Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Grupo canadense faz sucesso com jornalismo informal

Não é um exagero dizer que a grande mídia tradicional abomina a Vice, que nasceu como uma revista alternativa canadense e se transformou num império global de vídeos. A empresa disparou para a fama ao realizar documentários sobre o estranho, o violento e o bizarro, e conseguiu sucesso onde seus rivais falharam: na criação de vídeos de notícias que tanto atraem quanto entretêm os jovens.

As produções em vídeo da Vice apresentam o que poderia ser descrito como uma sensibilidade única para as notícias online: abordagem nitidamente subjetiva, feita com câmeras de mão, geralmente ornadas por palavrões, e muitas vezes mostrando o uso de drogas em cantos pouco conhecidos do mundo.

Com uma parceria com a HBO, a Vice ampliou seu alcance para além da internet e se estabeleceu como um canal de vídeos global capaz de competir com companhias maiores com profunda experiência em jornalismo televisivo, como CNN, al Jazeera e MSNBC, dentre outras.

Agora, a empresa canadense lançou seu canal de notícias online, o Vice News, voltado a uma cobertura mais séria. “Se você ligar a TV agora na CNN, há grandes chances de você passar seis horas assistindo a informes sobre o avião da Malaysian Airlines”, diz o cofundador do canal, Suroosh Alvi, um canadense descendente de paquistaneses e formado em Filosofia. “É como se nada mais estivesse acontecendo no mundo. Eles estão facilitando muito nosso trabalho de dar ao público o que o público quer, que são histórias sobre o resto do mundo”.

Ao contrário das empresas tradicionais, que a cada mês que passa anunciam o fechamento de mais uma sucursal por corte de custos, a Vice investe em escritórios espalhados por todo o mundo e em coberturas-chave de questões internacionais importantes.

Recentemente, Alvi esteve no noroeste do Paquistão para mostrar como os talibãs tiram proveito dos ataques aéreos dos EUA na região. Em um especial produzido para a HBO, ele entrevistou oficiais e ativistas locais, conversou com um guerrilheiro do Talibã mascarado e conseguiu imagens de um campo de treinamento do grupo. Em geral, o documentário fez uma crítica hábil aos ataques aéreos norte-americanos: a de que, mais do que aniquilar os inimigos, eles estão criando novas inimizades, e de que o Talibã transformou os bombardeios em uma ferramenta eficaz de recrutamento.

Alvi já tinha viajado para o Paquistão em outra ocasião para documentar o que pode ser amplamente intitulado como a inutilidade dos métodos atuais para combater o extremismo por lá. A cobertura de Alvi sobre o Paquistão pode ser vista como um modelo para o sucesso do canal de notícias da Vice. Sua expedição em 2006 aos mercados de armas de Peshawar gerou enorme interesse na internet e apresentou o tipo de narrativa que transformou a Vice em queridinha da Internet e em objeto de crítica entre os meios de comunicação do establishment: fantasiado como uma paródia de um senhor da guerra do Talibã, Alvi viajou pelas regiões tribais paquistanesas e fez uma farra comprando armas. Durante o documentário, ele brande várias armas para a câmera, inspeciona as mercadorias de um fabricante de armas cuja língua foi cortada e atira uma AK-47 de um telhado – e parece se divertir o tempo todo.

“Exibicionismo”

Este estilo informal e ousado irrita a grande imprensa. Ao contrário dos jornalistas sóbrios dos grandes veículos, a Vice quer que seus correspondentes em campo tenham um pouco de diversão, façam algumas “merdas malucas” (expressão favorita dos apresentadores) e registrem tudo com a câmera.

A Vice não está em busca da mais pura noção de objetividade, o que é incompreensível para algumas empresas de notícias mais tradicionais. Este conflito é mostrado no documentário Page One, no qual David Carr, colunista do New York Times, se enfurece com Shane Smith, o cofundador tatuado da Vice, por conta da cobertura realizada na Libéria.

A opinião de Carr é que, após assistir ao documentário da Vice, o espectador não adquire uma grande visão sobre o conflito. Em vez disso, o material consiste basicamente em mostrar Smith se enfiando em situações difíceis e se livrando delas num exibicionismo para a câmera, mostrando sempre o volume de perigo no qual se metera. Para jornalistas e correspondentes de guerra que são baleados com frequência e não se gabam diante das câmeras, esta perspectiva é compreensivelmente exasperadora.

Mas a crítica, por outro lado, ignora um ponto importante: a Vice se apresenta mais como uma empresa ligada a um estilo de vida do que como uma empresa de notícias, mesmo que tal perspectiva esteja mudando.

Conteúdo autêntico

A questão crucial é que a Vice descobriu como embrulhar as notícias num pacote que consegue levar os jovens a consumir seu conteúdo online. “Em nosso desejo de criar conteúdo autêntico, este sempre foi um fator importante: nos aproximarmos o máximo possível da fonte”, diz Alvi. “Nosso conteúdo pode ser mais cru do que muito do conteúdo polido que existe por aí, mas também é importante ser capaz de se embasar e de ter credibilidade”.

E por ter conseguido exatamente isso, Alvi ficou rico. No ano passado, o magnata de mídia Rupert Murdoch e sua News Corp adquiriram uma fatia de 5% da Vice, o que levou a empresa a ser avaliada em US$ 1,4 bilhão. Agora, Smith cogita até mesmo em transformar o canal Vice em um canal de TV público.

Atualmente, o faturamento da empresa vem de modelos tradicionais de propaganda, licenciamento de vídeos para emissoras de TV internacionais e injeção de capital de empresas como a Intel para a realização de vídeos patrocinados.

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