A transição do verão para o outono significa que os estudantes [nos EUA] estão voltando aos programas de jornalismo nas universidades em todo o país. O que fizerem ali terá um efeito duradouro em suas carreiras e no futuro da indústria. Mas deveriam, em seus estudos, seguir o exemplo de um médico ou de um empresário?
Nos últimos anos, a ideia de adaptar a educação jornalística a um modelo semelhante àquele adotado pelos hospitais-escola tornou-se popular. Algumas pessoas veem o modelo da série de TV Scrubs como a forma de oferecer uma experiência em reportagem do mundo real aos estudantes ao mesmo tempo em que atende às necessidades de informação da comunidade.
Mas nem todo mundo concorda. Os pesquisadores David Ryfe e Donica Mensing, da Faculdade de Jornalismo da Universidade de Nevada, desafiam a ideia da opção por um “hospital-escola” num trabalho que examina as suposições por trás do modelo e a maneira pela qual este se dirige às transformações que vêm ocorrendo nas mídias. “Tentamos descobrir o que nossos estudantes precisam saber hoje, assim como o fazem todas as escolas de Jornalismo”, disse Ryfe. “Encontramo-nos numa situação estranha, pois muito daquilo que ensinamos nos últimos cem anos poderá não ser útil para o progresso de nossos estudantes. O problema é que não sabemos quais as partes que não ajudam.”
Jornalistas despreparados para as mudanças
O estudo – “Protótipo de Mudança: do Hospital-Escola ao Modelo de Empreendimento da Educação Jornalística” (disponível aqui) – argumenta que, ao invés de dar aos estudantes uma experiência do mundo real, o modelo do hospital-escola poderia estar reforçando práticas e ideais que são prejudiciais à indústria. David Ryfe e Donica Mensing escrevem:
“Nosso argumento é que se este modelo for posto em prática por muitas faculdades de Jornalismo ele poderia desacelerar a reação às mudanças. A metáfora implica que o jornalismo é uma profissão estabelecida, com fronteiras nítidas, que só precisa ser posto em prática com maior rigor, ao invés de um campo em que suas premissas fundamentais estão decifradas. Ao invés de criar condições para os estudantes repensarem suas práticas jornalísticas, o modelo do hospital-escola reforça a convicção de que a apresentação do conteúdo é o principal objetivo do jornalismo. Simplificando: torna difícil para os estudantes a possibilidade de pensar de maneira diferente.”
O modelo do hospital-escola foi antecipado por destaques do jornalismo como Nicholas Lemann, de saída do cargo de diretor da Faculdade de Jornalismo da Universidade de Columbia, e Eric Newton, consultor da Fundação Knight. (Num texto que escreveu para o Nieman Journalism Lab no ano passado, Newton propunha a adoção do modelo; vale a pena ler a defesa que faz deste argumento.) No outono do ano passado, a Fundação Knight juntou-se a outras cinco fundações numa carta pedindo aos administradores das universidades que adotassem o modelo: as faculdades de Jornalismo proporcionariam um espaço para a experiência e prática de ensinar de maneira semelhante àquela dos médicos e estudantes de Medicina.
Porém, David Ryfe e Donica Mensing argumentam que a metáfora do hospital-escola não leva em conta a velocidade das mudanças que acontecem no jornalismo. Embora os progressos científicos tenham contribuído continuamente para o avanço da medicina, eles não resultaram no tipo de destruição da essência da indústria pela qual passou a mídia jornalística. Num hospital-escola, os estudantes recebem uma instrução de acordo com o que é conhecido – como diagnosticar uma doença de coração, métodos para tratar distúrbios do sangue ou como tocar música num hospital. Mas, como diz Donica Mensing, no jornalismo há muitas incertezas e mudanças em todos os níveis – se o papel de um hospital-escola for preparar estudantes com uma instrução de rotina para ocupar seu espaço no campo, então o resultado disso será mais jornalistas despreparados para as mudanças que vêm ocorrendo na indústria, diz a pesquisadora.
