Sunday, 17 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Uma década após aprovação, Constituição precisa ser modernizada

Em abril de 2003, cidadãos do Catar foram às urnas e aprovaram uma nova constituição que garante a liberdade de imprensa. No entanto, após uma década, a imprensa do país ainda não é livre. Na época, 84,3% dos eleitores compareceram aos locais de votação e, destes, 98% votaram a favor da nova constituição. Segundo o site do Ministério das Relações Exteriores do Catar, o voto era uma aposta dos cidadãos “rumo a uma nova era na qual voariam alto nos horizontes da liberdade”. “Essa nova era é marcada pelo estabelecimento de uma constituição permanente (…) que crie uma atmosfera livre na qual todos os tipos de expressão são permitidos e intensifique a liberdade de imprensa”.

A nova constituição levou quase quatro anos para ser elaborada. Em julho de 1999, o emir Hamad bin Khalifa al-Thani – que quatro anos antes havia tomado o poder do próprio pai em um golpe de Estado – fez um discurso lembrado por muitos catarianos. Ele disse que o país teria uma constituição que poderia definir direitos e deveres dos indivíduos, e pediu que um parlamento fosse eleito – algo que deve finalmente acontecer em junho, embora nenhuma campanha tenha começado ainda.

Três décadas da lei de imprensa

Somente em julho de 2002 um comitê entregou ao emir a constituição que ele vislumbrou e que seria ratificada pelos eleitores. O documento tem 150 artigos, incluindo o de número 48, estabelecendo que “a liberdade de imprensa está garantida pela lei”. A lei mencionada na constituição é a de número 8, de 1979, conhecida como “lei da imprensa”, que rege a imprensa do Catar por 34 anos. Círculos da mídia e o governo debatem há pelo menos cinco anos a substituição dessa lei com por uma que reconheça a existência de rádio, TV e internet, e que forneça as reais liberdades de imprensa prometidas pela nova constituição. Até agora, nenhuma substituição foi feita – resta esperar que o primeiro parlamento eleito, ou a Assembleia Consultiva, aprove uma nova lei de imprensa.

A noção de uma assembleia parece ser um lembrete de que o Catar permanece ainda uma monarquia absoluta, embora seja uma monarquia constitucional. O emir pode consultar a assembleia eleita nacionalmente, como faz há mais de uma década com o Conselho Central Municipal; mas no final é ele quem aprova a lei.

A lei de imprensa do Catar é de um tempo em que o Ministério da Informação tinha censores nas redações decidindo o que poderia ser publicado sobre o emir e seu país. Quando Hamad assumiu o poder em 2005, ele aboliu o Ministério da Informação e os censores. Logo depois, criou a al-Jazira e não interfere na linha editorial da rede de TV. Em 2008, levou a escola de jornalismo e comunicação da Universidade Northwestern, dos EUA, para o Catar para ensinar os valores da imprensa livre que, espera-se, moldará a mídia catariana no futuro.

O problema da autocensura

À primeira vista, a lei de imprensa de 1979 parece inflexível. Hoje, jornalistas ainda praticam a autocensura, com medo de ser acusados de violar a legislação. Nela, a difamação é uma questão criminal e não civil, como na maior parte dos países. Alguns artigos são bem claros, como o de número 46, que estabelece que o emir não pode ser criticado e que nenhuma declaração pode ser atribuída a ele, a não ser sob permissão escrita. Outros, nem tanto. Uma passagem no artigo 47 diz que é proibido publicar “qualquer questão que seja considerada contrária à ética, que viole a moralidade ou prejudique a dignidade das pessoas ou suas liberdades pessoais”. Em vez de tentar entender o que isso significa na prática a fim de não violar a lei, muitos jornalistas acabam se autocensurando.

O que chama mais atenção são as cláusulas da lei de imprensa. Não poder criticar o emir é um exemplo, mas há outras, como a proibição de publicar o que pode “instigar a derrubada do regime ou prejudicar o interesse supremo do estado” ou “qualquer notícia sobre o exército sem permissão”. Curiosamente, os EUA já chegaram a impor as mesmas proibições, ainda que muito tempo atrás. A imprensa americana não podia criticar o Congresso no final do século 18 – e ainda hoje não pode “promover a derrubada do governo”. No 10º aniversário da ratificação da constituição catariana, a antiga lei de imprensa precisa ser modernizada, assim como já aconteceu com quase tudo no país.