Há cerca de dois anos, embora pareça que foi há muito mais tempo, o mundo da mídia estava envolvido em algo como uma gigantesca discussão em família sobre se era ou não uma boa ideia cobrar dos leitores pelas notícias online. Entre os defensores mais entusiastas, a discussão era conhecida como “debate da paywall”.
O inflamado alvoroço fazia parte de uma discussão muito mais ampla, sobre o futuro das notícias propriamente ditas. De um lado, uma nova geração de jornalistas focados na tecnologia apregoava um novo sistema de notícias em rede, descentralizadas, compartilhadas e coletadas por voluntários, uma abordagem mais informal e “repetitiva” (divulgar a notícia pela internet e corrigir os erros pelo caminho), menos preocupação em separar as funções comerciais e editoriais e, evidentemente, notícias gratuitas online para todo mundo. O outro lado, que resistia ao nome “velha guarda”, argumentava com a importância das instituições jornalísticas e a coleta de informações profissional, os padrões tradicionais (ou boa parte deles), narrativas longas e aprofundadas, a imparcialidade do repórter, uma separação rigorosa entre a “Igreja” das notícias e o “Estado” do lado comercial e as paywalls. (A propósito, uma coisa em que nós, da velha guarda, não insistimos foi a sobrevivência do jornal impresso).
Quando escrevi, criticamente, sobre o que chamei de “consenso do futuro das notícias”, na Columbia Journalism Review do outono de 2011, as opiniões dos defensores da tecnologia estavam em ascensão e previam – se não apressavam – a morte dos jornais. O debate interno, no jornalismo, que se desenrolou durante os últimos dois anos foi aquecido por discussões muitas vezes inflamadas – às vezes, surpreendentemente esclarecedoras, e, às vezes, profundamente idiotas.
Atualmente, entretanto, o ritmo dessas discussões diminuiu. Vejo surgir um consenso que, levando em conta o todo, é muito mais saudável para um trabalho jornalístico de interesse público do que o anterior. A realidade é que esses debates podem significar um impacto consideravelmente alarmante sobre as notícias concretas que o público recebe. Eles são importantes. O que era particularmente prejudicial no consenso anterior era sua fidelidade para com o Deus dos cliques – receita publicitária gerada por grande volume de tráfego que, por sua vez, exige grandes quantidades de novas mensagens, muitas vezes de qualidade indiferente. Esse lado também acreditava que os jornais não deveriam, em circunstância alguma, cobrar dos leitores pelas notícias online. Isso criou o que chamei de efeito da “roda giratória” nas redações norte-americanas – a velocidade em nome da velocidade, volume sem avaliações e uma espiral descendente em termos de qualidade das notícias locais. O problema com o modelo de conteúdo gratuito não é que as investigações para matérias longas e profundas e as reportagens de responsabilidade não sejam possíveis. O problema é que os incentivos vão na direção oposta. Atualmente, compreende-se que esta crença teve efeitos desastrosos na indústria jornalística, o principal suporte do jornalismo norte-americano (embora um apoio cada vez mais frágil), e ainda tem efeitos nocivos em algumas regiões.
Falo por mim, neste texto, e não pela Columbia Journalism Review. Segue-se aqui o que considero o novo consenso sobre o futuro das notícias, ou, talvez melhor, o consenso das notícias no dia de hoje, uma vez que isso não parece tanto para onde vamos, e sim, onde estamos.
Consenso nº 1
Notícias online gratuitas são uma configuração ruim para a herança das organizações jornalísticas.
Basicamente, o lado que defendia a paywall, a velha guarda, levou a melhor nesta questão. O progresso obtido em 2011 pelas assinaturas digitais do New York Times foi descartado, de início, como um caso único (assim como o êxito das assinaturas digitais do Wall Street Journal e do Financial Times foi igualmente descartado alguns anos antes). Mas esse argumento foi se desgastando à medida que os avaliadores das assinaturas digitais chegaram a resultados bem-sucedidos por todo o mundo. As variantes do modelo adotadas por sites digitais como o de Andrew Sullivan, Politico e mesmo o Capital New York são ilustrativas de como as paywalls foram bem-sucedidas. Tentativas enérgicas feitas pela empresa Advance Publications, controlada pela família Newhouse, para adaptar organizações jornalísticas que já foram importantes, como o New OrleansTimes-Picayune e o Cleveland Plain Dealer, ao modelo de publicidade gratuita proporcionam um contraexemplo horroroso. E, principalmente, a compreensão de que o crescimento da publicidade digital dos jornais, a grande esperança por trás das notícias gratuitas, foi enormemente decepcionante, e que os sistemas de medição de assinaturas do tipo do Times mostraram que não alteram significativamente o tráfego digital. Mas as assinaturas digitais, se apropriadamente desenvolvidas, são dinheiro gratuito.
Consenso nº 2
As paywalls são uma ferramenta, e não uma panaceia.
Esse é um espantalho com que tivemos que lutar durante anos. Embora a receita da paywall seja muitas vezes significativa – em lugares como o New York Times e o Financial Times compensou perigosas quedas na receita publicitária dos jornais impressos –, na maioria dos lugares é uma corrente de receita útil, mas que não basta para compensar a totalidade das quedas de receita, o que cria uma situação de espiral descendente em termos de cortes nas redações e perda de qualidade na informação.
Consenso nº 2 (a)
As paywalls impõem um imperativo de qualidade.
