lado americano parece estar perdendo a batalha de relações públicas, como sugere Fleisher, pode ser porque a Europa avançou com seu projeto de modernizar a proteção de dados. Quando, nos próximos meses, autoridades norte-americanas e europeias começarem a trabalhar num acordo de livre comércio, as diferenças transatlânticas sobre a regulação da privacidade provavelmente serão um dos pontos de atrito. “Na realidade, nós somos um valor externo”, diz Christopher Calabrese, conselheiro legislativo para questões relacionadas à privacidade na União para as Liberdades Civis, em Washington. Por enquanto, as autoridades de cada lado do Atlântico parecem estar trabalhando em velocidades diferentes.
“O direito a estar sozinho”
Em janeiro de 2012, a Comissão Europeia propôs uma nova regulação que poderia dar aos cidadãos dos 27 Estados-membros da UE alguns poderes legais que os norte-americanos não têm. Entre eles, o direito de transferir texto, foto e vídeo, em formatos habituais, de um provedor de serviços online para outro. Os consumidores norte-americanos não têm um direito nacional semelhante para portabilidade de dados e têm que depender da generosidade de empresas com o Google, que lhes permite fazer o download de seus vídeos do YouTube ou álbuns de fotos do Picasa.
Um mês depois que a Europa propôs atualizar suas proteções de dados, o governo Obama convocou o Congresso a promulgar uma “declaração de direitos da privacidade do consumidor” que se destinaria às indústrias que não estão cobertas por leis de privacidade setoriais. Estas poderiam incluir corretores de dados, empresas que coletam detalhes sobre os gostos das pessoas, opções de lazer, hábitos de compras, status financeiro, interesses de saúde e outros mais.
O projeto original da Casa Branca para legislação, por exemplo, daria aos norte-americanos o direito a exercer algum controle sobre seus dados pessoais, assim como ver e corrigir registros que as empresas tenham sobre eles. A iniciativa da Casa Branca ampliou a histórica opinião norte-americana sobre privacidade como “o direito a estar sozinho” – uma definição feita em 1890 por Louis Brandeis e Samuel Warren – para um conceito mais moderno de privacidade, como o direito ao controle de dados comerciais. “Não podemos esperar”, vibrava um post, à época, no blog da Casa Branca.
Pressão no Congresso
Um ano depois, a regulação da proteção de dados proposta pela Comissão Europeia já foi revisada por vários reguladores e comissões do Parlamento Europeu. Agora, o documento tem milhares de emendas, algumas desenvolvidas em resposta a grupos comerciais norte-americanos que se queixavam de que algumas disposições poderiam dificultar a inovação e impedir o livre comércio digital. Peter Hustinx, supervisor europeu de proteção de dados, afirmou no início do mês (3/4) que as autoridades europeias esperavam que a lei seja promulgada até a próxima primavera. Já nos Estados Unidos, um ano após o governo Obama apresentar a ideia de uma declaração de direitos da privacidade do consumidor, a minuta não foi sequer completada, muito menos divulgada ao público.
Cameron F. Kerry, conselheiro-geral do Departamento de Comércio e responsável por supervisionar o esforço da privacidade, não estava disponível para fazer comentários. No entanto, numa entrevista por telefone em janeiro, Kerry disse que a agência estava trabalhando na linguagem legislativa para levar adiante o projeto da Casa Branca. “A ideia é ter proteções à privacidade de referência para as áreas que não sejam cobertas por regimes setoriais”, disse Kerry. E acrescentou: “Achamos que é importante fazê-lo de uma maneira que permita flexibilidade e inovação, e que não seja demasiado compulsória.”
Chris Gaither, porta-voz do Google, disse que a empresa estava “envolvida em questões importantes”, como a advertência de violações de segurança, e dispensava fazer comentários sobre a legislação da privacidade do consumidor. Porém, pelo menos algumas empresas de tecnologia norte-americanas sugerem que uma lei de privacidade como referência poderia beneficiar os consumidores e as empresas. Numa declaração feita no ano passado, a Microsoft disse que uma legislação nacional sobre privacidade poderia ajudar a garantir “que todas as empresas estejam usando, armazenando e compartilhando dados de maneiras responsáveis”.
Com os direitos de dados europeus mais fortes e as negociações comerciais pendentes, Leslie Harris, do Centro para a Democracia e a Tecnologia, diz que o Congresso pode sentir a pressão para aprovar a legislação sobre privacidade. Isso representaria uma grande mudança para os consumidores norte-americanos e melhoraria a interpretação da privacidade no exterior. “Ou promulgamos nossa própria lei ou vamos ter que acatar as leis de outros países”, disse. “Mas não fazer nada já não pode ser uma resposta.”