Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Reflexões sobre a notícia que abalou a indústria de notícias

Chega ao fim a semana em que o Washington Post ocupou todos os espaços, o tempo todo, e lembro-me de um aforismo de Mo Udall [político norte-americano] sobre os assuntos importantes do dia na capital da nação: “Tudo foi dito, mas nem todo mundo o disse até o momento.” Fazendo uma avaliação atrasada do ciclo, tentarei destacar alguns pontos que valem para o próprio Post e para a indústria.

>> A era de uma empresa jornalística pública está perdendo força

Antes que o Post tivesse se separado de suas holdings de mídia, a Media General, Belo e Scripps já o tinham feito. Como destaquei em meu primeiro comentário sobre a venda, você não tem como justificar aos acionistas despejar dinheiro numa transição digital longa e incerta para organizações jornalísticas quando outros negócios (cabo, emissoras e educação lucrativa para a Washington Post Co.) oferecem um retorno melhor para os próximos vários anos. Essa lógica é mais apropriada à empresa Gannett, cuja divisão de jornais prejudica os ganhos e o preço das ações (embora não seja uma perdedora de dinheiro, como o Post). A Gannett é muito maior, tem uma receita anual de mais de 700 milhões de dólares com negócios digitais independentes e aumenta sua divisão de emissoras local com as recentes aquisições das estações da Belo.

Entretanto, como relata o blog de Jim Hopkins na Gannett, a empresa vem cortando algumas centenas de empregos na redação neste mês, na surdina, pois 2013 parece ser mais um ano de contração significativa de receita publicitária. Esse cenário de redimensionamento provavelmente irá atingir outras empresas públicas (e também algumas privadas) que estão perdendo seus ativos, como construções e terra para vender, e não têm os recursos de um Jeff Bezos.

>> O New York Times não é a bola da vez, mas poderá vir a ser

Fui citado, de forma correta mas incompleta, na matéria de Paul Fahri do Washington Post, especulando que os Sulzberger e o Times poderiam ser os próximos da lista. A New York Times Co. poderia vir a sofrer pressões semelhantes por parte da família e de acionistas públicos – mas não neste momento, e somente se as receitas e os lucros derem uma grande guinada para pior nos próximos vários anos. O mandato de Mark Thompson como CEO ainda está no início, assim como o esboço que aparece de seu plano estratégico – com 1 bilhão de dólares no banco para investimento em novas iniciativas e reinvestimento naquelas já existentes ou que perdem algum dinheiro.

Eu também ressaltaria que o Times tem dois poderes que o Post não tem e não pode esperar duplicar. O êxito de suas assinaturas digitais e o acesso total aos pacotes impresso-digital, que ultimamente vêm chamando a atenção. Isso, sem esquecer o brilhante esforço de 20 anos para fazer do Times um jornal nacional com os assinantes de todo o país pagando 800 a 900 dólares por ano – e criando a base de uma audiência afluente e muito atraente para anunciantes.

Por outro lado, não escondo meu ceticismo a respeito das ambições de expansão global do Times. Pergunte aos veteranos da época das edições impressas do Wall Street Journal para a Europa e Ásia a trabalheira que isso deu. E agora, na era digital, temos os exemplos do Financial Times e do Guardian – sucesso de audiência como jornalismo brilhante, mas não exatamente uma mina de dinheiro.

>> Existe uma história de bastidores além da história oficial da venda?

Talvez. O primeiro relato foi de que o CEO Donald Graham e sua sobrinha, a publisher Katharine Weymouth, teriam conversado durante a época do orçamento, no outono passado, e teriam concluído que novas perdas com a receita eram inevitáveis, o que os teria levado à lógica de procurar um comprador adequado.

O relato mais detalhado do Post sobre como se deu a transação foi diferente, pelo menos num ponto crucial. Foi Katharine Weymouth que propôs a venda, segundo o Post, como alternativa aos cortes na equipe e à qualidade da informação e perdas contínuas. Então, se você fosse Donald Graham e a pessoa da família designada para o cargo de publisher, onde ficou por cinco anos, dissesse que o problema fundamental da receita do jornal não foi resolvido e não o será pelos próximos vários anos, o que você faria?

>> É maravilhoso que os bilionários vejam uma oportunidade no negócio dos jornais, mas…

Também vejo uma interpretação desvantajosa na venda do Post e do Boston Globe, no fim de semana passado, para o dono da equipe de beisebol Red Sox, John Henry. Nem o Globe nem o Post foram retardatários ou desleixados com as inovações. Mas nenhum deles conseguiu gerar até agora receita suficiente para equilibrar as perdas contínuas com o jornal impresso.

Entre as decepções de sete anos de declínio do Post, eu contaria a ineficiência e o preço dos banners online, as novas ondas de migração para o Google e outros poderosos gigantes digitais e o começo promissor e subsequente fiasco do Social Reader, com base no Facebook.

O novo proprietário reajusta um relógio dos cinco anos para melhorar o desempenho e, no caso de Bezos, traz um inovador digital comprovado para a festa. Mas as decisões de vender também destacam que até agora ninguém inventou um novo modelo de negócio capaz de superar a era impresso-digital e em seguida ressurgir quando o jornal impresso e seus dólares de publicidade se tiverem tornado irrelevantes.

Em outras palavras, se Jeff Bezos ou outro benfeitor desse a uma empresa jornalística 250 milhões de dólares para desenvolvimento digital, não acredito que a administração se sentisse confiante para gastá-los. Inúmeras experiências ousadas merecem ser observadas – Salt Lake City, Orange County, Advance e Digital First – mas ainda não surgiu uma opção comprovada, nenhuma probabilidade altamente promissora.

