Ontem à noite [08/05], Lynn Melnick – uma poetisa que faz parte da diretoria da organização Vida, que defende uma melhor representação das mulheres nas artes literárias – voltou sua atenção para o número de óbitos de mulheres. Ela contou os 66 obituários mais recentes publicados pelo New York Times e constatou que apenas sete das pessoas recentemente falecidas que mereceram um post mortem eram mulheres. Quando Lynn Melnick assinalou esse grave desequilíbrio no Twitter, o perfil @NYTimesObituary, que parodia a seção de obituários do New York Times, respondeu com uma graça: “Uma análise interessante. Após uma cuidadosa avaliação, acreditamos que as mulheres tenham uma tendência a morrer menos frequentemente.”
Essa é uma versão inteligente da velha piada do jornal satírico Onion de que o índice mundial de óbitos continua firme em 100% – uma verdade óbvia que, no entanto, seria perdida por um leitor cuja única visão de humanidade fosse pela lente do New York Times. Como disse Lynn Melnick no Twitter, a cobertura do Times dá a impressão de que tanto as vidas quanto as mortes dos homens são mais importantes. (Em 2013, um estudo constatou que a primeira página do Times citou fontes masculinas em 65% dos casos e fontes femininas em 19%; os casos restantes não foram identificados por gênero.) Mas nós vivemos numa sociedade sexista, na qual as contribuições de homens são, realmente, mais importantes. A página de óbitos do Times reflete a triste realidade de que o jornalismo de morte não é a única indústria que acha que as mulheres têm menos importância para nossa atenção. A maioria das pessoas citadas nos obituários do Times tem como referência para os critérios finais de inclusão idades entre 60 e 100 anos, o que significa que começaram a se destacar entre os anos de 1940 e 1960, quando as mulheres eram particularmente excluídas das esferas da política, do jornalismo, do cinema, da ciência, da tecnologia, da literatura e do atletismo profissional, assuntos tipicamente destacados pelo Times.
Inúmeras oportunidades de fazer a coisa certa
Entretanto, a solução de simplesmente esperar pela morte de mulheres importantes é deprimente – e, de qualquer maneira, o tempo não resolve o problema por si só. Uma vez que os homens atualmente ainda dominam a indústria do óbito, é pouco provável que vejamos paridade no Times nos próximos tempos. (Nos seus mais recentes 66 obituários, o Times teve apenas um homem e uma mulher que morreram na faixa dos 30 anos. Mas como as mulheres vivem mais do que os homens, até sobre mulheres que foram importantes nas décadas de 70 e 80 não se escreverá tanto quanto sobre homens da mesma época.) Não me surpreenderia se todos os jornais fossem queimados num fogo do inferno apocalíptico – ou robôs pós-gênero assumissem o controle de nossa sociedade – antes de ver igualdade de gênero nas páginas de obituários. Mas a atual proporção do Times – apenas 10% de seus óbitos são de mulheres – pode ser melhorada. “Sem uma lista completa das pessoas que morrem a cada dia, não é possível saber até que ponto o problema está na falta de opções profissionais para as gerações de mulheres anteriores”, disse-me Lynn Melnick. “Dito isso… eles publicam o óbito do escritor canadense Farley Mowat. Porém, o NYT não achou que valesse a pena publicar o óbito da escritora e ilustradora de livros infantis Kate Duke, que, segundo o Publisher’s Weekly, morreu no dia 20 de abril. Eu acho que é necessária uma nova mentalidade para decidir quem é importante destacar e por que motivos. Eu diria que há dúzias de escritoras, cientistas e professoras cujas vidas e mortes passam despercebidas porque as vidas dos homens são consideradas de maior importância.”
Embora os responsáveis do Times continuem a dizer que o jornal acredita que dá “o mesmo destaque a todas as mortes importantes, independentemente de gênero”, o obituário do jornal esforçou-se para responder a uma crítica feminista de sua cobertura. No ano passado, o Times publicou o obituário da cientistaYvonne Brill [que, na década de 70, projetou um sistema de propulsão para levar satélites ao espaço] com o detalhe de que ela “fazia um estrogonofe de carne ruim, seguiu seu marido de emprego em emprego e afastou-se do serviço por oito anos para cuidar de três filhos”. (Ela pode ter trabalhado para a Nasa, mas quando morreu o Times a pôs na cozinha.) Porém, após uma enorme indignação em relação à cobertura, o Times retirou a referência ao estrogonofe na versão online do obituário. E ultimamente o Times tem sugerido alguma flexibilidade em seus critérios de publicação para mortes importantes. No mês passado, fiquei animada ao ler no Times a nota sobre o óbito de Adrienne Wadewitz, que não entrou no radar do jornal como especialista em literatura britânica do século 18 ou como professora da Occidental University, mas foi mencionada por ter sido uma influente editora na Wikipedia. Adrienne Wadewitz, que morreu aos 37 anos, foi fundamental para o aumento da cobertura de mulheres importantes pela enciclopédia online, como Jane Austen, Mary Wollstonecraft e Mary Martha Sherwood. O texto foi uma contribuição que não cabe nas típicas obsessões do Times e proporcionou uma leitura fascinante. Infelizmente para a humanidade, muita gente morre todos os dias. Covenientemente para o Times, isso significa que eles têm inúmeras oportunidades de fazer a coisa certa.
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Amanda Hess escreve sobre mulheres, cultura e tecnologia na Slate