O shopping Westgate atraía os ricos de Nairóbi e era um playground da classe cosmopolita, capitalista e consumista – até se tranformar em um verdadeiro campo de guerra. Em uma cidade na qual 1/3 da população vive em favelas superpopulosas, sem água ou eletricidade, o shopping de propriedade de israelenses, aberto em 2007, era uma terra da fantasia que isolava seus frequentadores da dura realidade da vida dos mais pobres.
No sábado (21/9), a invasão do complexo de lojas por um grupo de terroristas deu início a um cerco de quatro dias sangrentos: o sequestro deixou mais de 70 pessoas mortas e quase 200 feridas. Entre as vítimas estão o poeta ganês Kofi Awoonor, que estava em Nairóbi para um festival literário; o sobrinho do presidente queniano, Uhuru Kenyatta, e sua noiva; e a apresentadora de TV e rádio Ruhila Adatia-Sood, grávida de seis meses.
A cobertura da mídia local refletiu o choque mundial. Embora a invasão do shopping tenha sido divulgada como um evento sem precedentes, não foi a primeira vez que o Quênia enfrentou um ataque terrorista dessa escala. Em 1998, militantes ligados a Osama bin Laden atacaram com uma bomba a embaixada dos EUA. Em 2002, um hotel de propriedade de Israel em Mombaça também foi alvo. As ameaças terroristas aumentaram desde outubro de 2011, quando o país enviou seu Exército para a Somália para lutar com a milícia islâmica responsabilizada pela série de sequestros de turistas e voluntários no Quênia. As forças de Defesa conseguiram retirar de cidades-chave o al-Shabaab, grupo militante islâmico apoiado pela al-Qaeda.
Desde o cerco no Westgate, uma série de ataques em menor escala tirou várias vidas. Na fronteira do Quênia com a Somália e no bairro de Eastleigh, dominado por somalis, igrejas e ônibus foram explodidos. A mídia queniana foi elogiada pela cobertura dos eventos, mas ficou aquém da reportagem investigativa e analítica. Poucos veículos preocuparam-se em acompanhar com mais atenção a acusação de uma testemunha de que um dos terroristas havia mudado de roupa e deixado o shopping junto com alguns reféns, sem ser percebido pela polícia. Houve, ainda, conflitos sobre a identidade dos sequestradores. Forças de segurança e governo alegaram que todos os terroristas eram homens, mas não identificaram os que teriam sido mortos ou presos. A ministra do Exterior concedeu uma entrevista na qual disse que um dos militantes era uma mulher que havia participado de outros ataques anteriormente, levando a mais especulação.
O ataque mostrou a necessidade de um senso de unidade e patriotismo no país dividido étnica e politicamente. Enquanto o cerco acontecia, quenianos usaram a hashtag no Twitter #WeAreOne (Nós somos um), tomada como slogan por emissoras e jornais. Isso, no entanto, foi ofuscado pela falta de credibilidade e de informações de autoridades sobre os ataques, o que levou cidadãos a postar de maneira anônima na rede perguntas ao governo; uma delas era onde estavam as fotos dos terroristas mortos.