A equipe de jornalistas acampou do lado de fora do luxuoso edifício esperando pela visita que um político importante fizesse a sua amante. O fotógrafo registrou o suposto traidor chegando de noite e saindo de manhã. Peguei! Nos Estados Unidos seria um furo que poderia incendiar um clássico escândalo sexual. Porém, desta vez a coisa se deu em Paris e ocorreu com o presidente francês, François Hollande. Uma revista de celebridades, Closer, fotografou-o visitando um apartamento emprestado de uma atriz a menos de 300 metros do palácio presidencial. Ele chegou numa motocicleta dirigida por um segurança, usando um capacete para esconder sua identidade.
Um escândalo sexual? Mais non. Trata-se da França! O caso Hollande é comentado por todo mundo, mas a indignação moral parece ausente. Para começar, o presidente e a primeira-dama, Valérie Trierweiler, não são casados. Numa coletiva de imprensa na terça-feira (14/1), em Paris, nenhum entre as centenas de repórteres presentes levantou o braço para perguntar, por exemplo, se Hollande renunciaria. Em vez disso, os jornalistas timidamente perguntaram se Valérie Trierweiler, companheira de Hollande desde 2007, ainda era a primeira-dama, uma vez que é evidente que existe outra senhora na parada. Valérie internou-se num hospital, na semana retrasada, depois que soube que a revista Closer iria revelar os supostos encontros amorosos de François Hollande; sua assessoria informou que ela havia sofrido um choque e necessitava de repouso.
“Na vida pessoal, todos passamos por tempos difíceis”, disse Hollande, que não negou ter outra namorada. “Estes são momentos dolorosos. Mas tenho um princípio: estas questões privadas devem ser tratadas com privacidade… Este não é o momento nem o lugar” para fazê-lo. Mais cedo ou mais tarde, no entanto, o presidente terá de fazê-lo. Ele e Valérie Trierweiler foram, em novembro passado, convidados pelo presidente Obama para participar de um jantar em homenagem à França em 11 de fevereiro.
Uma pauta que a grande mídia ignorava
O roteiro da vigilância desenrolou-se de forma muito diferente do que aconteceria nos Estados Unidos, envolvendo carreiras políticas importantes em suas variações. Após a mídia os cercar tentando provar que tinham amantes, os senadores democratas Gary Hart, em 1987, e John Edwards, em 2008, viram suas aspirações presidenciais desabar devido a escândalos de infidelidade. A vigilância feita em 1996 sobre Dick Morris, conselheiro da Casa Branca no governo Clinton, em relação à sua amizade com uma prostituta levou a sua renúncia.
Atualmente, entretanto, a vigilância envolve celebridades. Alguns casos são farsas montadas antecipadamente e orquestradas por agentes de publicidade. As celebridades, em especial personalidades de reality shows de televisão, dão dicas às agências fotográficas dizendo onde poderão ser encontradas fazendo compras ou outras coisas, segundo Barry Levine, editor-executivo do tabloide National Enquirer. “Nas organizações jornalísticas em geral”, diz Levine, “embora a vigilância seja rotina em Hollywood, em termos de reportagens de escândalos tornou-se uma arte perdida. Isso porque essas operações envolvem muito dinheiro, esforço e planejamento.”
Segundo Levine, por mais de dois meses o Enquirer vigiou a comunidade fechada no estado da Carolina do Norte onde morava a amante grávida de John Edwards, Rielle Hunter; Levine tinha certeza que o tabloide tinha uma matéria que a grande mídia nacional ignorava. O Enquirer também vigiou o hotel Beverly Hilton para conseguir a foto que seria decisiva, de Edwards visitando o bebê.
“O presidente não está bem protegido”
A vigilância feita pela revista Closer foi arriscada, considerando-se a possibilidade de que oficiais armados da segurança do presidente disparassem contra bisbilhoteiros da publicação. O fotógrafo que estava lá, Sebatien Valiela, disse que se surpreendeu com a falta de segurança. “Acho que o presidente não está bem protegido”, disse ele a uma rede de rádio francesa.
“Tirem o chapéu para a revista”, disse Levine sobre o furo.
A vigilância da revista Closer parece inédita na França, onde vários presidentes tiveram amantes despertando pouco interesse na mídia. As táticas da revista não foram bem recebidas – nem pelo público, nem por outras organizações jornalísticas. “A revista Closer quebrou as regras”, diz Laura Haim, correspondente da Casa Branca para o Canal + I. “A fronteira final é a vida privada. Você não pode tocar na vida privada de alguém.”
A matéria de capa da revista de fofocas, que vincula o presidente, de 59 anos, a Julie Gayet, de 41, pode até ter dado algum apoio ao imensamente impopular François Hollande, que é responsabilizado por muita gente pelo desemprego, pelos altos impostos e pela implosão econômica em geral. “É um exagero”, disse Peggy Sejourne, de 40 anos, que trabalha numa companhia de seguros em Paris. “Para mim, o problema concreto é o comportamento da imprensa em suas relações com a vida privada dos políticos.”
Alguns dos que assistiram à longa e tradicional entrevista coletiva que François Hollande deu na terça-feira acharam que ele se saiu bem. “Acho que ele foi muito bem ao simplesmente se recusar a discutir questões privadas”, disse o cientista político Dominique Moisi. “No final, as pessoas puderam ouvir sua mensagem” sobre assuntos de Estado.
O próximo jantar oficial
Nos Estados Unidos, há várias décadas, uma espécie de acordo de cavalheiros evitava que a imprensa falasse da vida sexual de presidentes e de outros políticos importantes. Mas o caso de Gary Hart representou uma travessia jornalística do Rubicão. Entre boatos que o vinculavam a uma relação com uma mulher da Flórida, Hart desafiou os repórteres: “Sigam-me” – o que, fundamentalmente, significava “provem”. Os repórteres do Miami Herald que vigiaram sua casa na cidade descobriram que ele passara a noite com a mulher, Donna Rice. E o Enquirer conseguiu uma foto para documentar a relação, mostrando Donna no colo de Hart num barco chamado “Monkey Business”.
“As fotos são o ‘momento da verdade’ para o público. As fotos não mentem”, diz Barry Levine. “É muito raro você conseguir uma imagem de primeira qualidade em que o político e a amante estejam olhando diretamente para a câmera.”
Na França, a explosão das redes sociais pode eventualmente superar as restrições jornalísticas, mesmo num país em que a privacidade está entre as mercadorias mais valorizadas. Os políticos não podem esperar algo que saia dos limites, diz Dominique Moisi. “As fronteiras entre a vida privada e a vida pública desapareceram”. “Uma personalidade pública deve ter consciência de que, a dado momento, as pessoas irão conhecer sua vida privada. Então, ela pode optar por ser discreta ou não tão discreta, mas de qualquer maneira haverá uma exposição. Não é uma coisa boa ou ruim. É inevitável, considerando a evolução que se deu.”
Quanto ao próximo jantar oficial, uma autoridade da Casa Branca emitiu uma declaração na terça-feira (14/1): “O presidente está ansioso por dar as boas-vindas ao presidente Hollande em fevereiro.”
Não foi mencionado se François Hollande se fará acompanhar.
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Richard Leiby é jornalista, escritor e correspondente do Washington Post no Paquistão