Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Vigilância em massa inibe trabalho jornalístico

A vigilância em massa, como a praticada pela Agência Nacional de Segurança dos EUA (NSA), produz um efeito inibidor no jornalismo porque as fontes não se sentem seguras para ter uma conversa em particular com um repórter. Essa é a mensagem de um grupo de acadêmicos, jornalistas e pesquisadores da Faculdade de Jornalismo da Universidade de Columbia e do Center for Civic Media, do Massachusetts Institute of Technology (MIT), num comentário público destinado ao grupo convocado pelo presidente Barack Obama para reavaliar as Tecnologias de Inteligência e Comunicação.

A carta-documento de 15 páginas argumenta que a vigilância em massa é prejudicial ao jornalismo e incompatível com a legislação e as políticas em vigor. Prossegue documentando recentes efeitos inibidores e mostrando que o prejuízo já aconteceu concretamente. “Para ser claro, o que a NSA está fazendo é incompatível com a legislação e as políticas vigentes no que se refere à confidencialidade das comunicações entre um jornalista e suas fontes. Não se trata apenas de espírito de incompatibilidade, mas de uma série de divergências entre as atividades da comunidade de inteligência e as leis, as políticas e as práticas em vigor no resto do governo. Além do mais, o clima de sigilo em torno das atividades de vigilância em massa é prejudicial ao jornalismo por si próprio, na medida em que as fontes não podem saber quando poderão estar sendo monitoradas ou como informações interceptadas poderão ser usadas contra elas.”

A carta documenta a maneira pela qual as atividades de vigilância em telefones dos EUA e da internet pela NSA contradizem uma recente política adotada pelo Departamento de Justiça [equivalente ao Ministério de Justiça brasileiro]. Este divulgou em julho novas diretrizes em relação ao acesso a registros de comunicações entre repórter e fonte, após uma revisão provocada pela apreensão sigilosa de 20 linhas telefônicas da agência de notícias Associated Press. As novas orientações dizem que “o Departamento considera o uso de ferramentas em busca de provas ou envolvendo a mídia jornalística uma medida extraordinária” e, na maioria dos casos, exigem que os jornalistas sejam previamente notificados, de forma a dar-lhes oportunidade de contestar a questão. Também exigem que o Attorney General [equivalente ao ministro da Justiça] concorde com as buscas e apreensões.

O risco não é apenas teórico

As operações da NSA abrangem uma latitude muito maior. Ela coleta e arquiva preventivamente os registros de todas as chamadas telefônicas feitas por ou para jornalistas, desviando-se das medidas referentes à notificação e à autorização preconizadas pela política do Departamento de Justiça. Suas operações são realizadas de acordo com procedimentos “mínimos” designados a proteger a confidencialidade das comunicações nos EUA obtida por meio de uma vigilância não autorizada, mas estas regras contêm uma exceção importante: a NSA pode comunicar muitos tipos de crimes diferentes às autoridades responsáveis pela aplicação da lei.

A carta-documento argumenta que esse padrão duplo é intolerável: “Deve haver um único conjunto de regras e essas regras devem proteger as comunicações entre o jornalista e suas fontes.” Os autores também refutam a lógica do Tribunal de Vigilância de Inteligência Estrangeira quando este afirma que coletar informações sobre qualquer pessoa em nada difere, do ponto de vista da privacidade, de coletar informações sobre indivíduos específicos. “A vigilância de essencialmente todo mundo tem efeitos que vão muito além da vigilância apenas de jornalistas… Para que uma imprensa livre funcione, devemos proteger os meios de estabelecer comunicação com um jornalista. No momento, a NSA tornou a comunicação eletrônica privada fundamentalmente impossível.”

As fontes ficaram nervosas sobre falar com repórteres com este estado de coisas. Jornalistas de veículos que incluem a Associated Press, o Washington Post, o New York Times e o Center for Public Integrity divulgaram recentemente efeitos inibidores. Citado num relatório recém-divulgado pelo Comitê para a Proteção dos Jornalistas, Scott Shane, repórter do New York Times que cobre segurança nacional, descreve o problema: “Há uma zona cinzenta entre informação confidencial e não confidencial e a maioria das fontes está nessa zona cinzenta. No momento, as fontes têm medo de entrar nessa zona cinzenta. Está ocorrendo um efeito dissuasivo. Se considerarmos que uma cobertura agressiva das atividades do governo está no próprio centro da democracia norte-americana, isso representa um desequilíbrio significativo em favor do governo.”

A vigilância em massa não é apenas um risco teórico para uma imprensa livre; tem consequências concretas que já vêm impedindo que os jornalistas façam o seu trabalho.

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