No fim de semana passado, numa estação de TV polonesa, pediram-me que fizesse um comentário sobre um documentário que retratava a vida nas favelas de Katanga, em Uganda, e que foi transmitido no contexto daquilo que foi descrito como uma “bomba-relógio demográfica” que aquela nação do Leste da África tem pela frente. O documentário era abordagem de um jornalista polonês às recentes projeções das Nações Unidas, que preveem uma iminente explosão demográfica na África. Há a perspectiva de que o número de habitantes no continente duplique, de 1 para 2 bilhões de pessoas, dentro das próximas três décadas.
A mensagem era clara: com tantos jovens entrando para o mercado de trabalho e apenas alguns empregos disponíveis, um conflito – possivelmente, uma guerra – é só uma questão de tempo. “Toda a África enfrenta este problema demográfico?”, perguntou-me o apresentador do programa. Meu primeiro instinto foi responder da seguinte forma: “Por que focar nas favelas e não nos aspectos positivos? Por que procurar os ambientes mais miseráveis para filmar e continuar propagando estereótipos negativos sobre a África como ninho da pobreza e dos problemas?”
Mas essa teria sido uma reação abertamente defensiva, que me traria o estereótipo do africano hipersensível que prefere sugerir preconceito racial do que enfrentar questões desconfortáveis. Afinal, as imagens de miséria que eu acabara de ver não eram fabricadas, e sim, reais. Portanto, respondi que embora uma explosão da população pudesse criar muitos desafios suplementares para os governos africanos, principalmente no âmbito dos serviços sociais, uma imensa disponibilidade de mão de obra também significaria oportunidades para um crescimento econômico rápido, desde que um número suficiente de empregos fosse criado para os milhões de jovens africanos que dentro em pouco estarão em idade de trabalhar. Porém, meus interlocutores não pareceram convencer-se sobre a questão das “oportunidades” e eu deixei o estúdio sentindo-me bastante irritado.
Europeus não ligam para como são vistos
No entanto, quando voltava para casa, comecei a pensar se deveria ficar irritado com os jornalistas brancos que transmitem imagens vergonhosas da pobreza na África, ou com os governos africanos que, antes de tudo, são responsáveis por tolerar, e muitas vezes criar, essa miséria? Têm sido muitas as críticas feitas à mídia ocidental por sua cobertura negativa da África. Em alguns casos, foi acusada de racismo e ignorância. Em muitos casos, essas críticas procedem.
Porém, enquanto jornalista, também sei que os noticiários (incluindo os africanos) tendem a dar maior destaque ao lado negativo, e não ao positivo. Notícias ruins vendem bem. As pessoas se sentem melhor com suas vidas quando tomam conhecimento de que outras têm problemas maiores que os seus. Um europeu que se sinta descontente porque não consegue uma hipoteca provavelmente verá sua vida de maneira mais otimista depois de ver imagens de pessoas sem energia elétrica, sem água encanada ou com pouco o que comer.
Mas por que, então, muitos africanos, inclusive eu, ficam tão desgostosos com a maneira pela qual a África é divulgada na mídia ocidental? Afinal, nenhum inglês ou alemão dá a menor importância à maneira pela qual seu país é divulgado, por exemplo, pela mídia nigeriana ou queniana. Os europeus não estão emigrando em grandes números e, portanto, não dão a mínima para a maneira pela qual os africanos os veem.
Como mudar a percepção
Mas os africanos, especialmente os que vivem no exterior, preocupam-se com a percepção de seu continente e de sua população porque seu futuro, muitas vezes, depende da opinião daqueles em cujo país vivem. Eu, por exemplo, conheço pessoas na Grã-Bretanha que têm passaporte britânico e escondem suas origens nigerianas em seus empregos devido à percepção negativa criada pelos famosos vigaristas virtuais daquele país. E, também, muitos profissionais africanos com quem conversei dizem que se cansam de ser constantemente subestimados em seus locais de trabalho porque se parte do princípio que, uma vez que cresceram e foram à escola num ambiente pobre e retrógrado (como muita gente acha que é o caso de toda a África), certamente não saberão muita coisa. Uma pessoa formada numa universidade da Nigéria, do Quênia ou de Zâmbia que trabalhe na Europa muito provavelmente terá que se exceder em seu emprego para que lhe seja reconhecido respeito. Cada vez que uma notícia importante sobre a África é apresentada por seu lado negativo, essas pessoas acham que isso tornará ainda mais difícil sua vida no trabalho.
É claro que há matérias muito diferentes, e muitas vezes positivas, a ser contadas entre os 54 países africanos. Porém, o continente não tem nenhum microfone no palco global, nenhum alto-falante para contar as histórias do jeito que quer. Tem que entrar na fila e aguardar, esperando que alguém lhe empreste o seu de vez em quando. Isso não dá.
A al-Jazira conseguiu dar voz aos árabes no palco global. E o correspondente à al-Jazira na África?
Porém, em última instância, só o desenvolvimento econômico inquestionável e irreversível pode transformar essas percepções globais sobre países africanos. Nada faz uma reputação brilhar tão rapidamente quanto o sucesso.
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O jornalista nigeriano Remi Adekoya é editor de política do Warsaw Business Journal, jornal em língua inglesa na Polônia, e também escreve para o diário britânico The Guardian.