Isso porque, para que exista algum tipo de crescimento, o conteúdo por trás de uma paywall não pode ser um jornalismo de rotina. Há um motivo para que a Gannett, como diz Ryan Chittum, tenha “uma reputação merecida e há muito tempo constituída de muitos excessos e uma qualidade ruim” – o que levou ao fracasso sua estratégia digital. Após um sucesso inicial vendendo produtos digitais a assinantes do jornal impresso (basicamente, um cauteloso aumento de preço), não teve o mesmo sucesso quando passou a vender assinaturas para veículos exclusivamente digitais por conta de seu conteúdo. Já o Minneapolis Star Tribune continua sendo um jornal de qualidade e teve sucesso, de saída, com assinaturas digitais, mostrando um crescimento de 33% apesar do aumento de preço. As paywalls de conteúdo apenas mediano não dão certo.
Consenso nº 3
Organizações jornalísticas que já nasceram digitais podem cobrar ou não e, de certa maneira, podem fazer o que bem entendem.
A questão das assinaturas pertence basicamente aos jornais. Huffington Post, Business Insider, BuzzFeed e outros sites dependem de grandes volumes de tráfego – normalmente gerado por leitores que compartilham seu conteúdo no Facebook e em outras plataformas de redes sociais – para conseguir uma receita de publicidade digital. Embora sejam normalmente ridicularizados por seu conteúdo feito para chamar a atenção, também coletam informações para notícias e matérias longas e aprofundadas de boa qualidade. Considerando que sua concorrência na publicidade digital é esmagadoramente dominada por umas poucas empresas não jornalísticas – como o Google e o Facebook –, qualquer tipo de jornalismo criado por essas novas organizações é uma contribuição para as notícias. Uma questão interessante é quanto material de qualidade esses sites conseguem produzir. Os jornais importantes ainda produzem matérias longas e aprofundadas às centenas, e mesmo milhares, anualmente, embora se verifique uma redução dramática nesse número nos últimos dez anos.
Consenso nº 4
A matéria tradicional – e não o tweet, o post no blog ou a palavra na nuvem – ainda detém a primazia no jornalismo dos EUA.
Sei disso porque dois dos mais respeitados representantes da opinião focada na tecnologia, o escritor Clay Shirky e a professora Emily Bell, da Universidade de Columbia, o disseram num famoso relatório de 2011, “Jornalismo Pós-Industrial”, que escreveram com Christopher Anderson. “O mais relevante, no momento, é fazer reportagens sobre assuntos importantes e verídicos que possam mudar a sociedade”, escreveram eles. E eu concordo. Isso não significa que outras formas de notícias não continuem a ganhar importância – as notícias em vídeo estão em particular ascensão. Mas eu sugiro que continuem complementando a matéria.
Consenso nº 5
A utilidade do jornalismo de fontes múltiplas – voluntários coletando informações ou se organizando pelas notícias – é concreta e, até agora, limitada.
Importantes contribuições em situações de notícias de última hora foram de não-profissionais (a Primavera Árabe, o acidente nuclear de Fukushima) e separadas em enormes volumes de dados (o projeto “Dollars for Docs“, da ProPublica, permitiu que os leitores apurassem entre os milhões de pagamentos feitos aos médicos pela indústria farmacêutica). Os limites foram expostos quando leitores do site da rede social Reddit identificaram as pessoas erradas como suspeitos dos ataques à bomba na maratona de Boston. Como se sabe, o New York Post também o fez. Portanto, as fontes múltiplas não representam um monopólio em erros, de maneira alguma. No entanto, se há alguns anos os teóricos do trabalho em rede tinham grandes esperanças naquilo que chamavam de produção múltipla por voluntários [peer production] em jornalismo, o grosso da coleta de informações para notícias será feito por pessoas que são pagas para fazê-lo, mesmo se as experiências com fontes múltiplas continuarem e seu potencial permanecer não explorado, mas amplo. Como escreveu Jay Rosen num post, no ano passado, sobre onde as filosofias do jornalismo concordam e discordam: “Os blogueiros e os jornalistas-cidadãos não conseguirão preencher a lacuna.”
Consenso nº 6
O que quer que pensemos sobre o atual ecossistema de notícias – melhor, pior, mais rico, mais fino, mais democrático, mais idiota –, a área de cobertura dos governos local e estadual é desastrosa.
As redações metropolitanas que já cobriram delegacias de polícia, escolas, autoridades fiscais e o poder em suas comunidades parecem ter sido atingidas por uma bomba de nêutrons; as mesas estão lá, mas as pessoas sumiram. Pautas importantes como o meio ambiente e a educação não têm cobertura alguma. Como disse um importante relatório das Comunicações Federais em 2011, “uma abundância de veículos jornalísticos não significa uma abundâncias de reportagens… Embora a tecnologia digital tenha dado poder a algumas pessoas de muitas maneiras, o declínio paralelo nas reportagens locais, em outros casos, tirou o poder dos cidadãos passando-o ao governo e a outras instituições poderosas que, mais frequentemente, organizam a pauta das notícias”. Amém.
Estas não são as únicas coisas que podem ser ditas em nome de ter encontrado um consenso. E talvez eu esteja errado. Talvez não haja consenso algum. (Não acho que a questão Igreja-Estado tenha sido suficientemente aprofundada, por exemplo, embora as organizações jornalísticas tradicionais pareçam estar reafirmando a importância de fronteiras nítidas).
Porém, a menos que você ache que o atual ambiente midiático está bom do jeito que está – e se você acha, tenha saúde –, já é hora do pessoal da tecnologia, assim como os tradicionalistas e o público, encontrar um consenso e, em seguida, achar um meio de construir sobre ele.
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Dean Starkman é jornalista e crítico de mídia