Curiosamente, enquanto os bilionários apostam alto, um novo estudo sobre o assunto, chamado Riptide, sugere que ninguém irá resolver o problema. Produzida pelo ex-editor-chefe da revista Time, John Huey, e colaboradores – e prevista para ser lançada dentro de um mês –, essa tese é uma versão ampliada da conclusão de Katharine Weymouth: nem o mais forte dos nadadores consegue enfrentar as ondas de águas revoltas e a destruição criativa da economia do legado da mídia pode acabar derrubando os melhores esforços para encontrar uma alternativa.

Meu colega Tom Rosenstiel destaca que Riptide [que significa “águas revoltas”] é uma metáfora curiosa para forças que vêm surgindo à vista de todos há 20 anos, mas estou interessado em ver o que Huey & companhia fazem do caso, que teve sua antecipação anunciada num artigo da Fortune.

>> A especulação sobre como Bezos dirigirá o Post é natural, mas em grande parte irresponsável

Tudo bem, ele é um empreendedor digital fabulosamente bem-sucedido. A Amazon marca presença nos mercados jornalístico e editorial com o Kindle, teve um êxito recente com publicidade e tem uma dimensão sólida, com seus armazéns e distribuição. Bezos administra para um crescimento no longo prazo, e não lucros rápidos. Ele é implacavelmente focado no consumidor e busca informação em bancos de dados. Portanto…

Trata-se de muito talento (sem esquecer os bolsos cheios de dinheiro) para trazer para a atual tarefa. Mas seria a construção da Amazon mais ou menos a mesma coisa do que transformar o Post? Isso ainda está para ser visto – e uma semana é um prazo muito curto (estou adivinhando por conta de Bezos) para decifrar quais os princípios a serem transferidos.

Confio que ele e sua equipe irão transformar a interface digital do Post, que vem sendo melhorada, mas é escandalosamente teimosa. Também apostaria que Marty Baron continuará sendo o editor, mas o papel de Katharine Weymouth será transitório.

>> Uma pausa para admirar um magnífico trabalho de relações públicas ao tratar de uma notícia assombrosa e potencialmente devastadora

Eles souberam guardar o segredo. O curto comunicado de Bezos (assim como o de Donald Graham) foi sucinto e direto aos principais pontos, como escreveram meus colegas Butch Ward e Jill Geisler no início desta semana.

Bezos deu uma entrevista curta ao Post e recusou pedidos de maiores comentários. Donald Graham e Katharine Weymouth certificaram-se de dar as melhores informações ao Post em primeiro lugar, inclusive entrevistas à recém-lançada plataforma de vídeo PostTV. Depois, Donald Graham conversou com publicações de negócios importantes e apareceu no programa NewsHour, da PBS [Public Broadcasting Service], presidida pelo antecessor de Katharine Weymouth, Bo Jones. Na quarta-feira à noite ele parou. (Pedi uma entrevista, mas não consegui.) Portanto, ele estava lá – não escondido, mas também não expansivo.

E, à medida que chegavam os pedidos de entrevistas, alguns votos de apoio vieram de substitutos, como o ex-editor Leonard Downie e os repórteres Woodward e Bernstein.

>> Qual foi a melhor cobertura?

A inundação de tinta, pixels e programas de rádio e televisão sugere que a mídia tradicional não está tão morta como alguns querem que se acredite. Os habituais suspeitos – New York Times, USA Today, Wall Street Journal e o próprio Post – abordaram toda a história rapidamente em seus vários ângulos. As novas mídias entraram e muita gente da equipe do Post, do passado e do presente, acrescentou opiniões pessoais sérias e comoventes.

Na minha opinião, a melhor cobertura iria para a Reuters no setor de negócios, com matérias sobre quanto Bezos pagou em excesso e possíveis descontos em impostos e especulação calculada sobre como ele poderá dirigir a empresa. De uma maneira mais genérica, achei que a revista New Yorker saiu-se bem.

O primeiro acesso do editor David Remnick, abrindo com uma citação maravilhosa de A.J. Liebling em que ele compara as mudanças de propriedade de organizações de mídia com o roteiro do livro Black Beauty – alguns proprietários generosos, como esperamos que Bezos venha ser, outros brutais (como Sam Zell).

John Cassidy defendeu que Bezos pode estar procurando influência num momento em que vem sendo feita uma fiscalização das práticas empresariais da Amazon e de posições de lobby. Duvido que essa seja a questão principal, mas não imagino o Post tomando do jornal The Morning Call, de Allentown, o impulso para expor as condições de trabalho nos armazéns da Amazon.

E finalmente Hendrick Hertzberg revisitou com eloquência a história já duas vezes contada dos dias de Donald Graham na Universidade de Harvard, seguindo-se seu serviço militar voluntário no Vietnã e depois servindo, por pouco tempo, como policial de Washington antes de subir a escada no jornal enquanto se preparava para suceder sua mãe. Foi aí que eu comecei a conhecer Graham, há 40 e poucos anos, e a observar seu trabalho com admiração. Em privado, ele pode ser contundente – mas, como você já leu em outros textos, ele é, principalmente, amigável, respeitoso, incentivador e muito inteligente.

E na semana passada, entre a cruz e a espada, ele demonstrou – sem surpreender ninguém – uma extraordinária elegância, sob pressão.

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Rick Edmonds é analista de mídia do Poynter