Abordagem empresarial
Aprender a prática da coleta de notícias com jornalistas de hoje ou mais experientes também pode significar socializar os estudantes com os hábitos de seus instrutores, diz David Ryfe. “Nós os pomos no lugar de um jornalista de 45 anos. Eles entram para a faculdade aos 22 anos e já são cínicos e estão perdidos”, diz ele. “Ficam quase nostálgicos com algo que nem experimentaram.”
A intenção do modelo é focar a educação jornalística na experiência, aprendendo enquanto se divulgam informações à comunidade local. Mas, ao adotar a profissão médica como seu guia espiritual, dizem Ryfe e Donica, os jornalistas também podem estar negligenciando sua autoestima. Traçar paralelos entre hospitais e redações, assim como os objetivos de tratar pacientes (ou o público), pode ser atraente para os jornalistas enquanto a indústria tenta superar a crise. “O modelo do hospital-escola fortalece a ideia profundamente arraigada no jornalismo de que gostaria de ser uma profissão como são as dos advogados ou dos médicos”, diz Ryfe.
Ao invés de seguir os passos das faculdades de Medicina, David Ryfe e Donica Mensing argumentam que a educação jornalística deveria ter uma abordagem mais empresarial para preparar os estudantes para o futuro:
“…um valor evidente do empreendimento é o da empresa, e empresa é um valor apreciado por todos os que têm alguma conexão com a educação jornalística. A faculdade e os funcionários elogiam os estudantes de jornalismo, que são empreendedores e criativos, apaixonados pelo seu trabalho e dispostos a gastar a sola de seus sapatos de inúmeras maneiras para ver seu trabalho realizado.”
“Não podemos esperar por escolas de objetivos múltiplos”
Alguns dos programas que o estudo destaca por discutirem uma abordagem de empreendimento incluem o CUNY Graduate School of Journalism e o Knight Center for Digital Media Entrepreneurship, do estado do Arizona. O empreendimento, diz Donica Mensing, trata de invenção e mudança, que podem se expressar de várias maneiras numa faculdade de Jornalismo. A teoria crítica e os cursos de introdução permitem aos estudantes avaliar o papel que o jornalismo atualmente desempenha na sociedade, assim como suas várias formas. Para treinamento de experiência, Donica Mensing e David Ryfe sugerem cursos que vão além daqueles tradicionais, de reportagem e edição, e que são programação e visualização de dados. Mas a parte mais importante do modelo de empreendimento, segundo eles, é que permite a flexibilidade durante o curso e proporciona aos estudantes uma estrutura para adaptar novos métodos de produção ou novas formas de comunicação.
David Ryfe diz que a maioria dos educadores de jornalismo tenta, futilmente, ensinar os estudantes a usar um tipo de ferramenta para coletar notícias, o qual é logo superado por coisas novas. O importante para os educadores é ensinar os estudantes a acessarem as ferramentas que têm disponíveis, aprendendo, de maneira independente, como compreender sua audiência e como avaliar seu sucesso. “Temos que botar os estudantes no mundo”, disse ele. “Não temos tempo de esperar que o jornalismo volte a se restabelecer.”
O argumento-chave de David Ryfe e Donica Mensing é o de que o jornalismo e a educação jornalística não estão resolvidos – e é por isso que as metáforas podem ser úteis e preocupantes. O modelo do hospital-escola pode muito bem funcionar para algumas instituições, diz Donica. Mas o universo das faculdades de Jornalismo conta com programas de tamanhos variáveis e cada um deles deve encontrar um método de ensino que se adapte à sua faculdade e aos estudantes, afirma ela. O futuro da educação jornalística pode realmente ser a especialização, e não apenas por parte dos estudantes – programas individuais de jornalismo também terão que adaptar seus currículos às diferentes abordagens.
“Com o tempo, as faculdades de Jornalismo seguem alguns rumos e se apropriam de determinadas formas de jornalismo, como ocorre em outras indústrias”, diz Donica. “Já não podemos esperar por escolas de objetivos múltiplos para todo mundo.”
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Justin Ellis é editor-assistente do Nieman Journalism Lab