A revelação sobre a extensão do programa de vigilância da Agência de Segurança Nacional (NSA) americana foi um grande furo do jornal britânico The Guardian, que lançou um site nos EUA há menos de dois anos. Segundo o editor-chefe Alan Rusbridger, baseado em Londres, não se trata de sorte: o Guardian, diz ele, continua a investir em jornalismo, enquanto a maioria das organizações de mídia reduz suas redações. “Estamos internacionalmente engajados”, afirma.
Foi Janine Gibson, editora-chefe do site do jornal nos EUA, que percebeu que um colunista tinha uma grande notícia sobre a NSA – talvez o maior vazamento na história da inteligência americana. Ela comunicou a Rusbridger, com uma ponta de ironia: “Tenho uma ‘pautinha’ para discutir com você”.
O furo foi possível, em parte, pela abordagem jornalística liberal e anti-establishment do Guardian. Nos últimos anos, o jornal cobriu, agressivamente, entre outros assuntos, o escândalodos grampos telefônicos da News Corporation; as acusações de abuso sexual contra o apresentador da BBC Jimmy Savile; e o vazamentodos documentos diplomáticos secretos dos EUA.
Em 2012, o diário contratou Glenn Greenwald, ativista e advogado que, segundo Janine, “personifica algo que é muito característico do Guardian”. Greenwald vem criticando há muito tempo o Ato Patriota, lei com objetivo de reforçar a segurança interna nos EUA, e outras ações de segurança nacional adotadas pelo governo americano desde os ataques do 11/9.
“Pé atrás com a grande mídia”
Para o furo da NSA, o Guardian permitiu que o colunista saísse das páginas de opinião para as de notícias e cooperasse com a fonte que vazou os documentos da agência –identificada posteriormente como Edward Snowden. Segundo o colunista, Snowden, que prestava serviços para a NSA, sabia dos seus pontos de vista e por isso o procurou.
Barton Gellman, jornalista investigativo com uma longa carreira no Washington Post, conta que Snowden também falou sobre os documentos com ele. Mas Snowden ficou frustrado quando Gellman e o Post não concordaram com o tempo pedido por ele para divulgar os documentos nem com o pedido para publicar todos os slides de uma apresentação em PowerPoint sobre o Prism, programa de vigilância online do governo. A documentarista Laura Poitras, que assinou a cobertura do vazamento da NSA no Guardian (com Greenwald) e no Post (com Gellman), diz que Snowden “tem um pé atrás com a grande mídia”.
Para David Corn, da Mother Jones – revista conhecida por divulgar um vídeoem que o então candidato à presidência Mitt Romney dizia que 47% dos americanos eram dependentes do governo e se achavam vítimas –, o oligópolio dos jornais nacionais e redes de TV para publicar informações confidenciais não existe mais. “Se o vazamento for grande o suficiente, não importa que plataforma você escolhe”, resume.
Estratégia internacional
O furo trouxe benefícios ao Guardian, gerando o tráfego mais alto já registrado pelo site. A situação do Guardian Media Group não é das melhores, segundo os relatórios financeiros mais recentes. De acordo com o Audit Bureau of Circulations, a tiragem do jornal no Reino Unido é menos da metade do que era há uma década – 192.376 exemplares, comparada a 396.508. Rusbridger disse esperar que a situação financeira melhore e o jornal está explorando novas fontes de receita. Um dos planos é a colaboração de leitores; muitos ofereceram ajuda depois do furo de Snowden.
Segundo Charlie Beckett, diretor da Polis, empresa de pesquisa de mídia ligada à London School of Economics, os planos de crescimento internacional podem ajudar a compensar as perdas do grupo no Reino Unido. O Guardian Media Group tem 57 funcionários nos EUA, em Nova York, Washington e Chicago.
Os editores não negam que seu jornalismo está cada vez mais próximo à linha dos jornais americanos. Beckett descreve o Guardian como tendo, no Reino Unido, um papel semelhante ao da MSNBC nos EUA. “Devido à BBC e ao serviço público, sempre temos uma grande objetividade e um jornalismo equilibrado. A imprensa tem uma tradição de ser partidária desde o começo do século 20”, diz. Segundo Janine, parte da abordagem jornalística do Guardian vem de seus recursos limitados. Como não consegue contratar repórteres para cobrir todos os tópicos, seus jornalistas escrevem sobre suas paixões, como segurança nacional ou grampos.
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