Jeff Bezos, o bilionário fundador da Amazon.com, acabou de comprar o Washington Post. Gastou menos de 1% de seus lucros no respeitável jornal. Por algum motivo, ele não comprou a revista digital Slate ou a Foreign Policy. Estes continuam sendo propriedade da Washington Post Company, que, acredito, talvez venha a mudar de nome para algo envolvendo “Kaplan”, nome da empresa de educação particular que, durante os últimos anos, manteve acesas, sem muita ética, as luzes do jornal mundialmente famoso.
Numa notícia relacionada, o Boston Globe acabou de ser comprado por John Henry, bilionário que também é dono da equipe de beisebol Red Sox e do time de futebol inglês Liverpool Football Club. Henry fez fortuna com uma empresa de comércio de commodities, tipo hedge fund. Isso não é, necessariamente, uma notícia ruim. Como escreveu Andrew Leonard na Salon: “Ninguém protege um jornal melhor que um ditador gentil e seus descendentes de um fundo fiduciário.”
A ideia de que o proprietário natural de um jornal de uma cidade grande (ou média!) é uma grande corporação comercial pública é recente e, francamente, estranha, pois o “trabalho” de um jornal não é dar lucro aos acionistas e, na verdade, eles se deram bastante mal, após um breve período em que acidentalmente se deram bem. Um proprietário natural de um jornal importante é uma pessoa vaidosa, de quem se espera que seja generosa com seus recursos, tal como os periódicos menores pertencem a pessoas excêntricas, com impressoras e desejos de divulgar uma visão do mundo, ou simplesmente para ver trabalhos de seus amigos publicados. Bezos parece suficientemente generoso, considerando que é um moderno bilionário predatório. É verdade que ele fez sua fortuna nas costas de trabalhadores mal tratados e mal remunerados, mas que bilionário não o fez? Melhor que seja ele do que um dos irmãos Koch. Para os empregados do Washington Post, melhor que seja ele do que um Bloomberg, um homem que dirige sua organização jornalística com a tirania cerimoniosa com que tentou dirigir a cidade de Nova York.
Bezos não precisa ser vulgar como Murdoch
No momento, há muito de preocupações magnânimas, no Post e por toda a parte, de jornalistas receosos de que um arrivista da internet possa não se importar com a missão do jornalismo. A mídia adora escrever sobre a mídia. A maioria das pessoas normais não dá a mínima, como sabem muito bem, semanalmente, os críticos de mídia ao ver divulgados os relatórios do tráfego na internet.
Diante da indiferença, os críticos perguntam: o que isto significa para o Futuro do Jornalismo? Decididamente, o jornalismo não está salvo, isso a gente sabe. Continua condenado. De certa maneira, a sobrevivência do Washington Post deveria ser uma prioridade menor, para os jornalistas honestos, do que as centenas de jornais de mercado restrito que morreram ou estão morrendo neste momento. A cidade de Washington tem uma boa cobertura e continuará tendo, já que é a capital da nação. É nas Câmaras Municipais e nas Assembleias Legislativas dos bastidores que está a corrupção maior, quando a cidadania já não se depara com uma notícia local importante a caminho da página de esporte. (As pessoas normais costumavam acessar os jornais para ler os quadrinhos, as palavras cruzadas, os classificados, o resultado dos jogos e a lista dos filmes de cinema. Talvez o aspecto mais estranho da morte lenta do jornal impresso seja o fato de o New York Times, alérgico às tiras de quadrinhos, seja o último jornal nacional a resistir, embora tenha excelentes palavras cruzadas.) Seria mais simpático se Bezos resgatasse o New Orleans Times-Picayune, ou libertasse todos os jornais do grupo Gannett de seus parentes corporativos. O Post teria sobrevivido como uma “marca” sem sua ajuda. O Louisville Courier-Journal talvez não tivesse tanta sorte.
Mas os bilionários não compram jornais para dirigi-los como bens públicos e os bilionários inteligentes não compram jornais para ganhar dinheiro. Os bilionários compram jornais para ter influência. Essa é a questão. O Post é um dos jornais mais influentes da nação. O segundo – ou o terceiro –, dependendo do partido no poder. Comprar o Washington Post é algo como guardar o lobista com melhores conexões em Washington – num universo paralelo no qual os lobistas são elogiados pelo seu valor para as democracias. Bezos nem precisa exercer sua influência da maneira vulgar de um Murdoch. Ele pode simplesmente por no jornal pessoas adaptadas à sua visão do mundo e permitir que a página de opinião evolua de modo a refletir seus interesses naturalmente. (E, convenhamos, os interesses de um libertário-simpatizante democrata “socialmente liberal” já estão bem refletidos na página editorial do Washington Post.)
Jornais de ricos, interesses dos pobres
O verdadeiro receio, e bastante razoável, não é que Bezos vá demitir todos os repórteres – ele é um camarada que pensa em valores de longo prazo, e não um Sam Zell, que corta tudo quanto é custo –, mas que vá usar a influência recém-adquirida para fazer lobby em favor de políticas federais que se alinhem a seus interesses financeiros. Não está particularmente interessado em pagar impostos e preferiria, com certeza, que a mão de obra barata continuasse barata, ou seja, sem sindicatos.
Quando os jornais são propriedade de ricos, raramente defendem os interesses dos pobres. Mas já chegamos a esse ponto há muitos anos e, do jeito que as coisas são, provavelmente um Bezos não é pior que um Donald Graham ou uma Katharine Weymouth.
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Alex Pareene é escritor e jornalista