Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Os tropeços da mídia americana

A cobertura do atentado na Maratona de Boston, na semana passada, rendeu gafes e um verdadeiro show de falhas na imprensa americana. Enquanto plataformas de internet como o Twitter e o Reddit eram acusadas de estimular a distribuição de informação incorreta, veículos tradicionais, como jornais e emissoras de TV, protagonizaram bons exemplos de mau jornalismo.

A mídia americana foi criticada, na quarta-feira (17/4), por reportar erroneamente a prisão de um suspeito. A busca da polícia pelos suspeitos do atentado – os irmãos Tamerlan e Dzhokhar Tsarnaev – só terminou dois dias depois. Tamerlan, de 26 anos, morreu na quinta-feira, e Dzhokhar, de 19, foi capturado, ferido, quando se escondia em um barco, na noite de sexta (19/4).

O FBI chegou a divulgar, no meio da semana, uma declaração de apelo à imprensa: “Ao longo do último dia, houve um número de notícias baseadas em informações de fontes não oficiais que eram imprecisas. Como estas histórias costumam ter consequências involuntárias, nós pedimos à mídia, particularmente neste estágio inicial da investigação, que seja cautelosa e tente verificar as informações pelos canais oficiais apropriados antes de noticiá-las”.

A rede de TV CNN havia divulgado, no início da tarde de quarta, que a polícia havia prendido um suspeito. Organizações como a Associated Press e o Boston Globe, além de diversas estações de TV locais, seguiram a rede e reportaram que um suspeito estava “sob custódia”. A informação era atribuída a fontes de segurança não identificadas. CNN e Fox News passaram cerca de uma hora mostrando seus correspondentes e especialistas discutindo a prisão, até que foram finalmente obrigadas a desmentir a informação.

Era da Retratação

Uma hora depois do jornalista John King anunciar na CNN a prisão de um suspeito, Tom Fuentes, colaborador que comenta questões de segurança na emissora, afirmou que três fontes haviam lhe garantido que não havia prisão nenhuma.

Um porta-voz da Associated Press negou que a agência tivesse reportado a prisão de um suspeito, dizendo que anunciou apenas que havia alguém “sob custódia”. Mas a agência chegou, de fato, a noticiar que um suspeito estava “prestes a ser preso”. As duas informações, por sinal, estavam erradas. No fim do dia, a AP reconheceu o erro.

“Eu temo que tenhamos entrado permanentemente na Era da Retratação”, escreveu a professora de jornalismo Judy Muller, da Universidade do Sul da Califórnia, criticando a pressa dos veículos de comunicação em reportar as informações sem checá-las apropriadamente.

Confundindo suspeitos

Mas, no que talvez tenha sido o episódio mais grave da cobertura, o jornal The New York Post – que já havia reportado erroneamente o número de mortos vítimas das explosões – divulgou em sua capa a foto de dois suspeitos que, na verdade, não eram suspeitos. “Policiais buscam estes dois fotografados na Maratona de Boston”, dizia a manchete. O jornal afirmava que as fotos dos dois homens estavam sendo usadas pelos investigadores que tentavam identificá-los. O texto dizia: “Oficiais identificaram dois potenciais suspeitos que foram flagrados por vídeos de câmeras de segurança feitos logo antes das explosões”. Mas ressaltava: “Não ficou imediatamente claro se os homens nas fotos são os mesmos dos vídeos”.

No dia seguinte, o Post informava que “as autoridades determinaram que nenhum [dos dois homens] tinha informação ou teve algum papel nos ataques de segunda-feira na Maratona de Boston”, mas não comentava sua decisão de destacá-los na primeira página. Salah Barhoun, um dos homens na fotografia, contou à rede de TV ABC News que foi à polícia se identificar depois de se ver na capa do Post. O jovem afirmou que ficou chocado depois que viu sua foto circular na internet como um possível suspeito do atentado.

O Reddit, plataforma de mídia social onde os usuários postam informações com links para sites de internet, também ajudou a disseminar informações falsas sobre suspeitos. Os usuários da rede logo se engajaram na missão de identificar culpados, compartilhando vídeos e fotos, e analisando “pistas”, como o tipo de zíper usado na mochila encontrada na cena das explosões. Tanto trabalho levou os internautas àvidos por solucionar o crime a identificar os mesmo dois “suspeitos” que acabaram na capa do Post. Depois de muito debater as informações, no entanto, os usuários do Reddit chegaram à conclusão que era pouco provável que eles fossem os culpados.

Usuários do Reddit e do Twitter também acabaram identificando erroneamente outro possível suspeito: um estudante da Universidade Brown que está desaparecido desde março. Sunil Tripathi, de 22 anos, sofre de depressão, segundo a família, e havia tirado uma licença da faculdade. Alguns internautas acharam que ele se parecia com um dos homens nas fotos divulgadas pela polícia na quinta-feira [identificados posteriormente como os irmãos Tsarnaev], e logo jornalistas apareceram na casa de seus pais. Sua irmã recebeu 58 ligações de repórteres em apenas uma hora. “Estávamos sendo torturados”, disse a mãe de Sunil, Judy Tripathi. “Sabíamos que não havia sido ele”. A família trabalha com a polícia e o FBI para tentar encontrar o estudante, e criou uma campanha no Facebook.

Caçada ao vivo

Na sexta-feira, 19, quando milhares de policiais receberam a missão de encontrar o segundo suspeito dos atentados, a Polícia do Estado de Massachusetts fez um apelo às emissoras de TV locais e nacionais para que evitassem exibir imagens ao vivo da movimentação policial – o espaço aéreo chegou a ser fechado para impedir que helicópteros sobrevoassem a área onde, acreditava-se, estava Dzhokhar.

Desta vez, as emissoras colaboraram. As equipes de TV se posicionaram bem perto da ação policial, nas cidades de Cambridge e Watertown, mas fizeram uso do delay – quando atrasam em alguns segundos a transmissão para poder cortar alguma imagem. A cobertura ao vivo ocupou grande parte da programação de sexta-feira nas principais emissoras americanas, CBS, ABC e NBC.

Ainda assim, onde as câmeras de TV não podiam chegar por conta das restrições policiais, moradores passaram a filmar e fotografar através das janelas, postando as imagens nas redes sociais. Logo, havia vídeos e fotos de tiroteios distribuídos pelo Twitter e por emissoras locais. Na NBC, moradores de Watertown – refugiados em suas casas durante a ação policial – chegaram a ser entrevistados via Skype.