Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

O segredo de um ‘paywall’ bem-sucedido

Todo mundo gosta de apontar para o New York Times como modelo de veículo jornalístico com um paywall bem-sucedido, ou o modelo de assinaturas digitais, mas os autores de um relatório divulgado no ano passado sobre o jornalismo pós-industrial, da Universidade Columbia, destacaram que só há um New York Times – assim como só há um Wall Street Journal. A única lição concreta que esses publishers têm a dar aos outros veículos jornalísticos é: “Azar o seu, que não é o New York Times nem o Wall Street Journal.”

Entre os pequenos atores, no entanto, algumas lições interessantes estão surgindo sobre o que faz funcionar um modelo de assinaturas. Para mim, pelo menos, uma das mais irresistíveis é a de que a sua capacidade em construir e manter um vínculo forte com sua comunidade é fundamental – o exemplo do site holandês extremamente bem-sucedido De Correspondent, financiado coletivamente, é uma dessas questões.

Só para recapitular, De Correspondent é um site que foi fundado por dois ex-membros da equipe do NRC Handelsblad – uma ramificação de um dos principais jornais do país – que estavam descontentes com as tímidas tentativas de seu patrão de se adaptar ao mundo do jornalismo digital e decidiram deslanchar por conta própria. Lançaram uma campanha de financiamento coletivo que arrecadou a alucinante quantiade 1,7 milhão de dólares (R$ 4,15 milhões) e mais de 19 mil pedidos de assinatura anual.

Financiamento coletivo de US$ 2 milhões por ano

Segundo um artigo recenteda revista Fast Company, hoje o site tem cerca de 30 mil assinantes que pagam cinco euros (R$ 16,60) por mês. Isso significa que, mesmo que sua base de assinantes deixasse de crescer, o De Correspondent ainda contaria com uma receita mensal da ordem de quase 200 mil dólares (R$ 480 mil) de seus assinantes, ou seja, mais de dois milhões de dólares (R$ 4,8 milhões) por ano.

Isso não pareceria muito se você tivesse uma redação do tamanho do New York Times ou do Washington Post, mas, evidentemente, como destaca o analista de mídia Ken Doctor num texto recenteno Nieman Journalism Lab, os custos de uma nova empresa jornalística estritamente digital são consideravelmente mais baixos do que os de entidades já estabelecidas – o que ajuda a explicar por que tanta gente está começando essas empresas.

De Correspondent também tem um lucro de 5% e o restante de sua receita é reinvestido no site, o qual, segundo o publisher Ernst-Jan Pfauth, já saiu do vermelho. “Se 40% de nossos sócios não renovarem em setembro, ainda assim sobreviveremos”, disse ele à Fast Company.

Não só leitores: colaboradores

Um dos princípios em que se apoia De Correspondent é que o veículo jornalístico e sua comunidade de leitores são duas partes de uma única coisa, e não apenas um lado que vende e outro que compra o produto. Num detalhe significativo, o veículo jornalístico holandês não se refere aos comentários dos leitores como “comentários”, mas sim como “contribuições” – ao contrário de muitos sites jornalísticos, que ignoram por completo ou minimizam a resposta do leitor. O cofundador Sebastian Kersten diz o seguinte: “Em toda a plataforma, nós construímos o diálogo, e não o monólogo, como é comum. Enquanto jornalista, você lidera a conversa.”

Como observa o texto da Fast Company, uma recente reunião editorial foi realizada num café de um cinema local. Cada redator é responsável por apresentar uma reunião mensal da qual os leitores podem participar e conhecer determinados temas e/ou interagir com outros assinantes e jornalistas. Esse tipo de evento do mundo real também é um fator importante na construção do senso de comunidade – o que ajuda a explicar por que tantas empresas jornalísticas vêm expandindo por meio de contínuas conferências.

Além do mais, o vínculo e o relacionamento com os leitores são reforçados pelo fato de que os assinantes de De Correspondent podem fazer sua assinatura para um único redator e cada redator tem seu espaço próprio para responder e envolver os assinantes. A Beacon, uma plataforma para jornalismo de financiamento coletivo que foi lançada no ano passado, vem tentando uma abordagem do mesmo tipo – os leitores fazem sua assinatura para um único redator e essas contribuições ajudam a manter estável toda a equipe de redatores que escrevem sobre os mais diversos assuntos.

Leitores decidem quem se dá bem e quem erra

Esse vínculo com os leitores também é fundamental para plataformas como o Dish, site independente lançado pelo blogueiro Andrew Sullivan, ex-Daily Beast e Atlantic. No final do ano passado, o Dish tinha arrecadado cerca de 800 mil dólares (R$ 1,6 milhão) de assinantes – e, num post recente, Sullivan disse que chegou a quase 500 mil dólares (R$ 1,2 milhão) o dinheiro arrecadado com as renovações nas duas primeiras semanas de janeiro. Pelo que me disse numa entrevista , o site conta com 34 mil assinantes e é lucrativo.

Como tentei demonstrar numa mensagem escrita no ano passadocomparando Andrew Sullivan e Amanda Palmer, a música alternativa que conseguiu financiamento coletivo para um álbum de mais de um milhão de dólares (R$ 2,4 milhões) com a Indiegogo, o elemento fundamental daquilo que ambos vêm fazendo é o vínculo que criaram – e que dão duro para manter – com seus leitores e/ou fãs.

Isso não significa que outras coisas não ajudem com as paywalls, como pequenos espaços privilegiados, como fazem o Financial Times e o semanário The Economist – e que algumas novas empresas, que construíram vínculos relativamente fortes com sua comunidade, como a Matter ou a NSFW, não conseguiram repetir. Porém, sem um vínculo forte com seus leitores, você quase inevitavelmente irá fracassar.

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Mathew Ingram é jornalista e redator do site GigaOM