Mais um crime cometido por um estudante chocou os Estados Unidos. Em 23/5, uma sexta-feira, o universitário Elliot Rodger, de 22 anos, matou seis pessoas e feriu pelo menos 12 em Santa Barbara, na Califórnia, antes de cometer suicídio. Rodger gravou um vídeo e deixou um manifesto de 141 páginas onde justificou seus crimes, dizendo estar “dando o troco” devido a rejeições femininas sofridas ao longo da adolescência. Ele também descreveu longamente seu ódio por mais de uma dúzia de colegas de ambos os sexos; sua raiva por casais afetuosos que via em público; seu intenso ressentimento por sua madrasta; seu sofrimento por ter sido abandonado pelo pai e sua obsessão por jogos eletrônicos violentos.
Obviamente, o incidente dominou o noticiário americano nos dias seguintes. Dois veículos, no entanto, adotaram cobertura duvidosa, de acordo com análise do diário britânico The Guardian. O americano New York Post e o britânico Daily Mail publicaram o nome e fotos de uma das mulheres citadas pelo assassino em seu manifesto. Trata-se de uma jovem que passara pela vida de Rodger quando tinha apenas 10 anos e que, segundo o pai dela – que concedeu entrevista aos dois jornais – ficou “desolada” por ter sido ligada aos crimes. “Killer Crush“ (“Paixão Fatal”), dizia a manchete do New York Post. No Daily Mail, o pai da jovem disse que ela não o via há anos e só se lembrava dele como um “garoto estranho”. Ambos os jornais incluiram uma fotografia dela, que é aspirante a modelo, de biquíni.
Distorção da realidade
Especialistas em ética na imprensa criticaram a cobertura do Post e do Mail, dizendo que distorcia os fatos do caso e que era potencialmente prejudicial. “As fotos de uma jovem de biquíni publicadas pelo New York Post e pelo Daily Mail são claramente projetadas para excitar os leitores e banalizar o relato deste crime extremamente hediondo”, declarou Sarah Mathewson, gerente de campanha da Object, uma organização sediada no Reino Unido que desafia a objetificação sexual das mulheres. “Os jornais citam e chamam a atenção repetidamente para as mulheres que Elliot Rodger acusou??, reforçando a noção abominável de que, de algum modo, elas são culpadas pelos desvios dele”.
Robert Drechsel, diretor do Centro de Ética em Jornalismo da Universidade de Wisconsin, ressaltou que a publicação de tal material não acrescenta nada de valor e de significado público à história, servindo apenas para trazer danos e atenção imerecida às pessoas assassinadas e às citadas pelo criminoso. Ele reforçou que a decisão do pai de uma das jovens citadas por Rodger de conceder entrevistas aos jornais não altera as questões éticas em jogo. “As mulheres em questão são indivíduos com vidas privadas, e acho que usar seus nomes e fotografias é mais do que ligeiramente ofensivo”.
Narrativa simplificada
Kelly McBride, professora de ética jornalística no Instituto Poynter, disse que os jornais seguiram um padrão muito comum entre os tabloides sensacionalistas: distorcer a história para atender a uma narrativa familiar e sedutora a fim de conseguir audiência. “É uma narrativa simplificada; e se você analisar qualquer cobertura em torno de bullying ou suicídio, vai descobrir que a imprensa tem abusado desta narrativa, porque, afinal de contas, ela vende”, analisou.
Kelly diz que existem opções responsáveis para divulgar crimes do gênero. “A atitude mais jornalística no caso seria se aprofundar no contexto e usá-lo para auxiliar o público a enxergar os devaneios de Rodger pelo que eles são de fato. E talvez educar o público a respeito de misoginia, pensamentos delirantes e características de um sociopata”.
O tabloide novaiorquino Daily News também publicou uma foto da loira em sua capa, mas distorceu a imagem para ocultar sua identidade. “Não foi culpa dela”, dizia a manchete.