Os recorrentes tiroteios em escolas americanas estimularam não apenas uma reavaliação das medidas de segurança, mas deram início a uma onda de esforços de veículos jornalísticos para avaliar a eficácia destes protocolos. No entanto, este tipo de cobertura, com direito a repórteres disfarçados que invadem instituições de ensino com câmeras escondidas, tem levantado questões mais amplas sobre suas implicações éticas e práticas. Em alguns casos, as coisas podem dar bastante errado.
Foi o que aconteceu em St. Louis, no estado do Missouri, em janeiro deste ano, quando um jornalista de um canal de notícias entrou em uma escola sem aviso e começou a circular pelos corredores. O objetivo da missão era verificar a segurança do local. Após alguns minutos, ele despertou a desconfiança de funcionários, que avisaram a polícia. Foi um caos: professores apagaram as luzes, estudantes se amontoaram nos cantos de suas salas de aula e pais preocupados correram para verificar seus filhos. Logo, todos tiveram que ficar confinados até o esclarecimento da situação.
Thomas Williams, superintendente da escola, ficou indignado. “Então tudo bem se eles começassem um incêndio para testar o quão rápido o corpo de bombeiros reage?”, questionou. “É uma questão que envolve segurança. Não é um ato responsável. É o jeito errado de fazer isso”.
Depois de inicialmente defender sua reportagem, três dias após o episódio a emissora pediu desculpas a Williams em um editorial. A emissora afirmou ainda que estava alterando suas práticas para se certificar que fato semelhante não se repita, embora não tenha especificado exatamente as mudanças adotadas.
Peso dos riscos
Testar a estrutura da segurança pública secretamente tem se tornando uma tradição entre repórteres americanos. Depois dos ataques de 11 de setembro, vários deles tentaram passar com itens proibidos nas áreas de segurança de aeroportos para ver se eram descobertos.
Após o atentado de Oklahoma City, em 1995, uma emissora de televisão em Tampa realizou uma façanha malsucedida ao estacionar um caminhão alugado em frente a um prédio federal, deixando o veículo ali. O repórter responsável pela ação foi detido, interrogado e repreendido por agentes federais antes de ser liberado.
Em Fargo, Dakota do Norte, um correspondente que entrou em uma escola clandestinamente em dezembro passado foi investigado por invasão; no entanto, as queixas foram retiradas quando a estação para a qual ele trabalhava concordou em não cobrir notícias relacionadas à referida escola durante 90 dias.
Críticos dizem que estas reportagens investigativas não fornecem um retrato exato da segurança das escolas, e questionam até mesmo se trazem qualquer benefício público. “Acho que deve haver um bom propósito jornalístico para justificar essa tentativa aleatória de pescar uma reportagem”, declarou Bob Steele, professor de ética jornalística na DePauw University. “Tem que haver um motivo para fazê-lo, para testar algum fator em especial baseado numa evidência diferente de ‘a segurança escolar é um problema em nosso país’. Agências de notícias também devem pesar o risco sobre suas atitudes.” Questiona ele: “e se o repórter causar tal alarme, a ponto de o agente de segurança escolar sacar uma arma? Como ele reagirá em tal situação?”.
Jornalismo-verdade
No entanto, alguns jornalistas afirmam que o valor da notícia das coberturas clandestinas supera as potenciais desvantagens. De acordo com Alexandra Wallace, vice-presidente sênior da NBC News, uma série de reportagens do gênero transmitidas no programa Today, em dezembro, serviu como aviso para os pais se conscientizarem sobre a segurança nas escolas de seus filhos. Na série, um repórter visitou cinco escolas na região de Nova York e foi capaz de circular em uma delas sem ser interrompido por qualquer funcionário.
“Não vejo outro modo de enxergar a verdade se não for dessa forma”, diz Alexandra, referindo-se à técnica da câmera escondida. “No momento em que você aparece com uma câmera imensa, as coisas ficam muito mais bonitas”.
Alexandra, que tem dois filhos em idade escolar, diz que ela e outros pais pensam regularmente nas precauções em relação à segurança das instituições de ensino. Jeff Rossen, um dos jornalistas responsáveis pelo material do Today, abriu sua reportagem dizendo que sua filha estava na escola primária. “Isto me atinge diretamente”, justificou. A NBC News alega que consultou seus advogados e especialistas em segurança escolar, analisando cuidadosamente as políticas escolares e leis estaduais antes de realizar suas reportagens.
Apesar das potenciais armadilhas, alguns membros da comunidade e funcionários de escolas são a favor das reportagens investigativas clandestinas. Sonya Hampton, presidente da Associação de Pais e Professores na escola Sojourner Truth, no Harlem, Nova York, aplaudiu a matéria da WNBC na qual um repórter foi capaz de obter acesso irrestrito em sete de dez escolas investigadas em Nova York. (a Sojourner Truth não fez parte do experimento.) “Se você estivesse fazendo seu trabalho bem-feito, nunca deveria permitir a entrada de estranhos numa escola”, diz Sonya. “A escola é pega desprevenida. E se isso for necessário para chamar a atenção ao problema, então, sim, pode ser considerado um bom trabalho jornalístico”.