Wednesday, 25 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Sobre justiça, política e ética jornalística

Se os norte-americanos ainda se lembrarem de alguma coisa do escândalo dos grampos telefônicos de três anos atrás na Grã-Bretanha, eles se lembrarão dos atores Hugh Grant e Jude Law queixando-se de que suas mensagens de voz haviam sido invadidas. Também poderão lembrar que um tabloide lucrativo, de 168 anos de idade, foi fechado como reparação pela então proprietária do Wall Street Journal.

No entanto, quando o News of the World fechou as portas, os grampos telefônicos já eram coisa do passado. A prática havia desaparecido cinco anos antes, quando dois membros do tabloide foram condenados por escutas ilegais em mensagens telefônicas da residência da rainha. Os acontecimentos que levaram ao fechamento do jornal vêm ainda de mais longe. Alguns dias antes da confusa decisão de encerrá-lo, o jornal The Guardian divulgou que o News of the World, em 2002, havia interceptado o correio de voz de uma menina desaparecida, apagando mensagens, destruindo provas e dando a seus pais a falsa esperança de que a menina ainda estivesse viva.

A maioria dessas denúncias não era verdadeira. As mensagens não haviam sido apagadas. Não fora dada falsa esperança. Como apareceu mais claramente durante o julgamento dos principais jornalistas envolvidos nas últimas semanas, o News of the World levou seus achados à polícia do condado de Surrey, passou a mensagem principal e até discutiu com eles o significado desses achados.

As denúncias incendiárias do Guardian

O que aconteceu foi o seguinte: uma mensagem de voz deixada por uma agência de empregos parecia indicar que a menina de 13 anos ainda estava viva e procurava um emprego numa cidade próxima. A polícia achou que a mensagem era um trote. O jornal entendeu que era uma prova de que a menina havia fugido. Não era nenhuma das duas coisas. A chamada fora feita para um número errado. Mas prevaleceu a interpretação da polícia. O News of the World deu como título a seu texto “A indignação do ‘trote’ sobre a menina desaparecida” e incluiu uma longa citação de uma autoridade policial do alto escalão, aparentemente indicada para ajudar o jornal a aproveitar-se da defesa do “interesse público”, tal como dispõe a Lei de Proteção de Informações na Grã-Bretanha.

Por que a polícia não investigou o jornal por se ter apropriado de informações? Isso nunca foi adequadamente explicado, mas o procurador da coroa encarregado do caso desculpou o comportamento da polícia junto aos jurados destacando que a interceptação ilegal estava “amplamente disseminada por toda a indústria jornalística” e que, “na época, ninguém achou que fosse errado”. Ele poderia ter acrescentado que, até 2010, o próprio Serviço de Procuradoria da Coroa resistia à acusação, aconselhando que a interceptação só era ilegal se a mensagem fosse ouvida antes da pessoa a quem se destinava.

A reportagem do News of the World de 2002 sobre Milly Dowler, a menina desaparecida, dizia claramente que o fato se baseava na interceptação de uma mensagem de voz. A matéria continha sinais claros de envolvimento e tolerância pela polícia. Quando o Guardian apareceu, dez anos depois, com suas denúncias incendiárias (que o próprio Guardian reconheceria, posteriormente, que eram equivocadas), a ex-editora do tabloide, Rebekah Brooks, que atualmente está sendo julgada, disse a um colega que o texto do Guardian era “coisa dos trabalhistas” e citou um tweet de um político do Partido Trabalhista, na véspera, dizendo que “vinham pela frente coisas excitantes”.

Celebridades já não são tratadas acima da lei

Tudo isto é para provar que nem sempre as coisas são tão simples como parecem. O caso de amor dos jornais britânicos com os grampos telefônicos coincidiu, quase à perfeição, com o primeiro mandato de Tony Blair como primeiro-ministro. Nem as condenações por violação de mensagens da residência da rainha, em 2007, precipitaram a indignação pública ou o fechamento de jornais. E nem os dois relatórios do Comissário de Informação, escritos em 2006, que detalhavam os hábitos de invadir a privacidade dos tabloides britânicos. E nem a longa investigação pela Scotland Yard, em 1999, de um investigador particular amplamente usado pelos jornais britânicos para coletar informação ilegalmente.

Porém, sob um novo governo conservador eleito em 2011 (David Cameron tomara posse um ano antes), as falsas denúncias publicadas por um jornal simpatizante dos trabalhistas dez anos antes subitamente estimularam a repulsa nacional e o fechamento de um jornal lucrativo. Em retrospecto, o incidente que propiciou a penitência parece relativamente responsável, no histórico de jornais que comercializam informações ilegalmente recebidas (alguém se lembra de Edward Snowden?). Antes de divulgar publicamente a matéria, o News of the World havia revelado tudo à polícia, inclusive sua própria culpa, e até tinha compartilhado o código de segurança [PIN – Personal Identification Number] que usara para acessar o correio de voz de Milly Dowler.

Como dissemos três anos atrás, a indignação da Grã-Bretanha contra a interceptação de telefones tem algo em comum com o Watergate dos Estados Unidos – aquele momento de transição em que os golpes baixos praticados por ambos os partidos, na época de Nixon, deixaram de ser aceitáveis. Um resultado desejável é que as celebridades britânicas já não são mais tratadas, pela imprensa e pela polícia, como acima da lei, em termos de privacidade digital. Porém, como ocorre frequentemente quando os padrões de ética públicos são reordenados de maneira espontânea e compulsiva, grande parte de todo o episódio, inclusive a sentença de morte imposta ao News of the World, deixou de sugerir justiça.

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Holman W. Jenkins Jr. é jornalista e membro do Conselho Editorial do Wall Street Journal