O Centro Joan Shorenstein de Imprensa, Política e Políticas Públicas de Harvard e o Nieman Journalism Lab lançaram, na semana passada, um projeto sobre a ruptura do jornalismo pela tecnologia, chamado Riptide. O projeto se rotula como uma “história oral sobre a colisão épica entre jornalismo e tecnologia digital, de 1980 até o presente”.
Mas ao examinar o produto final e sua lista de fontes, parece que o Riptide esquece um aspecto-chave sobre como a tecnologia rompeu com o jornalismo tradicional: avanços digitais deram um poderoso espaço para vozes marginalizadas pela elite jornalística contarem suas histórias.
Jeanne Brooks, a diretora digital do grupo sem fins lucrativos Online News Association, contou apenas cinco mulheres brancas, dois homens negros e nenhuma mulher negra dentre as 61 pessoas entrevistadas para o projeto. Os três autores do Riptide também são homens brancos.
Mas um dos autores do relatório, Paul Sagan, defende a escolha das fontes. Os autores identificaram instituições consideradas fundamentais para as mudanças do jornalismo pela tecnologia e entrevistaram os líderes destas instituições. Entre 1980 e os dias de hoje, diz Sagan, os líderes destas instituições são “predominantemente homens brancos”.
Não é nenhum segredo que a mídia tradicional possui problemas de desigualdade racial e de gênero. Em 2012, nos EUA, apenas 36,9% dos cargos de uma redação eram ocupados por uma mulher, a mesma porcentagem que em 1999. O setor tecnológico segue a mesma tendência.
Perspectiva das minorias
O Nieman Lab e o Centro Shorenstein estão cientes da situação das duas indústrias, mas, segundo artigo de Andrea Peterson no Washington Post, o projeto poderia ser mais forte caso incorporasse a perspectiva das minorias. Duas fontes que deveriam ter sido entrevistadas, diz ela, são as proprietárias dos blogs Feministing e Racialicious. Ambos os blogs são o tipo de veículo que poderia ter sido uma zine há uma geração, mas utilizam a internet como forma de se conectar com audiências que não possuem voz nos veículos tradicionais. São iniciativas habilitadas pela tecnologia que realmente se desenvolveram livres dos grilhões do modelo tradicional de distribuição de mídia. Os autores também poderiam focar no blog Jezebel, lançado pelo Gawker Media, que lida com os mesmos assuntos com uma dose pesada de moda e cultura pop.
Sagan defende a escolha de não explorar esses tópicos argumentando que este é apenas o produto inicial do projeto. Ele também aponta entrevistas que entram em contato com a ideia de comunidades, como as de Arianna Huffington, fundadora do Huffington Post, Nick Denton, fundador do Gawker, Betsy Morgan, Jonah Peretti e o atual editor do Post, Marty Baron.
Essas entrevistas realmente possuem comentários ocasionais sobre como a Internet permitiu aos consumidores selecionar seus veículos de informação e livrou alguns colaboradores dos filtros da mídia tradicional. Mas nenhuma delas aborda especificamente como jornalistas que usaram ferramentas oferecidas pela revolução digital para expandir a voz de grupos marginalizados contribuíram para a ruptura das estruturas do jornalismo tradicional ao dar ao consumidor alternativas que dialogam com suas experiências.
O Riptide é uma impressionante matéria jornalística e suas entrevistas oferecem ótimas informações sobre como o modelo tradicional de imprensa foi revolucionado pela tecnologia, diz Andrea. É claro que o projeto foca em conversas necessárias com pessoas em posição de poder que não gostam da ideia de diversidade. Mas ao ignorar o outro lado da evolução tecnológica, os autores negligenciaram uma grande parte da história. Talvez com a expansão do projeto, ele agregue perspectivas mais diversas.