Wednesday, 18 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

O grande peso das metáforas

Embora as metáforas de Hitler e do nazismo pareçam nunca desaparecer da maré tóxica do discurso público norte-americano, recentemente parecem ter dado lugar, temporariamente, às metáforas da escravidão e da Ku Klux Klan. Num recente discurso dirigido à coalizão Fé e Liberdade, a ex-candidata a presidente pelo Partido Republicano Sarah Palin afirmou que quando vencer o prazo da dívida dos EUA para com a China – “e isso não é racismo”, garantiu à sua audiência – “será como a escravidão… Ficaremos sob a tutela de um senhor estrangeiro”.

Sarah Palin não é a única a invocar a escravidão para ganhar pontos políticos. No início deste ano, Bill O’Brien, candidato republicano ao Congresso pelo estado de New Hampshire, descreveu a nova lei sobre planos de saúde [o Affordable Care Act, estatuto federal aprovado por Barack Obama que aumenta a qualidade de atendimento e viabiliza os seguros de saúde] como “uma lei tão destrutiva para com as liberdades individuais como a Lei contra Escravos Fugitivos, de 1850”, enquanto o roqueiro-provocador Ted Nugent defendeu que os programas da “Grande Sociedade” do presidente Lyndon Johnson na década de 60 foram “responsáveis por uma destruição da América negra maior do que todos os males da escravidão e da Ku Klux Klan combinados”. Para não ficar atrás, Alan Grayson, do Partido Democrata do estado da Flórida, comparou o movimento de direita Tea Party à Ku Klux Klan e enviou aos eleitores um e-mail para levantar fundos com uma cruz queimando. Desafiado, Grayson respondeu: “Se a carapuça servir, vista-a.”

Essas metáforas ofendem muita gente, mas são muito comuns. Cada novo ciclo de notícias traz novas informações de demonização, analogias venenosas e calúnias históricas que caracterizam o discurso contemporâneo. Seja comparando o presidente Obama a Stalin ou o governador do Wisconsin, Scott Walker, a Hitler, o argumento público é guiado pela raiva e eticamente questionável.

Quando metáforas são enganosas

Falo muitas vezes com meus alunos sobre como o argumento é mais que um instrumento de persuasão e que é igualmente, e talvez essencialmente, uma atividade ética. O que quero dizer é que, ao fazermos argumentos sobre assuntos como cuidados com a saúde ou vigilância governamental, podemos escolher entre uma linguagem que exprima virtudes como honestidade, responsabilidade e generosidade e palavras que ensaiem a raiva e a intolerância, passando por um discurso normal.

Entretanto, estas discussões podem ser inconclusivas e frustrantes, respondendo menos por padrões éticos compartilhados do que pelas ideologias dos participantes. Além do mais, as metáforas provocativas não estariam funcionando exatamente como deveriam? O objetivo das metáforas é perturbar. São instâncias, segundo George Lakoff, de uma “nova linguagem poética”, na qual as comparações são feitas “ao longo de domínios conceituais” para estimular novas percepções. Pensamos em metáforas e a linguagem metafórica estruturou nossas concepções da realidade desde o poema épico Gilgamesh, da Babilônia. Tentar regular uma metáfora talvez signifique limitar nossos meios de enxergar.

No entanto, algumas metáforas de que sabemos – só sabemos, como o juiz Potter Stewart só sabia de pornografia – são enganosas, perniciosas ou pior. E como decidimos? Como determinamos o que conta enquanto metáfora ética? Que critérios aplicamos?

Rumo a um discurso público mais rico

Ofereço aquilo que chamo de os Quatro Testes, ou critérios para avaliar padrões éticos da linguagem figurativa no discurso público.

1. O Teste de História. Até que ponto a metáfora está perto de corresponder aos fatos do caso, como melhor os compreendemos? Quando o congressista Trent Franks, do Arizona, compara o aborto ao genocídio, por exemplo, podemos começar por perguntar o que se quer dizer com genocídio, que formas ele assume e quais são suas definições legais. Onde ocorreu, em termos históricos, e em que condições? Quem o patrocinou e quem sofreu com ele? Resumindo: tentamos compreender o termo em todos os seus contextos legais, culturais e históricos. E isso significa que temos que saber o que esses termos significam antes de usá-los.

2. O Teste de Ressonância. Algumas metáforas e semelhantes têm um poder cultural único de incitar. Essa linguagem vai além dos significados literais para invocar histórias mais longas de associações e imagens. “Hitler” é um desses termos. Quando pensamos em Hitler, pensamos em mais do que um indivíduo, por mais odioso que seja. Lembramos o gueto de Varsóvia, os campos de extermínio e as câmaras de gás. “Hitler” não é apenas o nome de uma pessoa; é um veículo transbordando de lembranças históricas. É um sino que quando você toca, o recinto se enche de outros sons, de outros ecos. Há muitos termos como esse: “linchamento”, “libelo de sangue”, “apartheid”. Se usarmos esses termos, devemos saber seu lugar na consciência coletiva cultural.

3. O Teste da Proporcionalidade. A seriedade da metáfora é proporcional àquilo a que é aplicada? Alguns anos atrás, li uma matéria no Boston Globe na qual o redator de esporte descrevia os muros do estádio Fenway Park como que se fechando sobre um jogador visitante, como os tanques russos tinham cercado a Tchecoslováquia durante a Primavera de Praga. A metáfora, bastante desastrada, não passou no teste de proporcionalidade. Quando o sensacionalismo supera a avaliação, podemos estar entrando no reino do discurso aético.

4. O Teste da Sala Silenciosa. Uso aqui “sala silenciosa” para designar um lugar para o auto-exame de quem escreve. O teste final da metáfora ética, em outras palavras, é um que aplicamos a nós próprios. No fundo, quando usamos um argumento, sabemos – não sabemos? – incitar ou esclarecer, inflamar ou compreender. Portanto, o últimos teste é um que fazemos em nossas próprias salas silenciosas, avaliando as intenções e os efeitos de nossas palavras.

Não imagino que estes modestos testes possam ser aplicados de maneira universal, ou que resolvam conflitos entre partes com valores fundamentalmente diferentes. Alguns vazamentos não podem ser evitados. Porém, a própria reflexão pode servir como ponto de partida: um reconhecimento de que a linguagem do argumento público nos envolve – estudantes e professores – em questões de ética, de valores e de virtudes. Caso ocorra, essa compreensão pode ser o primeiro passo rumo a uma prática melhor, mais saudável e, em última instância, mais construtiva do discurso público.

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John Duffy é professor de inglês e diretor do programa de Redação na Universidade Notre Dame