A mais alta corte da União Europeia decidiu, na semana passada [13/5], que, em alguns casos, o Google deverá honrar pedidos de seus usuários para que possam excluir links que levem a informações indesejadas na ferramenta de buscas. De acordo com a decisão do tribunal, as informações ainda existiriam em sites, documentos judiciais e arquivos online de jornais, mas as pessoas não necessariamente saberiam que estão lá. A decisão não é passível de recurso.
A veredicto teve como precedente a denúncia de Mario Costeja, um advogado espanhol, que recorreu à Agência de Proteção de Dados espanhola para que o Google retirasse do ar links que levavam a um artigo de jornal de 1998 que revelavam a reintegração de posse de sua casa após a contração de dívidas. Costeja sentia-se prejudicado, pois alegava que qualquer pendência relativa ao caso já havia sido quitada.
O tribunal disse que as ferramentas de busca online desempenham um papel ativo como “controladoras” de dados e devem ser responsabilizadas pelos links que fornecem. Foi dito também que uma ferramenta de busca, “como regra geral”, deve colocar o direito à privacidade sobre o direito do público de encontrar informações.
O ônus de cumprir as diretrizes do tribunal vai cair em grande parte sobre o Google, que é de longe a ferramenta de buscas dominante na Europa, abrangendo mais de 90% desta atividade na França e na Alemanha.
Em comunicado, o Google afirmou que a decisão foi “decepcionante” e que a empresa estava “muito surpresa” pelo veredicto, que diferia muito da decisão preliminar divulgada no ano passado, em grande parte favorável a ela. “Agora precisamos ter tempo para analisar as implicações”, declarou um porta-voz do Google.
Liberdade de expressão
A decisão judicial destacou a luta entre os defensores da liberdade de expressão e os do direito à privacidade, que dizem que as pessoas devem ter o “direito de ser esquecidas” – o que significa que devem ser capazes de remover seus rastros digitais da rede.
É certo que as questões de privacidade e proteção de dados na Europa ficaram ainda mais sensíveis após os vazamentos sobre os programas de vigilância dos EUA feitos por Edward Snowden no ano passado, mas, ironicamente, caso a mesma situação ocorresse em território americano, a decisão do tribunal colidiria com a Primeira Emenda da Constituição, que prega o livre exercício da liberdade de expressão.
Nada é esquecido
O processo aberto por Costeja nada mais é do que um reflexo da crescente inquietação geral sobre a capacidade da internet de definir as pessoas persistentemente contra a própria vontade. “Cada vez mais, os usuários da internet desejam um pouco da efemeridade e do esquecimento da era pré-digital”, diz Viktor Mayer-Schönberger, professor de controle de internet no Oxford Internet Institute. “Os jovens, em particular, não querem que suas fotos bêbados os persigam durante os próximos 30 anos. Se você está sempre ligado ao passado, é difícil crescer, mudar”, afirma ele. “Será que queremos adentrar num mundo no qual nada é esquecido?”
A decisão deixa muitas perguntas sem resposta. As informações seriam retiradas apenas em sites do Google em cada país, ou também seriam apagadas do Google.com? Outra questão é: o quanto de esforço uma ferramenta de busca deve fazer para investigar denúncias? Mesmo que a Europa tenha majoritariamente apagado suas fronteiras físicas internas, a decisão poderia impor fronteiras digitais… isso é justo?
Ameaça à liberdade de expressão
Um grupo de comércio para as empresas de tecnologia da informação alega que a decisão do tribunal representa uma ameaça à liberdade de expressão. “Esta decisão abre a porta para uma censura em grande escala na Europa”, diz James Waterworth, diretor da divisão de Bruxelas da Computer and Communications Industry Association, que conta com o Facebook, Microsoft e Google entre seus membros. “Embora a decisão provavelmente signifique oferecer proteções, nossa preocupação é que também poderia ser mal utilizada por políticos ou indivíduos com algo a esconder”.
A mesma visão foi ecoada pelo Big Brother Watch, um grupo de defesa das liberdades civis com sede em Londres. “O princípio de que você tem o direito de ser esquecido é louvável, mas nunca foi destinado a ser uma forma de reescrever a história”, alerta Emma Carr, diretora em exercício da organização.
A sentença dada pela corte europeia, de fato, não esclarece exatamente o que continua a ser relevante para a história. Será que um empresário deveria ser capaz de expurgar um link sobre sua falência há uma década? Ou poderia um aspirante a político remover o histórico de uma prisão por dirigir embriagado, classificando o ato como loucura juvenil?
A decisão judicial da semana passada provavelmente vai beneficiar pessoas comuns, mas não figuras públicas, afirma Larry Cohen, sócio da firma de advocacia Latham & Watkins. “A decisão vai ajudar algumas pessoas a esconder seu passado, o que dificulta o acesso a determinadas informações, mas não quando se trata de figuras públicas, ou de pessoas em quem há um interesse público genuíno”, acredita.
Mayer-Schönberger, que escreveu o livro Delete: The Virtue of Forgetting in the Digital Age (“Delete: a virtude de esquecer na Era Digital”, em tradução livre), disse que tais preocupações são exageradas e considera que o tribunal simplesmente afirmou uma prática nos padrões europeus. “Não creio que isso vá levar ao fim da internet tal como a conhecemos”, declarou.
Michael Fertik, diretor-executivo do Reputation.com, site que ajuda as pessoas a melhorarem seus resultados em páginas de pesquisa, também não vê problemas na decisão. “Pela primeira vez, a dignidade humana vai ter o mesmo tratamento online que os direitos autorais”, compara. “E esse direito vai ser protegido por lei. Isso é muito significativo”. O único perdedor, diz ele, é o Google, que não vai mais “lucrar com a desgraça alheia”.
A proposta, no entanto, ainda precisa da bênção dos 28 governos da União Europeia antes de se tornar lei. Google, Facebook e outras empresas de internet têm feito lobby contra tais planos, preocupados com os custos extras. “Isso vai resultar em custos adicionais para provedores de pesquisa de internet que terão de adicionar às suas políticas os meios para a remoção de links com dados de um indivíduo, e desenvolver critérios para distinguir as figuras públicas de particulares”, explica Fertik.